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terça-feira, 19 março 2024

O poder da confissão

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Foto: reprodução

Há uma chave que abre cadeias, alivia do peso, reata relacionamentos e traz cura e salvação para a alma. Essa chave é a confissão de pecados

Por Fabiana Tostes

“Enquanto eu mantinha escondidos os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer. Pois dia e noite a tua mão pesava sobre mim; minhas forças foram-se esgotando como em tempo de seca…” Os primeiros versículos do Salmo 32, do Rei Davi, talvez descrevam um dos momentos mais angustiantes e tristes da vida daquele que era conhecido por ser “segundo o coração de Deus”.

Davi sabia bem o que estava escrevendo, pois sentia na pele o peso de encobrir seus feitos e não confessá-los. Seu adultério com Bate-Seba, sua conspiração para matar o marido enganado (Urias) e seus planos para manter todos os seus erros em segredo por pouco não custaram a vida do maior rei que Israel já teve.

Apesar de ter sido escrito há milhares de anos, esse salmo poderia representar o drama de muitos nos dias de hoje. Há uma verdadeira prisão invisível encarcerando crentes, minando e minguando a vida até de líderes de igreja. Muitos se escondem e vivem fugindo da perseguição da culpa e de acusações. Outros se arrastam tentando carregar um peso que um dia não darão mais conta de suportar. Há os que lutam para sorrir mesmo tendo em seu interior uma angústia que leva ao desespero e à tristeza. São as consequências dos pecados encobertos. São os custos de não enfrentar a confissão.

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Traz perdão

 A confissão de pecados é um mandamento e também um pré-requisito para receber o perdão de Deus. A primeira epístola escrita pelo apóstolo João traz esse ensinamento: “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1:9).

“Do ponto de vista espiritual, a confissão proporciona libertação da culpa e da acusação, permitindo que a pessoa exerça todo o seu potencial tanto para sua vida pessoal, quanto para o serviço a Deus. Para a pessoa que confessa, traz alívio e paz, mas além disso, liberta a pessoa de qualquer laço espiritual, pois uma vez que confessamos nosso pecado, já não somos mais reféns daquele que nos acusa, o diabo. Confessamos a Deus porque somente Deus pode nos perdoar e nos purificar de nossos pecados, é para obtenção do perdão”, afirmou o pastor e psicólogo Davi Hoffmann, membro da Igreja Batista.

O Rei Davi, ao ser repreendido pelo profeta Natã, reconheceu o seu erro e confessou: “Purifica-me do meu pecado. Pois eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim. Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos” (Sl 51:2-4).

“Do ponto de vista espiritual, a confissão proporciona libertação da culpa e da acusação, permitindo que a pessoa exerça todo seu potencial tanto para sua vida pessoal, quanto para o serviço a Deus” Davi Hoffmann, pastor e psicólogo

“O primeiro passo é o arrependimento verdadeiro. O segundo é a necessidade de confessarmos nossos pecados. Sem arrependimento e confissão, Deus não pode perdoar. Não existe nenhuma exceção a esta regra. Logo, o ato de confessar, além de abrir a porta do perdão de Deus, permite ao pecador fortalecer sua fé, uma vez que quando confessamos, dizemos para Deus que nunca mais cometeremos aquela falta. Assim, o resultado é o crescimento e aperfeiçoamento espiritual”, explicou o pastor José Ernesto Conti, da Igreja Presbiteriana Água Viva.

Hoje, alguns movimentos dentro da Igreja Evangélica fazem confissões coletivas, pedindo perdão pelo pecado de nações ou de gerações passadas, como costumava ser feito no Antigo Testamento. “Essa prática continua válida quando se procura uma reparação entre os homens por erros dos antepassados que interferem nas relações do presente”, afirmou Hoffmann.

