A organização está presente em 120 países, reunindo 65 milhões de associados. No Brasil, onde chegou em 1893, são 54 mil
Por Patricia Scott
Considerada a mais antiga instituição social para jovens do mundo, a Young Men’s Christian Association (YMCA), que no Brasil é conhecida como Associação Cristã de Moços (ACM), celebra 180 anos. A organização está presente em 120 países, reunindo 65 milhões de associados. No Brasil, onde chegou em 1893, conta com 54 mil.
“Globalmente, são mais de 12 mil unidades, apoiadas por 920 mil voluntários e 90 mil profissionais”, diz Eudes Araujo, secretário-geral da ACM/YMCA Brasil. “No Brasil, são 35 unidades, contando com 1.355 voluntários e 1.645 profissionais.”
A missão da YMCA é capacitar jovens e comunidades no mundo todo para construir um mundo justo, sustentável, equitativo e inclusivo, onde cada pessoa possa prosperar em corpo, mente e espírito. Para isso, em 2022, a instituição lançou a Vision 2023, que traz estratégias alinhadas com os objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
A primeira unidade brasileira foi no Rio de Janeiro. Na época, não havia nenhuma outra na América Latina. Conforme relata o livro Rio Antigo, publicado pelo jornalista e memorialista Charles Jullius Dunlop (1908-1987) em 1963, funcionava “numa pequena sala” no sobrado de um antigo prédio no centro.
“Seu fim é educar, seu lema é servir. Não tem intuitos comerciais nem políticos. Não faz, tampouco, propaganda religiosa, apesar de ter ideal religioso e se chamar cristã. Seu emblema é um triângulo equilátero que mostra o equilíbrio dos valores básicos do indivíduo nos seus aspectos espiritual, intelectual e físico. Nesta harmonia encontra-se o homem integral que é, em síntese, o objetivo da Associação Cristã de Moços”, Dunlop.
Em 1946, John Mott, então presidente da YMCA, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. O trabalho dele foi reconhecido por estabelecer e fortalecer organizações internacionais cujo objetivo era promover a paz.
Início da YMCA
O fundador do projeto foi o inglês George Williams (1821-1905), um filho de fazendeiros de Somerset que, aos 20 anos, mudou-se para Londres para trabalhar em uma loja de tecidos. Era o período pós-Revolução Industrial, quando a capital inglesa vivia um alvoroço social.
De um lado, a falta de legislação trabalhista fazia com que uma imensa massa de operários, inclusive crianças, fosse submetida a jornadas desumanas nas fábricas. De outro, o capitalismo enfim permitia que o dinheiro circulasse de uma forma antes nunca vista no meio urbano.
Até para extravasar o estresse da rotina insalubre nas indústrias, muitos encontravam nos cada vez mais presentes atrativos ligados aos prazeres a válvula de escape, o jeito de viver o pouco tempo livre que restava. Bares e bordéis se espalhavam pela cidade. Crianças, jovens e adultos se misturavam.
Nesse cenário, George Williams reuniu 11 colegas e fundou a YMCA. O objetivo era ter um local que não levasse os jovens ao pecado. Desde o início uma organização não denominacional, ou seja, não restrita a membros de uma determinada igreja, se tornou uma das principais propagadoras de uma linha filosófica em voga na Inglaterra do século 19, o cristianismo atlético — também chamado de cristianismo musculoso.
Em 6 de junho de 1844, ocorreu a primeira reunião da recém-criada instituição em Londres. Na época, Williams declarou que tinha como objetivo “melhorar a condição espiritual dos jovens” que trabalhavam especialmente nas empresas têxteis.
Fé em Jesus
A instituição propagava uma nova maneira de viver a fé em Jesus: com uma forte crença nos deveres patrióticos, na disciplina pessoal, no autossacrifício e na beleza física e moral do atletismo. Defendia que a educação física era essencial para a formação moral do indivíduo. Pela ideologia, era preciso exercitar a musculatura das virtudes.
