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sexta-feira, 29 março 2024

Vivendo na Espiritosfera

Vivendo na Espiritosfera

 

Quando pensamos no desafio que a Igreja tem por viver neste mundo, logo nos vem à mente o nível de envolvimento do cristão no dia a dia. Ao refletir sobre isso, veio-me à mente um termo novo que um aluno me falou: espiritosfera, para se referir pejorativamente ao mundo espiritual. Indica também a centralização da vida nas coisas espirituais, deixando de lado a realidade do cotidiano. O sociólogo Max Weber mencionou que no mundo da religião há diversos atores e, entre eles, os que operacionalizam a religião ou os “profissionais da religião”. Há o mago, que age autônomo e é carismático no sentido de chamar pessoas a segui-lo; o sacerdote, que procura manter o funcionamento da religião e defende as suas instituições e crenças básicas; e o profeta, que em geral reage contra o que é instituído e, por isso, entra em confronto com o sacerdote.

Weber fala ainda de dois tipos de profetismo: o ascético, que conduz as pessoas, ainda vivendo no mundo, a adotarem um distanciamento do modo mundano de se viver; e o místico, que se refere à atitude contemplativa do religioso a ponto de procurar se distanciar do mundo e pouco se importar com as questões éticas da vida. São dois extremos. E preocupa o fato de que tem havido crescimento acentuado no tipo de profetismo místico no meio dos crentes. Parece que as pessoas estão mais preocupadas em “malhar a alma”, num adoracionismo desenfreado, sem se preocupar com seu papel no mundo dos vivos. Isso não é adoração, mas adoracionismo, uma recente “síndrome” em que o crente se entrega de corpo e alma a uma espécie de transe espiritual, num ambiente de entretenimento e catarse.

Acredita-se que a adoração, nesse sentido, seja produtora de milagres, sobretudo materiais. Se no passado o salvacionismo era o eixo central não só da doutrina, mas da pregação, da liturgia e das práticas eclesiásticas, o adoracionismo, fruto de instintos humanos, vai acabar levando a Igreja a uma vida anestesiada e descompromissada com o cotidiano. É como tentar viver no monte da transfiguração, contemplando as maravilhas de Deus, sem se dar conta de que lá embaixo há toda sorte de dramas e dilemas humanos. Acontece que viver na espiritosfera é perigoso.  O maior risco é a desconexão da realidade. E o adoracionismo não leva o crente a ter uma vida significativa e influente neste mundo caótico. Está errado então adorar? Evangelizar? De modo algum. A adoração é o fim para o qual fomos criados, e a salvação se refere a um importante passo para nos conduzir de volta a Deus. Os extremos é que são prejudiciais. O culto público há de ser resultado de nossa vida particular de comunhão com Deus e não um mero meio de extravasar nossos instintos. Mas também o viver intensa e criativamente o cristianismo no cotidiano é um dos maiores desafios hoje. O equilíbrio é o caminho.

Lourenço Stelio Rega é teólogo, eticista e educador. Diretor da Faculdade Teólogica Batista em São Paulo. Mestre e, Teologia e em Educação, Doutor em Ciências da Religião.

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