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sábado, 4 maio 2024

Parem de matar os recém-convertidos!

Parem de matar os recém-convertidos! - Foto: Reprodução
Parem de matar os recém-convertidos! - Foto: Reprodução

Um bebê mal alimentado ou abandonado irá morrer se não for socorrido. Do mesmo modo acontece com os novos crentes que dão os primeiros passos na fé cristã. Se não forem cuidados vão se afastar e morrer espiritualmente.

Por Lilia Barros

Se existe um tipo de crente que a Bíblia trata com mais atenção e cuidado, este é o recém-convertido. Ao longo de suas páginas, há um tom de seriedade na linguagem usada para referir-se a eles. Nos Evangelhos, Jesus usa duras palavras contra quem os despreza e escandaliza, chegando a sugerir uma sentença de morte para aquele que afastar e ‘matar’ os novatos na fé. Nas cartas às igrejas, eles são mencionados carinhosamente como se fossem bebês dando os primeiros passinhos e que precisam de um olhar especial até se fortalecerem na vida cristã.

Partindo de um modelo convencional, uma pessoa chega na igreja como convidado de alguém, como um visitante curioso ou em busca de socorro para o seu sofrimento. Ouve a mensagem de Salvação, crê na Palavra, demonstra desejo de começar a caminhada com Cristo, faz amizades e, em muitos casos, passa pelo batismo.

A partir daí, começa um processo de adaptação à igreja. Esse acontecimento é tão importante que há alegria e festa no céu para cada pecador que se arrepende. Entretanto, essa alegria nem sempre alcança o coração de quem deveria discipular o novo crente. Estariam os crentes mais experientes matando os neófitos no Evangelho?

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Por que Deus fica tão severo e até irado com quem os machuca ou abandona? Quem despreza, choca ou não cuida de quem está iniciando a caminhada cristã está cometendo um grave erro, sendo o responsável pelo esfriamento e morte espiritual deles. Entretanto, se são pessoas livres para tomarem decisões próprias, por que a igreja deve ser penalizada pela escolha de quem já conheceu a Palavra e decidiu afastar-se?

Direto ao ponto

A esse respeito, o Reverendo Aécio Pinto Duarte, de Macaé, no Rio de Janeiro, vai direto ao ponto. “O novo convertido é como uma criancinha que depende dos cuidados e atenção dos pais. Se não receber os cuidados necessários ficará doente, não irá desenvolver-se satisfatoriamente. O novo crente precisa de acompanhamento espiritual, caso contrário vai abandonar a fé. É necessário uma equipe treinada para acompanhar a trajetória dele, até que esteja apto para caminhar sozinho. A liderança de uma igreja precisa ser atenciosa com as pessoas que chegam para nela congregar, o descaso e o desinteresse tem sido o motivo para que os novos crentes desistam da fé. Se Deus deu filhos para a igreja cuidar e ela os abandona, ela é responsável pelas ovelhas que chegam e se desviam”, afirma.

Pastor do Ministério de Discipulado da Igreja da Cidade, em São José dos Campos, São Paulo, Andrei Alves, resume o papel da igreja no discipulado. Ele conta que a igreja adotou um princípio. “A igreja deve ser grande o suficiente para ganhar uma cidade e pequena o suficiente para cuidar de uma pessoa”.

Descaso

A cobrança abrange toda igreja e se intensifica quando é dirigida aos líderes e pastores. O Reverendo Aécio aponta para o perigo do descaso da liderança eclesiástica para com os novos membros da comunidade cristã.

“A responsabilidade é dos pastores e seus oficiais (Jr 23:1-3). “Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu pasto, diz o Senhor. Portanto assim diz o Senhor, o Deus de Israel, acerca dos pastores que apascentam o meu povo: Vós dispersastes as minhas ovelhas, e as afugentastes, e não as visitastes. Eis que visitarei sobre vós a maldade das vossas ações”.

O pastor Andrei reforça a gravidade do tema citando Ezequiel 34. “Vocês não fortaleceram a fraca nem curaram a doente nem enfaixaram a ferida. Vocês não trouxeram de volta as desviadas nem procuraram as perdidas. Vocês têm dominado sobre elas com dureza e brutalidade”.

“Todo esse capítulo é dedicado não apenas aos pastores de Israel, mas a toda igreja nos dias atuais. No Novo Testamento, vimos afirmações duras de Jesus Cristo: “É melhor ser lançado no mar com uma pedra de moinho amarrada no pescoço do que levar um desses pequeninos a pecar” (Lc 17:2). Ou, podemos lembrar: “Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, você me ama realmente mais do que estes?” Disse ele: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Disse Jesus: “Cuide dos meus cordeiros” (Jo 21:15). A nossa prova de amor é cuidar daqueles que Jesus ama”.

E o livre arbítrio?

