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sábado, 27 abril 2024

Teologia Prozac ou mandinga gospel?

Precisamos voltar às Escrituras e recuperar o sentido real do evangelho e o nosso papel no plano de Deus para recuperar toda a criação

Lourenço Stelio Rega

Tenho observado que muito do evangelho pregado e vivido hoje assenta-se na ideologia contemporânea do individualismo, em que o homem é o grande deus neste século. O que vale é a sua vontade, seus sentimentos, suas intuições, sua interpretação da realidade, seu desejo e seu projeto de vida.

Se alguma coisa não estiver dando certo em seu projeto de vida, algo necessita ser feito e vale tudo, começando, por exemplo, pela “múltipla pertença”, em que a pessoa deixa de ser fiel exclusivo de um determinado “deus”, igreja ou denominação e passa a buscar “recursos” em outras crenças e religiões – o importante aqui não é a sua convicção doutrinária ou fidelidade a uma “etiqueta” religiosa, mas, sim, se funciona ou não.

É um tipo de religiosidade narcisista voltada somente para o indivíduo e seus interesses pessoais. Deus não conta, a não ser se ele puder dar um “jeitinho” no tal projeto de felicidade e sucesso. Uma vez ouvi de um dos mais destacados líderes neopentecostais que eles sabiam como colocar Deus para trabalhar para a pessoa. Claro isso estava disponível para quem, em troca, contribuísse com seu “sacrifício” para obter os favores divinos.

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Hoje já é possível ver o crescimento da publicação de livros e sermões de autoajuda gospel em que a pessoa aprende como ter Deus como seu “personal guru”. Equivocadamente, estão chamando isso de “coaching gospel”. Equivocadamente, sim, pois o trabalho profissional e sério de um coach nada tem a ver com isso.

Estamos vendo crescer um tipo de “Teologia Prozac”. Vamos lembrar que Prozac é um medicamento composto de cloridrato de fluoxetina, que aumenta os níveis de serotonina no cérebro, resultando na melhora de certos sintomas e produzindo bem-estar, felicidade. É a volta popular do conceito aristotélico da “eudaimonia”, felicidade, em uma versão sofisticada.

Na década de 1990, o sociólogo cultural Gerhard Schulze começou a notar na Alemanha o crescimento da busca pela sensação de gratificação (e eu acrescento “e bem-estar”) imediata, em que as pessoas, sem terem segurança do futuro, buscam alimentar-se com sensações agradáveis que precisam sempre receber um impulso maior para que continuem sendo retroalimentadas permanentemente.

Sermões, palestras, livros e mensagens nas redes sociais estão repletas desse “evangelho Prozac” individualista, alimentado desde o Iluminismo, que afasta o indivíduo da vida concreta, tornando-o consumidor da realidade, em vez de ser construtor e protagonista dela.

Bom, afinal, como manter o “caixa” da organização ou igreja, se não dermos ao público o que ele espera? Assim, a cada dia surgem “estratégias” para conquistar o transcendente e dobrar a sua benevolência em favor da pessoa, para que tenha sucesso (material, emocional??) em seu projeto individual de vida.

As boas-novas do arrependimento e a graça de Cristo são substituídas pela transformação do evangelho em mercadoria e bem simbólico de consumo, que deve ser negociado com Deus por meio de “despachantes-pastores”, ou escritores influencers, que conhecem bem como fazer “mandinga” para dobrar a vontade lá do alto.

No Novo Testamento, a pergunta era: “Deus, como podemos lhe servir?”. Hoje, é: “Deus como pode nos servir?”

Como na época da Reforma Protestante, precisamos mesmo voltar às Escrituras e recuperar o sentido real do evangelho e o nosso papel no plano de Deus para recuperar toda a criação.

Lourenço Stelio Rega é teólogo, escritor e especialista em Bioética e Ética.

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