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quinta-feira, 28 março 2024

Terapia familiar nos lares cristãos

Foto: Divulgação

Problemas familiares são tão antigos quanto a própria instituição família

A Bíblia é farta em exemplos que mostram isso, tanto quanto a vida em sociedade – fato comprovado pela quantidade de provérbios populares que brincam com a situação, entre os quais um, muito conhecido, que afirma que “feliz era Adão, que não teve sogra”.

Mas no mundo pós-moderno, os problemas enfrentados pelas famílias parecem estar cada vez mais aflorados e ainda mais intensos do que os vividos há alguns anos.

No entanto, se por um lado os problemas aparecem, de outro Deus tem levantado pessoas para estudar, se especializar e trabalhar em uma área que vem se destacando entre os evangélicos: a terapia familiar.

A história de Rafaela (nome fictício) é um exemplo de como o trabalho de um terapeuta familiar pode fazer toda a diferença na vida de uma família. Vítima de violência por parte do marido, após descobrir que ele tinha uma segunda família Rafaela resolveu sair de casa com os dois filhos. Moradora de outro Estado, sob o amparo da Justiça ela foi trazida para um abrigo de mulheres vítimas de violência no Espírito Santo. Passou 30 dias no local com os filhos, até que conseguiu alugar uma casa e conquistar um novo emprego.

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“Entrei na terapia familiar depois disso tudo. Eu queria viver novamente, mas não queria que meus filhos tivessem a criação que eu tive, com pais divorciados que mantinham uma relação conturbada. A terapia me ajudou nisso, a mostrar aos meus filhos que eu havia me separado, mas eles tinham um pai e deviam respeitá-lo, como a Bíblia manda ao dizer ‘honra o teu pai e a tua mãe’. Aprendi que não adianta sentar e chorar pelo resto da vida. A gente tem que superar: reconhecer os problemas e seguir com a vida. Aprendi que eu não preciso ter uma família perfeita. Preciso ter uma família saudável. E hoje eu tenho uma família saudável”, declarou Rafaela.

Já no caso de Ingrid (outro nome fictício), a dificuldade não se relacionava ao marido, mas sim aos filhos que “ganhou” com o segundo casamento. Ela já tinha duas crianças e, com o novo relacionamento conjugal, o marido trouxe para casa outras três, com sérios traumas em relação à mãe. O desafio era amar os filhos do marido como amava os seus próprios. Ingrid confessa que nunca havia valorizado a terapia, achava que não precisava de ajuda, que conseguiria resolver sozinha os seus problemas.

“No entanto, passei a ter muitas crises, em que pensava: ‘Por que Deus me deu essas três crianças?’. Por isso, busquei ajuda. Havia dias em que chegava ao consultório da terapeuta quebrando as coisas, querendo me separar, mas aprendi. Hoje eu não consigo mais pensar apenas nos meus dois filhos naturais: penso nos cinco. A minha filha, que não aceitava ‘dividir’ a mãe, hoje chama a todos de irmãos e convive bem com o meu marido. Terapia é um processo de cura e sempre me baseio no Salmo 139, que afirma: ‘Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos'”, declarou Ingrid.

Na família de Rogério (mais um nome fictício), a busca por um terapeuta familiar aconteceu antes mesmo de o problema ficar mais evidente. Ele e a esposa se casaram jovens, com cerca de 18 anos, e quando os filhos entraram na adolescência, a pouca diferença de idade para com os pais parecia ter transformado a todos em irmãos.

“Nós os criamos assim, mais como irmãos do que como pais e filhos. E isso acabou gerando algumas dificuldades. Com a terapia familiar, aplicada por um profissional cristão, enxergamos o que era melhor fazermos. Entendi ainda que alguns pontos que eu achava positivos em mim eram, na verdade, ruins para a minha família, da forma descontrolada como estavam. Tudo foi mudado e foi uma experiência tremenda para a gente”, relatou Rogério.

Cristãos em busca de ajuda

Nessas três histórias, com problemas tão diferentes uns dos outros, há um ponto em comum: o auxílio de um terapeuta na conciliação e no entendimento da família. Ora trabalhando individualmente, ora juntando os cônjuges, ou pais e filhos, o profissional dessa área tem sido uma figura cada vez mais familiar aos lares cristãos.

