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quinta-feira, 2 maio 2024

Autismo nas igrejas: como realizar a inclusão de crianças e adolescentes diagnosticados com TEA

Ele é pai do Asafe, um adolescente autista não verbal, e conta sobre como é importante realizar um processo de inclusão dentro das igrejas. Foto: Acervo pessoal.

Ele é pai do Asafe, um adolescente autista não verbal, e conta sobre como é importante realizar um processo de inclusão dentro das igrejas.

Por Luciana Almeida

Nos últimos anos, há um número crescente de crianças e adolescentes diagnosticados com autismo. O Transtorno do Espectro Autista (TEA), é uma síndrome comportamental, reconhecida como uma disfunção global do desenvolvimento, que se manifesta já nos primeiros anos de vida. Essa disfunção é caracterizada por dificuldades de comunicação, de interação social e padrões de comportamento repetitivos, geralmente causada por influências genéticas, neurológicas e ambientais.

A Revista Comunhão conversou com o teólogo, especialista em aconselhamento pastoral e terapia familiar no tratamento de autistas e pastor da Igreja Metodista em Guadalupe, no Rio de Janeiro, Glauco Ferreira. Ele é pai do Asafe, um adolescente autista não verbal diagnosticado em 2012, e que hoje está com 12 anos de idade, e conta sobre como é importante realizar um processo de inclusão dentro das igrejas para receber esse seleto grupo de pessoas.

Ele estará neste sábado (10), na Primeira Igreja Batista em Jardim Camburi, Vitória (ES), a partir das 9 horas, com a palestra “Autismo na Igreja: Vencendo os desafios da inclusão no Ministério Infantil”.

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Comunhão – Podemos dizer que nos últimos anos há um aumento de casos de crianças com autismo? Ou essa é uma realidade que sempre aconteceu e agora está mais próxima de nós?

Glauco Ferreira – O que temos hoje é um maior acesso ao diagnóstico. Antigamente, não havia realização de diagnóstico, ou os diagnósticos eram feitos de forma equivocada. Hoje, com maior sensibilidade de profissionais e o maior acesso à informação, isso contribui para o aumento de casos diagnosticados. Não necessariamente são mais crianças com autismo, mas são mais diagnósticos realizados devido ao maior conhecimento do transtorno. Isso é o principal fator do aumento dessa curva de prevalência de casos.

– Como as igrejas podem se preparar para lidar com o autismo em todas as fases da vida do paciente?

A primeira coisa que temos que entender é que falar de inclusão dentro da igreja não é falar apenas da implantação de mais um ministério. Inclusão precisa estar na via principal da igreja de modo que todos que ali se encontram entendam o que está acontecendo.

Incluir é uma forma de levantar voluntários para servir nessa área, uma forma de traçar um caminho que vai desde a informação até, de fato, chegar ao conhecimento e às práticas de inclusão. Por isso é importante refletir em três pontos:

Levantar voluntários para servir nessa área: mas é preciso que sejam pessoas dispostas a investir sua vida nesse ministério. Esse é o primeiro passo e o mais fundamental, pois sem pessoas não é possível realizar nenhum trabalho na igreja.

Estabelecer parceria com as famílias: ninguém conhece tanto uma criança autista como a sua família. É a família que sabe o que pode provocar uma crise, o que pode ajudar quando a criança entra em crise e entender quando algo está incomodando a criança. Essa parceria entre família e igreja é fundamental.

Também é preciso considerar outras duas questões: o que acontece no ambiente da igreja e como a criança vai interpretar esse ambiente. Na igreja, muitas pessoas, por falta de informação, Por exemplo, por falta de informação, muitas pessoas acreditam que a principal dificuldade do autista durante o culto é relacionado ao som, mas nem sempre é. O som pode ser uma dificuldade, dependendo do nível de sensibilidade sensorial dessa criança. Por isso é fundamental entender o perfil sensorial dessa criança. A partir disso, é possível prover para ele as acomodações sensoriais que serão ideais para ele vivenciar este momento de culto como um abafador sonoro, por exemplo. Se a dificuldade dessa criança for com a iluminação, é pode-se providenciar óculos escuros. São diversas questões que precisam ser pensadas. Profissionais de terapia ocupacional podem auxiliar nesse processo e orientar a igreja nesse sentido. Mas o mais importante é que todos tenham acesso à informação.

