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quinta-feira, 2 maio 2024

Davi Lago: O que está por trás da violência nas escolas?

“O bullying se caracteriza por ser um ato covarde, de maus tratos a uma vítima incapaz de se defender”

Violência em espaço escolar fez quase 70 vítimas no Brasil, em 2022, com 28 mortos e 41 feridos; Acompanhe o díálogo sobre algo tão sério e complexo na vida em sociedade

Por Lilia Barros

A violência escolar é um fenômeno preocupante no Brasil, sendo necessária uma investigação das perspectivas sociais, políticas e psicológicas, para que se possa ampliar a compreensão do que se passa em um ambiente de formação intelectual, de desenvolvimento e aprendizagem.

Situações de violência nas instituições educacionais ganham cada vez mais destaque nas mídias e pesquisas. Dentro deste contexto, após pesquisa feita entre 2002 e 2019 descobriu-se que, ao menos oito escolas brasileiras sofreram atentados de alunos que abriram fogo contra estudantes, professores e outros funcionáiros, matando 28 e deixando 41 feridos.

O mais recente ataque aconteceu em duas escolas no município de Aracruz, norte do Espírito Santo. Um adolescente de 16 anos invadiu as unidades no dia 25 de novembro de 2022 matando quatro e deixando 12 feridos, alguns em estado grave. Atirador tinha suástica nazista e usou arma do pai policial militar.

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Ele está internado no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), onde deverá permanecer durante três anos.

Com a chegada de 2023, autoridades públicas e religiosas se empenham para entender e apontar caminhos para mitigar essa problemática que preocupa famílias, igrejas, escolas, polícias e instituições sociais. A Revista Comunhão tomou a iniciativa de entrevistar o pastor, escritor e capelão da Primeira Igreja Batista de São Paulo, Davi Lago, na busca de compreensão para algo tão sério e complexo na vida em sociedade. Confira a entrevista:

Quais as causas que levam a um comportamento social tão perigoso e violento?

Na perspectiva cristã a violência é mais do que um problema sociopolítico, é um problema espiritual. As Escrituras apontam, pelo menos, três linhas elementares. Em primeiro lugar, a raiz de toda a violência é o pecado, a separação do ser humano de Deus, seu estado de alienação da glória de Deus.

Davi Lago: O que está por trás da violência nas escolas?
Um adolescente invadiu duas escolas em Aracruz, matou quatro pessoas e deixou outras 12 feridas – Foto: Arquivo

Por causa do pecado, Deus entregou a raça humana “a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam. Tornaram-se cheios de toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia […]” (Rm 1.28-29). A carta de Tiago afirma reforça a tese de que o pecado humano é a causa das múltiplas violências que conduzem à guerra: “De onde vêm as guerras e contendas que há entre vocês? Não vêm das paixões que guerreiam dentro de vocês? Vocês cobiçam coisas, e não as têm; matam e invejam, mas não conseguem obter o que desejam. Vocês vivem a lutar e a fazer guerras” (Tg 4.1-2).

Assim, a violência é originada dentro do próprio ser humano: das paixões que guerreiam dentro dele próprio. Jesus afirmou em termos claros: “O que sai do homem é que o torna ‘impuro’. Pois do interior do coração dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios […]” (Mc 7.20-21). A violência jorra do coração humano.

Do ponto de vista acadêmico, qual o motivo para tanta violência em ambiente escolar?A ideia de que diversas mortes ocorrem apenas pelas mãos de uma única pessoa, a exemplo dos ataques em escolas de Aracruz-ES, aponta para perda total de valores? O agressor não se importa com laços afetivos?

Antes de tudo é necessário compreender que há diferentes tipos de violência na escola. Uma tipologia básica utilizada na academia é baseada em três campos:

  1. Violência da escola, quando a instituição agride o aluno em algum nível;
  2. Violência contra a escola, quando a instituição e seus integrantes são atingidos;
  3. Violência na escola, quando o ambiente escolar é palco de violências.

Perceba, então, que há várias possibilidades de violência na escola como, por exemplo: ameaças, abuso de poder, desvalorização de professores, discriminação, bullying, agressão verbal e física, depredação e dano ao patrimônio escolar, incêndios, vandalismo em paredes, portas, carteiras, cabos e equipamentos, furtos e roubos. As diferentes formas de violência implicam diferentes causas, não há respostas simplistas.

O psicólogo estadunidense Peter Langman, autor de obras como “Why Kids Kill” [Por que crianças matam] de 2009 e “School Shooters” [Atiradores escolares] de 2015, foi pioneiro na tentativa de compreender os massacres escolares, especificamente. Hoje os pesquisadores desenvolveram diversas linhas de análise para a questão: muitos estudos concentram-se nas doenças psiquiátricas e fatores como alucinação, delírio e esquizofrenia não tratada. Outros consideram os contextos de disfunção familiar, abusos sexuais, maus tratos extremos e traumas que os perpetradores enfrentam até se tornarem sociopatas, assassinos e suicidas. Há uma linha que aborda o papel de narrativas e grupos fanáticos que estimulam a destruição de pessoas.

O extremo isolamento social torna jovens rejeitados presas fáceis para esses discursos violentos e criminosos. O acesso fácil às armas de fogo é um fator de alto risco para esses massacres.

