Em entrevista, o jornalista e teólogo Gutierres Fernandes, autor de “Quem tem medo dos evangélicos?”, pela editora Mundo Cristão, explica o fenômeno dos evangélicos no país
Por Victor Rodrigues
Por anos os evangélicos foram considerados de maneiras que, nitidamente, não retratavam com fidelidade um segmento tão diverso.
Seja pelo alinhamento político de pastores midiáticos ou fatos controversos envolvendo a “bancada da Bíblia”, esses episódios reforçaram ainda mais o preconceito contra o movimento evangélico brasileiro.
Para abrir um debate mais profundo a respeito do segmento, a editora Mundo Cristão lança o ensaio do jornalista e teólogo Gutierres Fernandes, “Quem tem medo dos evangélicos? Religião e democracia no Brasil de hoje”.
A obra apresenta as implicações políticas e sociológicas da fé evangélica. Assim, os leitores têm a oportunidade de conhecer mais sobre o movimento que mais cresceu no Brasil nas últimas décadas.
Guiterres Fernandes é jornalista e teólogo, pós-graduado em Mercado de Capitais pela Universidade Mackenzie e em interpretação Bíblica pela Faculdade Batista do Paraná.
Em entrevista à Comunhão ele dá detalhes sobre o fenômeno dos evangélicos no país e o novo livro. Confira!
A religião pode conviver com a política?
Pode e deve. Não como um projeto de poder pessoal ou familiar, mas como um meio de diaconia social. A igreja deve servir à sociedade com seus dons e talentos. Todavia, a igreja não deve se comportar como um partido político. O partido sempre representa apenas “parte” da sociedade, mas a igreja é o espaço de comunhão por excelência. Nela, agregamos todo tipo de pessoa com diversos vieses e inclinações de ideais e pensamentos, além de diversas personalidades e histórias de vida.
Até que ponto os evangélicos, no sentido geral, podem ser decisivos nestas eleições?
Os evangélicos representam em torno de 27% dos eleitores brasileiros. É um número alto que pode decidir uma eleição, especialmente em pleitos concorridos. Segundo os especialistas, talvez o voto decisivo nesta eleição seja da mulher evangélica, que vem manifestando nas pesquisas certa fluidez entre os dois principais candidatos.
Quais erros as igrejas evangélicas cometem ao escolher políticos de estimação?
Muitos são os erros. Quando a igreja sacraliza um candidato, todo erro desse candidato é um erro da igreja. Se o candidato cair em desgraça pública, a igreja corre o risco de ser levada junto. A igreja deve defender valores e crenças – não nomes específicos.
Quando e como surgiu a ideia de levantar a temática: “evangelicalismo brasileiro”?
Há bastante tempo observo opiniões elitistas contra os evangélicos. Normalmente, a elite cultural brasileira trata os evangélicos como ou coitadinhos manipulados pela liderança inescrupulosa ou como fascistas que se escondem sob a capa religiosa. Os evangélicos não são nem anjos e nem demônios – aqui parafraseio o sociólogo Paul Freston. Faltava no mercado editorial um livro, escrito por um evangélico, que tente abordar os preconceitos usuais dos quais os evangélicos são alvo. Observe que não estou dizendo que há no Brasil perseguição contra os evangélicos, mas certamente existe certa implicância e preconceito.
É possível ser cristão e ser de esquerda?
Respondo essa pergunta com outra pergunta: é possível ser cristão e direitista? Creio que depende. O meu compromisso maior é com o Evangelho e com todas as pautas do meu grupo ideológico? Quem fala mais alto em meu coração: a Palavra de Deus ou a orientação da minha seita ideológica? Nem todo valor da esquerda é incompatível com a fé, assim como nem todas as pautas da direita são compatíveis com a fé. Historicamente, os progressistas tendem a apoiar o aborto, algo que um cristão jamais pode aceitar, mas a direita também tem os seus pecados. Especialmente na Europa e nos Estados Unidos, a direita tende a ser xenófoba. Quem pratica a Bíblia jamais pode apoiar ódio ao estrangeiro (Dt 10.19).
Como definir, atualmente, a classe evangélica à luz da classe econômica? E por quê?
