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sexta-feira, 26 abril 2024

Entrevista: Russel Shedd

Russell Shedd (Reprodução / Facebook)

Com mais de cinco décadas de Brasil, o missionário e teólogo, conhecido como “Doutor Bíblia”, fala sobre o atual panorama da igreja no País.

Teólogo membro da Missão Batista Conservadora no Sul do Brasil, Russel Philip Shedd é um dos mais renomados missionários em atividade. PhD em Novo Testamento pela Universidade de Edimburgo (Escócia), mora no Brasil desde o começo da década de 1960, tendo impactado gerações com suas ministrações acerca da Palavra de Deus. Fundador e presidente emérito da Editora Vida Nova, Shedd é casado com Patrícia há 55 anos, tendo cinco filhos e 14 netos. Nascido na Bolívia e filho de missionários americanos, ele dedicou a sua vida à pregação do Evangelho, participando de congressos, igrejas, seminários ao redor do planeta.

Aos 83 anos de vida, o “doutor Bíblia”, como é conhecido, segue sua rotina de orações, leituras, viagens e pregações. Autor de inúmeras obras e com experiência no cargo de professor de Teologia, Shedd fala com desenvoltura sobre o passado, presente e futuro da Igreja no Brasil. Em visita feita recentemente ao Espírito Santo, aproveitou para conversar com a Revista Comunhão sobre o panorama da Igreja, o mercado editorial, missões e muito mais.

Por que fez do Brasil a sua casa em definitivo?
Trabalhamos em Portugal no início dos anos 60 e esperávamos dar a vida por aquele país. Mas quando fui convidado a dirigir a Editora Vida Nova, percebi, após três anos, que não era muito conveniente permanecer em terras portuguesas. Eram poucos evangélicos lá, e os livros cariam empilhados, não havia procura. Viemos para o Brasil em 1962 para abrir uma  filial. No ano seguinte, começamos a pensar em uma Bíblia de Estudos para obreiros. Começou aí toda a ideia, que levou 14 anos para ser terminada: era a Bíblia Vida Nova, que saiu em 1977. O Brasil era um campo muito mais fértil para se trabalhar.

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Sendo testemunha do crescimento do Evangelho no Brasil nas últimas décadas, e até mesmo por sua grande experiência como missionário, como avalia o “Ide” realizado no país? O que acha que ainda pode melhorar no trabalho dos missionários, tanto dentro quanto fora do Brasil?
Até agora, o interesse em missões tem sido limitado a algumas igrejas. Temos algumas muito engajadas, mas em geral o interesse é restrito. O Brasil tem mais de 40 milhões de cristãos evangélicos, mas o envio de missionários não chega a 4 mil. Aqui dentro tem havido muito evangelismo, mas partir para outros países, montar uma igreja, tudo isso tem sido muito devagar. Entre os fatores que causam esse baixo número de missionários estão a falta de investimentos e interesse, com poucos candidatos e escolas voltadas para missões. Não chegamos ainda a um patamar desejável no campo de missões.

Entrevista: Russel Shedd

Os novos líderes e pastores estão recebendo a capacitação necessária para conduzir a Igreja no século XXI?
Temos aqui uma questão complicada. Seminários como os americanos e ingleses pedem o curso universitário antes do teológico. Isso dá uma maturidade diferente. Aqui, seminários e escolas bíblicas normalmente não pedem, e a diferença é notável. Não se vê aquela profundidade em áreas, história da Igreja e da exegese. Falta essa interpretação profunda dos textos bíblicos. Claro, os seminários dão cursos voltados também para essas áreas, mas de forma geral, vemos que ainda se pode melhorar bastante quando o assunto é capacitação.

No seu ponto de vista, explicar em detalhes a Palavra de Deus é algo que se aprende ou é um dom natural?
Os dois. É uma arte, um amor que a pessoa tem em se aprofundar no conhecimento da Palavra. Conhecer a Teologia Bíblica é fundamental, já que não podemos interpretar bem a Palavra se não a conhecermos de forma ampla. O resultado seria uma exegese que não só depende da língua original, como um conhecimento mais extenso da própria Teologia Bíblia: o que pensavam aqueles autores, qual era a posição de cada um. São poucas as pessoas que pararam para pensar, por exemplo, que estamos todos interligados, que os pecados de um homem como Adão poderia tocar a todos os homens pecadores, e a morte de Cristo poderia ser valiosa para todos que nEle creem. Tudo isso é baseado em Teologia Bíblica, e nem todos sabem explicar essas conexões.

Em uma de suas pregações, o senhor afirmou que existe uma secularização da vida, com a humanidade, cada vez mais, reduzindo o papel e a importância de Deus. Para o senhor, mesmo alguns cristãos tentam “conciliar” o que aprenderam sobre a Palavra com o que é comumente aceito pelo mundo?
Creio que as pessoas que pensam mais e questionam tentam sempre unir o pensamento psicológico, e científico para dar respostas às perguntas que diferentes matérias levantam em instituições de ensino. Estamos apenas engatinhando, apenas começando, quando o assunto é até que ponto esses conhecimentos podem ser relacionados com o que se aprendeu na Palavra.

Temos acompanhado nos últimos tempos o enfraquecimento de ações que antes eram tidas como de grande importância no dia a dia das igrejas, ao mesmo tempo em que outras aparecem e se consolidam. Como o senhor enxerga essas mudanças?
Aquilo que se perdeu em uma área é o que se ganha em outra. Se, por exemplo, as escolas bíblicas não estão como poderiam, por outro lado vemos surgindo mais interesse em grupos pequenos, discipulado e por aí vai. Claro, temos igrejas que estão aquém do desejável em relação a conhecimento da Palavra, mas grupos pequenos estão fortalecendo áreas como inter-relacionamento e pastoreio.