Ele alerta, porém, com relação à confissão pública. “Precisamos ser cautelosos, pois esta só deve ocorrer quando a ofensa for pública, e sempre sob o pedido da pessoa que ofendeu, com o intuito de trazer cura à comunidade e não de expor a pessoa, ou de dar uma satisfação social”. O mesmo cuidado é apontado pelo pastor Conti: “A questão de a confissão ser pública ou privada vai depender da falta cometida. Se o pecado é contra Deus ou contra alguma pessoa específica, a confissão pode ser privada, porém se cometemos uma falta pública, que causou prejuízos a uma comunidade, ela deve ser pública”.

Traz cura

Se o confessar pecados ofereceu libertação e perdão de Deus, o não confessar traz consequências não só espirituais, como psíquicas e físicas. “Quando o pecado é encoberto, primeiramente há uma consequência direta na vida da pessoa, consequência espiritual, psíquica ou mesmo física. Essas consequências podem ter extensão às pessoas ao redor, mesmo que o pecado não envolva outras pessoas. Por exemplo, um marido dependente de pornografia pode trazer sérias consequências para seu casamento e até mesmo para os seus filhos”, afirmou Hoffmann.

E foi isso que viveu o estudante de Arquitetura Luiz Guilherme Ramos. Há mais de 10 anos viciado em pornografia, ele só conseguiu se sentir livre após confessar para Deus, para a esposa e para um grupo de pastores. “Eu estava com 15 anos quando ganhei, do meu pai, uma revista da Playboy. Era da igreja, mas não estava muito firme. Ali foi o começo. Comecei a me masturbar, e isso se tornou uma prática constante. Assistia a filmes pornôs, desejava as pessoas na rua e cheguei a um ponto de procurar na Bíblia uma justificativa para o meu pecado. Mudei de igreja, pedia perdão a Deus, segurava por um tempo, mas sempre caía de novo. Eu tentava evangelizar e me sentia impuro, oprimido, aquilo me acusava dia e noite. Achei que com o casamento isso iria passar, mas não, só piorou as coisas. Não conseguia me relacionar com minha esposa a ponto de eu me sentir satisfeito, eu sempre ia para a internet, para a pornografia”.

Quando a esposa de Guilherme descobriu, a situação ficou ainda pior. “Esqueci de apagar o histórico na internet, e minha esposa viu. Ela ficou deprimida em saber que eu desejava mais as mulheres do filme do que ela. Mesmo vendo-a triste, eu não conseguia me livrar, sempre empurrava o lixo para debaixo do tapete. Eu pedia perdão, mas depois voltava a fazer de novo. E isso estava acabando com nosso casamento. Foi quando o pastor me falou sobre um seminário de cura e libertação que iria ter, e eu resolvi participar. Tive uma ministração individual. Contei toda a minha vida para o pastor que estava liderando essa etapa, e depois ele disse que eu precisava confessar”.

“O ato de confessar, além de abrir a porta do perdão de Deus, permite ao pecador fortalecer sua fé, uma vez que quando confessamos, dizemos para Deus que nunca mais cometeremos aquela falta” Pastor José Ernesto Conti, da Igreja Presbiteriana Água Viva

À medida que Guilherme ia confessando todos os seus pecados, um a um, ele sentiu a mudança. “Fui curado e liberto. Até então eu me sentia aprisionado, com a sensação de que nunca iria sair. Era dependente daquilo. A confissão abriu espaço para que meu casamento fosse restaurado, para que meu emocional fosse curado. Hoje tenho um relacionamento com Deus saudável. Se alguém precisa sair de um vício, a confissão é a porta, seja ele qual for”, enfatizou Guilherme, que hoje tem 26 anos.

Para o pastor Hoffmann, a cura pode ir além da esfera emocional. “Quando confessamos ao nosso próximo, produzimos efeitos terapêuticos em nós mesmos e na pessoa ofendida, se esta aceitar o perdão. Essa cura pode se dar em aspectos espirituais, emocionais ou até físicos. Conheço casos em que pessoas carregam amarguras e barreiras emocionais e até doenças físicas em suas vidas por muitos anos, podendo desenvolver até doenças crônicas, por não confessarem seus pecados.”