Os evangélicos ainda estão nas classes mais pobres do país. A maior parte dos evangélicos estão nas chamadas classes C e D. Mas à medida que a igreja cresce, é natural vermos cada vez mais pessoas ricas e de classe média alta em igrejas de nicho. Nas grandes cidades já há igrejas focadas em atingir o público mais elitizado. Isso pode ser bom ou ruim, a depender da forma como a igreja lida com a riqueza. A riqueza é um ativo de diaconia ou um meio de sustentação e ostentação da própria vaidade?
A que atribuir o rápido crescimento do movimento evangélico nas últimas décadas?
A forte competição entre as denominações, a urbanização, a pregação midiática e aculturação da igreja evangélica – os evangélicos sabem absorver e adaptar a cultura nacional em linguagem religiosa. Esse é o lado humano. Mas também vejo a graça de Deus. Há muita fome espiritual no Brasil e Deus tem usado muita gente no meio evangélico para apresentar o Pão da Vida a essa população faminta.
Qual seria a melhor postura cristã em momentos de tensão e polarização no país?
É necessário lembrar que todo sectarismo é pecado. Quando Paulo fala das obras da carne em Gálatas 5.20, o apóstolo cita sete palavras que estão presentes na polarização política: ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões e facções. O crente deve viver e caminhar no Espírito também na época das eleições. Devemos viver movidos e moldados pelo fruto do Espírito Santo.
O movimento conservador é mais aderente à “massa evangélica”? Por quê?
O conservadorismo enquanto pensamento e filosofia sempre foi mais simpático à religião. Isso acontece porque o conservadorismo acredita que devemos manter as instituições antigas (família, igreja, Estado, universidade etc.) em harmonia e convivência pacífica, negociando as eventuais tensões. Isso explica o sucesso do conservadorismo entre religiosos. Mas não devemos esquecer que o conservadorismo também pode distorcer a religião, especialmente pelo apego excessivo ao tradicionalismo. Essa vertente conservadora normalmente é conhecida como reacionarismo, que é a ideia tola de que tudo o que é antigo é bom e deve ser mantido.
Qual mensagem o senhor deixaria para o eleitor evangélico?
Vote como um cristão. Ame a Deus em primeiro lugar. A sua lealdade completa só deve ser a Cristo, não aos homens pecadores e mortais.
Voto de cabresto existe no ambiente religioso? Qual deve ser a postura da igreja?
De modo geral, não. As pessoas votam por incentivos e senso de comunidade, mas não são obrigadas. Conheço muitos evangélicos que fazem questão de não votar nos candidatos apoiados pela igreja. É um protesto silencioso, mas existe. Mas é sempre bom lembrar que campanha eleitoral em espaço de culto é crime eleitoral.
“Um projeto de poder religioso autoritário” de evangélicos, se refere a o quê?
Alguns evangélicos sonham com dominação e poder humano. Não querem democracia, mas teocracia. Felizmente, é uma minoria ingênua e biblicamente ignorante. A separação de Igreja e Estado e o Estado laico são duas bandeiras históricas do protestantismo. É uma pena que alguns evangélicos esquecem disso.
A candidatura de religiosos cresceu 15,8% segundo o TSE. Motivo do fenômeno?
Tem de tudo. Gente honesta e sincera, mas também outros que são oportunistas e só pensam em dinheiro e no poder pelo poder. Cabe discernir quem realmente é vocacionado para a diaconia social ou quem está apenas atrás das benesses do sistema político. Fiquei espantado com o número de cantores e pastores que serão candidatos neste ano – é impossível que todos sejam vocacionados.
Aborto e ideologia de gênero. Como se posicionar de forma correta, o evangélico?
Certamente que contrário a essas pautas. A chamada teoria de gênero é aquele tipo de moda intelectual que pega na sociedade de uma maneira inexplicável. É uma teoria sem lógica científica e é hoje usada como instrumento de politização da sexualidade humana. O aborto é abominável, é crime contra a pessoa humana; é a violação do direito humano mais básico, que é o direito à vida. Mas não sejamos ingênuos, temos políticos no Brasil usando essas pautas apenas para agradar a base evangélica conservadora. Durante a campanha falam contra o aborto, mas depois de eleito pagam o aborto para a amante. No Dia do Juízo Final, as hipocrisias desses serão postas à luz.