– Como incluir as crianças autistas na igreja? E como trabalhar com os pais nesse processo? E se não há um diagnóstico conclusivo, como a igreja deve lidar nessa relação com a família desse paciente?

São dois pontos importantes: informação e conscientização. O ministério de inclusão não é um ministério isolado da igreja. A inclusão deve partir do púlpito, pois é a liderança que orienta aquela comunidade. A inclusão tem que fazer parte da cultura da igreja. Vale ressaltar que a criança não é preconceituosa. O preconceito vem de dentro de casa.

Em relação aos pais, é importante dizer que o diagnóstico do autismo traz um impacto muito grande na vida dessa família. Quando você está na gestação e faz o acompanhamento no pré-natal, qualquer problema diagnosticado será trabalhado e a família se prepara para aquela situação antes da criança nascer. Com o autismo isso não acontece. O diagnóstico vem tempos depois do nascimento. Isso traz um impacto importante na vida do casal e da família como um todo, gerando alguns questionamentos: cadê aquela criança que eu sonhei, que eu idealizei? Onde está aquela criança que eu desenhei todo um futuro, toda uma história? Após o diagnóstico do TEA é preciso reinventar tudo. E quando essa família vê que a sua criança tem dificuldade para acessar a escola e para acessar o tratamento de saúde, ela chega na igreja e tudo o que ela não quer é ver seu filho ser excluído naquele lugar. O resultado disso muitas vezes são pais protecionistas ao extremo ou então pais que não aprenderam a lidar com o diagnóstico e acabam tendo vergonha vendo que o filho não desenvolve como as outras crianças, sem fazer as mesmas coisas que outras crianças naquela idade fazem.

Falar de inclusão na igreja é falar de protagonismo, não apenas para o autista, mas para todas as deficiências. É dar oportunidade para que o evangelho seja tão vivo nelas como nas outras pessoas, e a única forma de fazer isso é por meio da inclusão.

– O que a espiritualidade fala sobre autismo?

Dentro da igreja infelizmente temos uma visão muito equivocada do que é uma deficiência. Muitas pessoas acreditam que quando alguém nasce com alguma deficiência é resultado de uma vida de pecado dos pais. E essa concepção se arrasta desde o antigo testamento até hoje.

A primeira coisa que precisamos entender é que deficiência não está relacionada a pecado ou maldição.

Infelizmente vivemos um tempo em que ainda muitas pessoas demonizam a deficiência, demonizam o autismo como se fosse resultado de pecado. Isso é resultado de falta de leitura da Palavra, pois a Bíblia fala de deficiência desde o antigo testamento, como em Levítico 19:14 (“Não amaldiçoem o surdo nem ponham pedra de tropeço à frente do cego, mas tema o seu Deus. Eu sou o Senhor.”), e em outras citações.

Com certeza a pessoa nasce assim não por maldade, por falta de Deus, mas com certeza por um propósito de Deus. O que a gente precisa ter em mente é que o nosso manual de fé nos orienta a respeito da inclusão.

– Qual orientação a igreja pode dar aos pais de autistas para se manterem na fé?

Às vezes acontecem coisas na nossa vida e temos duas formas de reagir: parar, sentar e chorar; ou levantar e agir. Quando se recebe esse diagnóstico é natural ficar paralisado, pensativo e questionar muitas coisas. Mas temos o tempo para chorar e o tempo para agir. E destaco aqui, com minha experiência como pai de autista, que se você não fizer nada pelo seu filho, ninguém vai fazer. Nossa vida, minha e de minha esposa, mudou quando paramos de procurar o motivo do Asafe ter nascido em nossa casa e passamos a perguntar qual era a intenção de Deus para ele ter nascido em nossa casa.

Então é preciso mudar os nossos questionamentos a Deus e entender o propósito dEle para tudo o que acontece em nossa vida.   

Hoje o Asafe é incluído na escola e na igreja a partir de trabalhos conjuntos com a família. Como família, abrimos mão de muitos sonhos após recebermos o diagnóstico, mas passamos a trabalhar para dar a ele autonomia e qualidade de vida. Tudo valeu a pena, e se houvesse possibilidade de voltar no tempo, faríamos tudo novamente pois hoje vemos o que nos tornamos nessa trajetória.

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