A batalha entre os pró e contrários ao aborto nos Estados Unidos teve mais um desdobramento, dessa vez, favorável aos defensores da vida. O estado de Oklahoma aprovou uma lei restringindo em nível quase total a morte deliberada de bebês no útero materno.
A partir de agora, só será permitido o aborto no estado em casos de incesto, estupro ou risco de vida para a mãe. Na prática, é um cenário semelhante ao do Brasil, com exceção da gestação gerada a partir de relacionamentos consanguíneos (entre parentes).
No Brasil, o aborto é permitido apenas nos casos de estupro, risco de vida para a mãe e de bebês anencefálicos. Em todas as outras circunstâncias, a prática é considerada crime contra a vida.
Para o governador de Oklahoma, Kevin Stitt, a decisão de sancionar a lei reflete a vontade dos seus eleitores. O seu desejo é tornar o estado uma referência na luta pró-vida.
“Quero que Oklahoma seja o estado mais pró-vida do país”, disse ele, segundo informações do Christian Headlines. “Porque represento todos os quatro milhões de habitantes de Oklahoma que querem proteger os nascituros”.
Fúria abortista
Apesar de nova lei poder salvar quase 4 mil vidas por ano, defensores do aborto criticaram a decisão estadual. A organização Trust Women, por exemplo, chamou a medida de “cruel”.
“Nossos pacientes estão assustados, confusos com a nova realidade em que vivem”, disse a organização em comunicado. A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, também reagiu negativamente, classificando a lei antiaborto de Oklahoma como “ultrajante”.
“E é apenas a mais recente de uma série de leis extremas em todo o país”, disse ela, fazendo alusão a uma reação contra o aborto em outros estados, como na Flórida, que também vem restringindo a prática.
Se a Suprema Corte dos EUA confirmar a derrubada da lei Roe vs Wade, como previsto em um documento vazado para a imprensa recentemente, a expectativa é que a proibição do aborto se estenda ainda mais.
“Vários dos profissionais médicos que se juntam a nós hoje estão vendo o impacto dessas leis que são projetadas para punir e controlar as mulheres”, declarou a vice-presidente.
Decisão da Suprema Corte em junho
Desde que vazou a minuta do ministro Samuel Alito, em 2 de maio, indicando que a Suprema Corte dos EUA irá revogar o precedente Roe v. Wade, que legalizou o aborto em todo o país em 1973, vários estados republicanos aprovaram leis que irão, simplesmente, banir o aborto em seus territórios.
Deles, 13 aprovaram “leis-gatilho” (“trigger laws”) — isto é, leis que vão “disparar” (ou entrar em vigor) assim que a corte divulgar sua decisão final, o que está previsto para o final de junho.
Outros estados republicanos aprovaram leis “sem o gatilho”, que entrarão em vigor em datas diferentes. Mas todas elas têm um aspecto em comum: são draconianas, no que se referem a penas previstas para médicos que realizarem abortos — no caso, penas de prisão obrigatória.
A mais amena prevê 5 anos de prisão, a maioria prevê 10. A do Texas, a mais radical, prevê “até prisão perpétua”; a do Alabama, menos rigorosa, prevê “até 99 anos de prisão”. A de Louisiana prevê, além de 10 anos de prisão, trabalho forçado. E, de uma maneira geral, preveem a aplicação de multas de até US$ 100 mil.
Por enquanto, não há penas previstas para mulheres que se submeterem a aborto. A Assembleia Legislativa de Louisiana chegou a tramitar um projeto de lei que classificava o aborto como crime e penalizava a mulher com pena de prisão. Mas o PL foi retirado depois que o Comitê Senatorial Republicano Nacional recomendou “compaixão” com as mulheres grávidas. Em vez disso, deve-se criticar as posições democratas.
Já que cada estado irá legislar sobre o aborto, como indica a minuta de Alito, tal legislação no país irá virar uma colcha de retalhos. Por exemplo, na contramão dos estados republicanos, 16 estados democratas já aprovaram leis pró-aborto — quatro deles (Califórnia, Nova York, Connecticut e Maryland) aprovaram leis que ampliam as “proteções” à mulher que quiser fazer aborto.
Alguns estados ainda estão em cima do muro. Alguns poderão aprovar leis que permitem o aborto com restrições, tais como autorizá-lo dentro de algumas semanas de gestação — os números mais correntes são de seis semanas, 14 ou 15 semanas e 21 a 23 semanas — no último caso, quando o feto se tornaria viável e poderia viver fora do útero, como foi estabelecido em Roe v. Wade.
Mas, como a decisão da Suprema Corte não vai estabelecer limite algum, teoricamente um estado poderá autorizar o aborto a qualquer tempo da gestação.