Livre-arbítrio denota a vontade livre de escolha, autonomia nas decisões por vontade humana. Embora essa expressão não exista na Bíblia, o ser humano tem o livre-arbítrio concedido por Deus, desde o Éden. E se isso é verdade, caberia a cada um responder por suas próprias decisões de continuar ou não a caminhada com Cristo ou ainda assim pesa sobre os ombros da igreja o dever de cuidar de quem não pretende permanecer?

Na visão do pastor Andrei a igreja é parcialmente responsável. “Somos responsáveis como igreja por amar e cuidar de cada pessoa, mas não pelas decisões que as pessoas tomam em relação às suas vidas. Em nossa igreja local pastoreamos pessoas livres. Isso não significa um ambiente permissivo, em que essa pessoa não é confrontada, pastoreada ou direcionada a mudar de vida. Mas, é o ambiente onde todos compreendem que são responsáveis pessoalmente pelas suas decisões e pelas consequências que as mesmas podem gerar”.

Ele entende que o ambiente não é o problema para desistência. “No céu, Lúcifer caiu. No Jardim, Adão pecou. No Getsêmani, Judas traiu. No deserto, Jesus Cristo resistiu. O problema não é o ambiente, mas o coração. No céu teve queda, no paraíso também, até mesmo no meio dos discípulos de Jesus Cristo. Isso não exime a igreja de ser responsável pelo pastoreio de cada pessoa”.

Uma pesquisa da LifeWay Research, nos EUA, confirma a visão do pastor Andrei no Brasil. O levantamento apontou que 66% dos jovens cristãos, entre 18 e 22 anos, deixaram de frequentar a igreja por um ano. Porém o fator influenciador que mais pesou foi o foco de vida dos jovens, ou seja, nem sempre a abordagem da igreja é a responsável, mas a decisão dos jovens em querer seguir uma vida distante de Deus. Ben Trueblood, diretor do ministério de estudantes da LifeWay disse: “O tempo que eles passavam com as atividades na igreja foi simplesmente substituído por outra coisa”.

Enfadonho

No Brasil, o pastor Aécio acredita que eles não permanecem por falta de um discipulado e de um programa que os atraia na maioria das igrejas.
“Por ser muitas das vezes o programa enfadonho, repetitivo, o entusiasmo se esfria, eles procuram algo mais atraente e deixam de frequentar a igreja que não tem um programa gradativo discipulador e por ter lideranças excessivamente ocupadas com outros afazeres, esquecendo que o corpo apostólico recebeu treinamento eficaz durante 3 anos pelo mestre Jesus. Por não haver um cronograma firme que atraia essas faixas etárias o programa de discipulado fica decadente”.

Essa é uma percepção pastoral de quem lida diariamente com as ovelhas. E mesmo que não sirva para explicar os dados do IBGE referentes a movimentação do número de evangélicos no Brasil, no mínimo confirma.

De acordo com o órgão que faz a estatística, o número de brasileiros evangélicos, em 2010, era de 42,3 milhões de pessoas que representava 22,2% da população brasileira evangélica. Dez anos depois, em 2020, o Instituto de Pesquisa Datafolha publicou nova pesquisa, informando que os evangélicos representariam 31% da população brasileira, o que à época equivalia a 65,4 milhões de pessoas, um crescimento da população evangélica brasileira de quase 10%. Porém, um ano depois, em 2021, o censo indicava 42,2 milhões de fiéis evangélicos, ou seja, passou a ficar atrás do censo de 2010.

Pessoas & Coisas

“A igreja está falhando, ela precisa investir financeiramente no ministério do discipulado. Aplicar recursos exageradamente em patrimônios esquecendo do treinamento das pessoas mostra que, para essas igrejas, coisas são mais importantes do que pessoas. A igreja falha porque parou de praticar os ensinamentos da Igreja primitiva. Hoje o que se vê, é a igreja só querendo adquirir coisas cada vez mais e perdendo o dom de treinar e capacitar os membros”.

Ele define que discipular é ensinar e lapidar a pessoa, e se possível fazê-la ficar parecida com o seu discipulador. “O discipulando passa a identificar-se com aquele o discipulou. Os apóstolos ficaram parecidos com Jesus Cristo. (Atos 4: 13). “Então eles, vendo a intrepidez de Pedro e João, e tendo percebido que eram homens iletrados e indoutos, se admiravam; e reconheciam que haviam estado com Jesus”, narrou o Reverendo Aécio.

Uma questão geracional

O pastor Andrei expõe a importância da igreja estabelecer estratégias de discipulado com os neófitos no Evangelho.

“Havia um ditado latim que dizia “tempora mutantur nos et mutamur in illis”, que significa “os tempos mudam e nós mudamos com eles. O problema de pessoas que não estão crescendo espiritualmente não é uma questão apenas ministerial, mas também geracional. As pessoas estão fragilizadas emocionalmente e em busca de relacionamentos superficiais. Isso tem afetado não apenas a conexão dessas pessoas na igreja, mas também em suas famílias, amizades, trabalho. Muitos estão perdidos e não sabem como encontrar a resposta para as suas vidas. Diante desse cenário, é missão da igreja criar estratégias para conduzir as pessoas para um processo de crescimento espiritual, ainda mais quando estamos cuidando dos neófitos”.