Na YMCA, os jovens passaram a ter acesso a práticas e aulas esportivas, além de uma biblioteca e assistência social, além da evangelização. No entanto, a mensagem cristã era focada muito mais nos valores, na retidão e nos princípios de cidadania do que nos textos bíblicos propriamente ditos. A ideia dos fundadores era afastar a juventude do álcool, jogatina e prostituição que havia pelas ruas.
Espaço feminino
Gradualmente, as mulheres começaram a reivindicar espaço na instituição. Em 1858, a YMCA de Charleston, na Carolina do Sul (EUA), foi pioneira nessa questão. Foi criada uma unidade auxiliar que congregava mulheres em trabalhos de educação e na realização de campanhas beneficentes.
Mais tarde, principalmente na Guerra de Secessão, de 1861 a 1865, e na Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, comitês formados por mulheres atuaram de forma voluntária no apoio aos combatentes. No entanto, somente em 1933, as mulheres passaram a ser aceitas de modo pleno na instituição, com mulheres passando a ser consideradas membros do YMCA.
Modalidades esportivas
As ACMs não se limitaram a praticar esportes já existentes. A entidade acabou criando modalidades esportivas que se tornaram muito famosas. Um exemplo é o basquete. O professor de educação física e capelão cristão canadense James Naismith (1861-1940) era professor na International Young Men’s Christian Association Training School, depois rebatizada de Springfield College, em Massachusetts, quando teve a ideia do jogo.
O basquete foi inventado porque ele buscava um esporte que pudesse ser praticado indoor durante os meses de inverno. A primeira partida foi realizada em dezembro de 1891 e, conforme manuscrito do próprio Naismith, a bola utilizada foi de futebol, em vez de aros foram utilizadas duas cestas para colher pêssegos, e jogaram nove contra nove.
Outro esporte que foi criado e popularizado pela instituição foi o futebol de salão. A história mais provável é que a modalidade tenha surgido na unidade de Montevidéu, no Uruguai, quando um educador físico argentino, Juan Carlos Ceriani Gravier (1907-1996) decidiu misturar regras do futebol, do basquete, do handebol e do polo aquático para conceber outro esporte.
De acordo com informações da ACM de São Paulo, cinco anos mais tarde o jogo passou a ser praticado também na unidade local, porque dois professores brasileiros haviam ido para o Uruguai e lá a aprendido. E teria sido na capital paulista que o nome foi inventado: “futebol de salão”.
O vôlei também foi invenção da YMCA. Originalmente, se chamava mintonette, uma derivação de badminton, esporte que inspirou seu idealizador. Foi criação do educador físico americano William George Morgan (1870-1942), que queria um esporte sem contato físico e que, menos exigente fisicamente, pudesse ser praticado também pelos mais velhos. A primeira partida ocorreu em dezembro de 1895, em Massachusetts (EUA).
Hit musical
No fim dos anos 1970, a instituição acabou virando tema e emprestando nome a um dos maiores hits musicais de todos os tempos: a música Y.M.C.A. do grupo americano Village People, lançada em outubro de 1978. Foi um sucesso instantâneo e chegou ao topo das paradas em mais de 15 países.
Literalmente, a letra da música exalta a instituição como um local “divertido” em que “não é preciso ficar deprimido” e onde “eles podem te ajudar a voltar ao seu caminho”. Ressalta que é um local onde você pode se limpar, “ter uma boa refeição” e “fazer o que quiser”. Ou seja: estaria mesmo alinhada aos valores e aos serviços da entidade, com virtuosismo.
Contudo, naquele contexto de cultura gay, do mundo das discotecas e do auge da banda Village People, o hit acabou sendo interpretado como se o YMCA fosse um local para homens se encontrarem para outros fins. Mais tarde, Victor Willis, um dos autores da letra, reconheceu que tudo foi pensado para ter duplo sentido.
Desde 2020, a canção é protegida pela Biblioteca do Congresso Americano como patrimônio para a posteridade. Isto porque é considerada “cultural, histórica e esteticamente significativa”.