Estados que banem ou restringem o aborto
Arkansas (trigger law) — Bane o aborto, com uma exceção: para salvar a vida de uma mulher grávida, em uma emergência médica. A pena para o médico que realizar ou tentar realizar um aborto será de 10 anos de prisão e multa de até US$ 100 mil.
Flórida — A lei antiaborto do estado não foi classificada como “trigger law”, mas deve entrar em vigor em 1º de julho — o que é praticamente a mesma coisa. A lei bane o aborto após 15 semanas de gestação. Depois disso, o aborto será um crime de terceiro grau e a pena (máxima) para o médico será de 5 anos de prisão.
Idaho (trigger law) — Bane o aborto após seis semanas de gravidez, com penas de prisão de até cinco anos para os médicos que infringirem a lei. Exceções para impedir a morte da mulher grávida e para casos de estrupo ou incesto.
Kentucky — Aprovou uma lei em 2019 que bane o aborto após 15 semanas, com exceção para impedir a morte da mulher ou dano físico grave. A lei, que está sub judice (à espera da decisão formal da Suprema Corte), classifica o aborto como crime. Provavelmente, a lei será reescrita, para endurecê-la.
Louisiana (trigger law) — Bane o aborto e responsabiliza criminalmente não só o médico que o realiza, mas também qualquer pessoa que fornecer à mulher gestante pílulas que causam o aborto. As penas previstas são de 10 anos de prisão e trabalho forçado. Exceção para casos de impedir a morte da mulher grávida ou dano sério a sua saúde. Mas o médico terá de provar que fez “esforços razoáveis para salvar a vida da mulher e do bebê.
Mississippi (trigger law) — A lei requer que o procurador-geral do estado confirme, primeiramente, que Roe v. Wade foi revogado pela Suprema Corte, antes que o aborto seja proibido. Exceções são previstas para salvar a vida da mulher ou para casos de estrupo.
Missouri (trigger law) — A lei classifica como crime a realização de aborto, exceto em casos de emergência médica. E só.
Dakota do Norte (trigger law) — Como a de Missouri, a lei classifica como crime a realização de aborto, a não ser para salvar a vida da mulher.
Oklahoma (trigger law) — A lei proíbe o aborto, “a começar da fertilização”, e o classifica como crime punível com 10 anos de prisão ou multa de US$ 100 mil, a não ser que seja para salvar a vida da mulher.
Dakota do Sul (trigger law) — A lei prevê punições para qualquer um que realizar um aborto ou fornecer medicamentos para provocá-lo.
Tennessee (trigger law) — A lei irá banir o aborto no estado, 30 dias depois que a revogação de Roe v. Wade for confirmada pela Suprema Corte. Exceção para o caso de impedir a morte ou danos físicos sérios à saúde da mulher.
Texas (trigger law) — A lei que bane o aborto entra em vigor 30 dias depois que Roe v. Wade for oficialmente revogado pela Suprema Corte. A lei também abre exceção para caso de necessidade de impedir a morte da mulher ou dano grave a sua saúde. A pena para médicos que realizarem aborto varia de 5 anos de prisão a prisão perpétua. O estão já tem uma lei, controversa, que proíbe o aborto após seis semanas de gestão, período muitas vezes insuficiente para a mulher saber que está grávida.
Utah (trigger law) — A lei bane o aborto se o precedente Roe v. Wade for revogado, com exceções para casos de impedir a morte ou danos sérios à saúde da mulher, bem como em casos de estrupo ou incesto ou diante da possibilidade de defeitos graves de nascença do bebê.
Wyoming (trigger law) — A lei bane o aborto se o precedente Roe v. Wade for revogado, com exceções para casos de estrupo ou para impedir a morte ou dano físico “substancial e irreversível” à mulher grávida.
Estados pró-aborto
Os 16 estados que aprovaram leis pró-aborto são: Califórnia, Colorado, Connecticut, Delaware, Havaí, Illinois, Maine, Maryland, Massachusetts, Nevada, Nova Jersey, Nova York, Oregon, Rhode Island, Vermont, Washington — além de Washington D.C. (Distrito de Colúmbia) — todos democratas.
Leis de reforço
Califórnia — Os direitos ao aborto já são protegidos pela Constituição do estado, mas os parlamentares estaduais apresentaram uma emenda para ampliar essas proteções. Um pacote de projetos de lei procura tornar o estado um “refúgio” para mulheres que buscam um aborto.
Connecticut — Uma nova lei irá proteger as clínicas, médicos e pacientes de aborto contra ações judiciais originadas em estados que banem ou planejam banir o aborto.
Nova York — Diversos projetos de lei foram propostos para fortalecer os direitos ao aborto, incluindo um que cria um fundo para acesso ao aborto.
Maryland —Após derrubar o veto do governador, os parlamentares estaduais aprovaram uma lei que permite a profissionais médicos treinados, além de médicos, realizar abortos.
Por Lilia Barros, com informações do Conjur.com e Gospel mais