O desafio de entender crimes tão perversos como esses massacres é tão grande que existe o campo de pesquisa do crime “amouco” ou “amok”, o crime sem razão, inexplicável.

Boa parte dos alunos que ataca é afetado pelo bullying. Faça uma análise de como eles se sentem.

De fato o bullying é um dos fatores proeminentes de violência escolar como se verifica academicamente desde os estudos pioneiros do pesquisador norueguês Dan Olweus. “Bullying” é uma expressão inglesa ligada à “bully” (valentão) e “bull” (touro). A prática do bullying consiste em fazer/dizer coisas para mostrar poder sobre outra pessoa, incluindo ofender, ignorar, ferir, humilhar, excluir. O bullying se caracteriza por ser um ato covarde, de maus tratos a uma vítima incapaz de se defender.

O bullying implica, além do agressor e da vítima, nos espectadores omissos e resulta em intimidação e humilhação. Deste modo, o bullying gera na vítima o desinteresse pelos estudos, depressão e ansiedade. Em muitos casos de massacres escolares, os perpetradores foram alvos de bullying.

A violência pela qual os estudantes passam nas escolas vai atrapalhar o aprendizado deles, daqui pra frente?

Infelizmente sim. Na obra “Trauma and the memory of politics” (2003) Jenny Edkins examinou especificamente os efeitos traumáticos da violência em uma comunidade.
De acordo com Edkins, o trauma também envolve uma traição de confiança: “o que chamados de trauma ocorre quando os próprios poderes que estamos convencidos de que nos protegerão e nos darão segurança se tornam nossos algozes: quando a comunidade da qual nos consideramos membros se volta contra nós ou quando nossa família não é mais um lugar de refúgio, mas de perigo”. Deste modo, eventos traumáticos obtiveram nossas percepções anteriores sobre o mundo e nosso lugar nele.
Deste modo, o trabalho de prevenção nestas tragédias escolares é vital. Sobreviventes e testemunhas, neste contexto, têm suas experiências subvertidas através de expedientes conhecidos: medicalização (síndrome de estresse pós-traumático), novas narrativas (simbologia de heróis, vilões, sacrifício e redenção), normalização e apagamento.

Como poder público e escolas podem proteger esse tipo de ataque?

Davi Lago: O que está por trás da violência nas escolas?
Davi Lago é pastor, escritor e capelão da Primeira Igreja Batista de São Paulo – Foto: Arquivo

O poder público, as escolas e toda a sociedade civil precisam se organizar de modo aberto, consciente, transparente na promoção de ambientes seguros para crianças. Há sete estratégias básicas defendidas por pesquisadores desta questão: (1) implementação e vigilância do cumprimento das leis; (2) programas de mobilização da comunidade; (3) redução da violência em áreas críticas/interrupção da propagação da violência; (4) apoio aos pais, mães e cuidadores; (5) incremento de renda e fortalecimento econômico; (6) eficácia na resposta de serviços de atenção e apoio; e (7) criação de um ambiente escolar seguro e estimulante.

Se boa parte dos autores de atentados não dão sinais de que farão algo contra pessoas, como os pais, líderes, educadores, religiosos devem tratar essa questão? Aquela desculpa de que “eu não sabia que ele era assim” tem como ser desfeita?

A prevenção aos massacres escolares é de toda a sociedade; o Estado é incapaz de enfrentar este tema sozinho. Atitudes práticas nesta questão incluem promover o pertencimento escolar, ouvir os alunos, avaliar situações sociais envolvendo as famílias ligadas à comunidade escolar. É crucial incentivar atitudes de solidariedade entre grupos heterogêneos e desenvolver na escola um ambiente cordial e cooperativo, que aponte uma melhor visão do futuro. Atos de empatia e solidariedade implicam uma mínima aceitação do outro e dos limites que a coexistência impõe. É importante qualificar professores e alunos moderadores e zelar pela infraestrutura física da escola.

O controle do acesso à escola deve equilibrar dois objetivos: o senso de pertencimento do aluno à escola por um lado, mas, por outro, o acesso criterioso ao prédio escolar.

Como a igreja deve lidar com as cicatrizes na alma das vítimas?

A igreja deve chorar com os que choram (Rm 12.15), respeitar o luto de quem está destroçado em diversos níveis por causa das tragédias. Cristo ressurreto tem o poder de recriar, restaurar e reerguer vidas destruídas. Acompanho pessoalmente famílias que perderam entes queridos nos massacres de Realengo no Rio de Janeiro, Goiânia (GO), Suzano (SP), Saudades (SC) e tenho visto o poder de Deus consolando e reconstruindo vidas.

Também tenho visto que as igrejas podem se engajar de vários outros modos,
por exemplo: estudando o que as Escrituras ensinam sobre o cuidado com as crianças; promovendo fóruns de reflexão teológica sobre o cuidado com a criança; equipando com seriedade pais, mães e famílias para os desafios da educação dos filhos; orando pelas crianças; adotando órfãos e órfãs; apoiando financeiramente iniciativas pontuais, trabalhos contínuos e entidades dedicadas à proteção de crianças como a Visão Mundial; dando visibilidade às demandas e apoiando as ações dos profissionais do campo da educação infantil; dando suporte aos irmãos e irmãs em Cristo que são vocacionados aos trabalhos relacionados com a proteção das crianças.

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