Perfil dos novos crentes

O ânimo é contagiante e a paixão é intensa. Estão vivendo o primeiro amor no reino de Deus. Têm sede de estar junto como os irmãos na fé, querem ler a Bíblia, participar de tudo o que a igreja promove. Eles estão felizes com a nova vida. Apesar de tudo isso, os novos convertidos estão propensos a rapidamente se decepcionar, fechar-se para o Evangelho porque sua base de fé ainda não está alicerçada, não houve tempo para isso. Não é fácil e muito menos automático o processo de largarem seus vícios, pecados e práticas antigas, sem um auxílio.

A doutora em Educação, membro do Departamento Nacional de Escola Bíblica Dominical da Igreja Metodista, professora Thelma Cezar pensa que falta embasamento bíblico, teológico e doutrinário para os recém convertidos. “Diante da alegria (euforia) da comunidade de fé e do recém convertido, e da falta de obreiros, acaba-se “atropelando” os processos e o novo crente vai assumindo funções ou cargos de liderança. Com a falta desse embasamento bíblico, ele fica vulnerável ao enfrentar as demandas, os conflitos pessoais, a falta de acolhimento e acaba desanimando, vi muito isso acontecendo”.

Como ajudá-los?

É importante ensinar aos novos convertidos sobre o tempo a sós com Deus (ou devocional), orientando-os para que cultivem um relacionamento íntimo e constante com o Senhor, e aprendendo que, uma vez que Ele nos lavou com o seu sangue, estamos livres de toda condenação: “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito.” (Ro 8:1)
Uma dica é designar alguém maduro na fé, com sabedoria para saber lidar com os dilemas do novo convertido, de forma a clareá-lo, e não confundi-lo ainda mais. “Quanto a você, porém, permaneça nas coisas que aprendeu e das quais tem convicção, pois você sabe de quem o aprendeu.” (2 Tm 3:14).

Os novos membros possuem inúmeras dificuldades e isso pode ser um pouco desafiador. Dificultar ainda mais a caminhada deles pode criar uma barreira intransponível com a igreja.

Entenda um pouco mais sobre cada uma dessas dificuldades:

Emoções e pensamentos conflitantes

É natural que, ao deparar-se com uma realidade tão diferente, os pensamentos se tornem confusos, as dúvidas comecem a aparecer e as emoções passem a se desequilibrar. É espontâneo que as emoções fiquem turvas e que ele comece a pensar se realmente esse é o caminho que ele deseja seguir.

Pressão dos amigos e da família

Os novos convertidos podem sofrer bastante quando alguns amigos ou pessoas especiais acabam se distanciando deles. Isso pode até gerar um certo tipo de solidão, de sentir-se deslocado, o que é muito perigoso para desanimar. A pressão das pessoas também pode contribuir para que as velhas práticas comecem a surgir novamente.

Cobrança do passado

Uma das dificuldades mais recorrentes é a cobrança do passado. A condenação passa a percorrer os pensamentos deles. A transformação de comportamento e a mudança de mentalidade é um processo contínuo, e o Espírito Santo é quem convence do pecado” (Jo 16:8). É de extrema necessidade que eles saibam que não precisam vencer seus pecados e tentações sozinhos.

Enturmar-se

Essa queixa é bem comum e frequente dentro das igrejas. Mesmo que incorreto, muitas igrejas ainda contêm “panelinhas” e grupos seletivos, o que atrapalha na integração dos novatos. É comum ouvir pessoas dizendo que que saiu de uma igreja porque se sentiu “sozinho”, “isolado” ou “excluído”. A igreja deve ser o local em que mais as pessoas se sintam acolhidas e amadas.

Entender as falhas dos líderes e as tribulações.

Muitos pensam que seus líderes são exemplares e que nunca irão falhar. Mas se até os membros da igreja ficam “escandalizados” e se decepcionam com os líderes, imagine os novos convertidos. É necessário um cuidado maior com os novos na fé para que eles não generalizem a situação e criem algum tipo de “bloqueio” contra a igreja ou até mesmo com o Evangelho de Cristo.

Entender as Escrituras.

“Eu não leio a bíblia porque eu não entendo quase nada do que está escrito”. “A linguagem da bíblia é muito antiga, não dá para interpretar”. São falas comuns. Uma boa dica são as escolas bíblicas voltadas especificamente para os novos convertidos, abordando temas fundamentais como a mensagem da cruz, a questão da culpa e da graça, a fé como estilo de vida e os pilares da doutrina da sua igreja.

Fonte: Blog Atos 6

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