“A confissão é sempre bem-vinda, é uma atenuante da pena, colabora e muito com a Justiça e já foi considerada a ‘rainha das provas’” – Rivelino Amaral, advogado criminalista

O confessar ao irmão ou ao líder também previne do erro, uma vez que será preciso prestar contas. “Para quem ouve, traz a responsabilidade do sigilo, da oração e do apoio. E ainda nos alerta para não cairmos no mesmo erro”, afirmou Hoffmann.

Além do ambiente religioso, mas o ato de confessar também é tratado em terapias e consultórios psicológicos. “Trabalhamos o que motiva alguém a esconder algo e as consequências desse segredo que muitas vezes afeta as relações interpessoais e desestabiliza os vínculos. A questão do confessar é para que traga cura para si e não leve malefícios para outros. Então, o primeiro passo é confessar a si mesmo e depois para o terapeuta. Muitas vezes, só de falar ao terapeuta e permitir um novo olhar, isso já produza cura”, disse a psicóloga Fabiana Maron.

Como na terapia não lida diretamente com a questão da culpa e nem de nenhum outro juízo de valor, ela disse que há casos específicos para se orientar a confissão. “Nos casos em que a pessoa foi confrontada e negou o conhecimento, ou que o guardar aquele segredo a prejudica ou prejudicou alguém, ou também quando abrir mão daquele guardado vai ser benéfico de alguma maneira”, afirmou.

Traz liberdade

No campo social, mais especificamente na área jurídica, a confissão também gera benefícios. Em delitos e crimes, a confissão é vista como uma atenuante, um serviço à Justiça e por isso capaz de reduzir e até anular a pena, segundo o advogado criminalista Rivelino Amaral. “A confissão é sempre bem-vinda, é uma atenuante da pena, colabora e muito com a Justiça e já foi considerada a ‘rainha das provas’. Hoje, com a alteração do Código Penal, é uma prova como outra qualquer, tem o mesmo peso, e devem ser levados em conta os outros elementos do inquérito. O juiz não pode ficar satisfeito apenas com a confissão, pois há aqueles que confessam para proteger outra pessoa, por exemplo”, explicou.

O advogado comenta que já se deparou com um caso em que a confissão ajudou a anular a pena de uma pessoa que havia cometido um crime. “Com a confissão e a alegação de legítima defesa ao crime, a pena foi anulada e o meu cliente, inocentado”, lembrou Rivelino.

Rivelino, que atua há 20 anos na esfera criminal, disse que sempre orienta os clientes a falar a verdade e que o silêncio, nesse caso, não pode contar como ponto desfavorável. “De todos os clientes que já tive, acho que 50% preferiram ficar calados e os outros 50% me apresentaram uma versão. Se eles contam a verdade? Não sei. Contam uma versão e eu vivo a verdade deles, mas é claro que oriento que a verdade é sempre bem-vinda”.

“A questão do confessar é para que traga cura para si e não leve malefícios para outros. Então, o primeiro passo é confessar a si mesmo e depois para o terapeuta.” Psicóloga Fabiana Maron

O ensino e o ato da confissão não são tão populares nas igrejas. Poucos são os líderes que se expõem a ponto de começar por eles a prática. “Na verdade hoje pouco se fala sobre pecado. Como vivemos um momento em que as pessoas buscam a satisfação pessoal e igrejas ou religiões que atendam às suas necessidade imediatas, falar sobre pecado e confissão soa como ofensivo”, afirmou Hoffmann. “Imaginamos que a confissão nos fragiliza e nos expõe, quando na realidade é o oposto”, explicou pastor Conti.

O pecado de Davi, que ele tentou encobrir por meio de atalhos, não foi suficiente para afastá-lo do amor de Deus. Mas ele não tinha essa certeza até confessá-lo e declarar, no mesmo Salmo 32: “Como é feliz aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus pecados apagados! Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa e em quem não há hipocrisia”.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 221 da Revista Comunhão, de Janeiro de 2016. As pessoas ouvidas e/ou citadas podem não estar mais nas situações, cargos e instituições que ocupavam na época, assim como suas opiniões e os fatos narrados referem-se às circunstâncias e ao contexto de então.

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