Como fortalecer as ações importantes para o desenvolvimento da Igreja e de seus membros?
Melhorando os professores e pastores. Mas é preciso mais que vontade para passar conhecimentos e falar sobre a Bíblia. Deve haver capacitação. Onde há qualidade não existe enfraquecimento.

Em meio a tantos projetos, em uma reflexão, tem alguma coisa que gostaria de ter feito diferente? E qual o motivo de pensar assim hoje?
Gostaria de ter dado mais tempo à oração e à intimidade com Jesus. No próprio estudo da Palavra, em uma reflexão, creio que poderia ter me aplicado ainda mais cuidadosamente. Na língua original… meu hebraico está muito enfraquecido. Estudei vários anos, mas não ficou muito na cabeça. Já no grego estou melhor. Não importa o quanto nos dedicamos à obra do Senhor, sempre é possível tentar melhorar.

Como é a rotina de Russel Shedd atualmente?
Acordo às 5 da manhã e faço uma oração, seguida de leitura e estudo da Palavra. Faço uma caminhada, momento em que gosto de ouvir mensagens no MP3 – normalmente John Piper, com excelente palavra. Volto para casa, tomo café e começo a rotina de escrever: às vezes prefácios, outras artigos ou mesmo trabalhos que serão apresentados. Depois de um descanso à tarde, volto ao trabalho e termino às 18 horas. Então converso com minha esposa, Patrícia, e depois parto para mais leitura.

Quando se fala em Teologia, o modo do cristão brasileiro pensar é diferente de cristãos de outros países? 

Sempre é diferente. A cultura latina, com toda essa bagagem católica romana de centenas de anos de honrar o padre como autoridade, ou essas romarias que se faz a Juazeiro do Norte (CE), nem se pensa em ver em outros países. Não entraria na cabeça de ninguém se um pastor tivesse uma imagem de 25 metros de altura e atraísse milhares de pessoas. Essa cultura é muito forte aqui no Brasil, em especial no Nordeste. Aos poucos, o mundo está se globalizando e o interesse se voltando para as áreas de produção, exportação e outras coisas que todo dia ouvimos nas notícias. Mas na área religiosa, não tenha dúvida de que a diferença é muito grande.

Como enxerga o crescimento da Igreja a partir de estratégias contemporâneas e ligadas ao marketing?
Tem havido muito mais repercussão, disso não há dúvida. A Expo Cristã, por exemplo, tem sido muito representativa e dado apoio ao mercado. Temos ainda as publicações, revistas… quando cheguei no Brasil, não havia nenhuma revista evangélica colorida e de qualidade. Hoje, temos publicações por todos os lados. Isso tem sido interessante, já que vemos anúncios de livros novos saindo. Nos anos 60, os livros existentes poderiam ser empilhados em uma coluna de um metro e meio de altura. A situação era péssima. E hoje, os leitores têm milhares de títulos à disposição.

Qual é o panorama editorial hoje no que se refere ao discipulado? Os livros existem em número satisfatório, e o mais importante, chegam às mãos de quem precisa deles?
Certamente estão chegando. O crescimento da publicação de livros teológicos tem duplicado, triplicado, quadruplicado ao longo dos anos. Lançávamos um livro na Vida Nova e levava três ou quatro anos para vender. Hoje, alguns livros saem e já esgotam quase imediatamente. E não é só uma questão de quantidade, vemos muitas publicações de qualidade também.

O senhor já afirmou que não vê uma Teologia brasileira, algo baseado na cultura do país. O que a Igreja ganharia com uma Teologia menos dependente de material e conceitos estrangeiros?
Na minha opinião, ganharia um interesse popular maior. O intercâmbio entre autores que escrevem em inglês e os que escrevem em português é muito grande. Têm surgido muitos autores brasileiros e que conquistaram o seu lugar no campo editorial. Cito, por exemplo, um pastor local, o reverendo Hernandes Dias Lopes, que tem um impressionante número de obras. Agora uma Teologia brasileira mesmo, que trata de questões mais específicas sobre o Brasil, não vemos por aí.

Nos últimos anos, tem se visto uma grande demanda por Bíblias de estudo temáticas, voltadas para os mais diversos públicos: da mulher ao jovem, passando pelo executivo e o líder ministerial. Isso é algo que enriquece o conhecimento desses públicos acerca da Palavra ou é apenas uma particularidade do mercado?
É uma promoção em torno das vendas. Qualquer Bíblia vende. O Brasil é o segundo país no mundo em vendas de Bíblias. Portanto, se lançarmos qualquer tema mais específico focado na Bíblia, irá vender. E uma vez que as já lançadas fazem sucesso, é natural que outras ideias apareçam. Hoje as coisas estão mudadas, tudo muito especializado. O público demanda, é algo quase irreversível.

Como vê a Igreja no Brasil em 2013?
A Igreja brasileira está em uma euforia por crescimento e desenvolvimento político. As igrejas em geral estão cheias, e o grande avanço na área editorial e da criação de escolas bíblicas e seminários – mesmo alguns não tenham o alto nível esperado mostram que as pessoas estão se preparando para levar adiante a Palavra e o interesse pela Teologia. Portanto, o panorama da Igreja é bem animador no país.

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