Às vezes, as sessões acontecem em salas de terapia, mas em muitos casos ocorrem na própria igreja – quando pastores e líderes são especializados nos métodos da terapia familiar, que tem como diretriz as relações e seus efeitos sobre as pessoas do grupo. O tipo mais conhecido é a chamada terapia sistêmica, em que a família é vista como um sistema do qual todos os membros fazem parte e são chamados a desempenhar papeis específicos.

A inclusão de maridos, esposas e filhos ocorre porque as instabilidades emocionais dos membros das famílias afetam a todos e são nítidas em vários contextos e em todas as faixas etárias, segundo análise do pastor Erasmo Vieira, da Igreja Batista em Morada de Camburi, Vitória.

“Os problemas de hoje são os de ontem mais os de hoje. Há a rebeldia dos filhos, a falta de comunicação dos pais, desajustes na sexualidade e na economia. Entretanto, o mais alarmante é o desinteresse e a despreocupação dos pais em relação aos filhos – acham que estes se criam sozinhos – e a comunicação escassa e truncada no seio familiar. Também é realidade forte o materialismo desenfreado, que toma o lugar de Deus, e a falta de tempo com o Senhor”, disse.

Conforme está descrito no Salmo 128 (“Bem-aventurado aquele que teme ao Senhor e anda nos seus caminhos. Do trabalho de tuas mãos comerás, feliz serás, e tudo te irá bem. Tua esposa será como a videira frutífera; teus filhos, como rebentos da oliveira à roda da tua mesa. Eis como será abençoado o homem que teme ao Senhor”), o plano de Deus é que a família seja um ponto único no mundo, um lugar de refúgio para os seus, um abrigo seguro.

Mas muitas das pressões e mudanças do mundo acabam afetando fortemente a família e impedem o crescimento e o entendimento de quem vive sob o mesmo teto. Isso ocorre muito nos lares não-cristãos, mas atinge também cada vez mais as famílias evangélicas.

A terapeuta familiar Elzeni Barbosa Dutra, da Igreja Batista em Santa Mônica, Vila Velha, explica que a cobrança em cima das famílias cristãs, sobretudo as que têm líderes da igreja, é um peso que tem ido parar nos consultórios para ser tratado.

“É necessário entender que, às vezes, é preciso buscar ajuda especializada. Não adianta se fechar, achar que só o apoio espiritual resolve. As igrejas precisam estar abertas a ajudar, mas buscando conhecimento especializado também”, disse Elzeni, que trabalha com casais em sua igreja.

O pastor Francisco de Assis, da Igreja Cristã Novidade de Vida, no centro de Vitória, que tem mestrado em Aconselhamento Pastoral, acredita que cada vez mais as famílias vão precisar de bases sólidas onde possam procurar ajuda e, encontrando isso em uma igreja ou em uma liderança cristã, elas terão como enfrentar melhor os problemas.

“Vivemos um período de muita informação, concentrada em um curto tempo e espaço. É uma era que coloca todas as pessoas em uma dinâmica mais veloz e, com tanta informação, o ser humano hoje tem mais liberdade de se expressar. O ser humano é o mesmo, mas a forma como a expressão se manifesta mudou. Por isso os problemas das pessoas e das famílias, estão mais evidentes”, disse.

É preciso estar preparado

E é diante dos problemas familiares trazidos pela pós-modernidade que muitos líderes têm voltado a frequentar salas de aulas em busca de aprimorar ainda mais sua especialização para entender às famílias, como mostra o crescimento da procura pelo curso de Terapia Familiar.

“A maioria dos pastores estudou aconselhamento quando fez o seminário. Entretanto, a complexidade da vida moderna torna as exigências maiores. Um pastor que se contentar apenas com o que aprendeu no passado encontrará dificuldade para aconselhar eficazmente famílias e casais de hoje. O ideal é que ele procure atualizar-se, participando de congressos ou fazendo cursos que possam orientá-lo a aconselhar com eficiência”, destacou o pastor Marcelo Rodrigues de Aguiar, que é também psicólogo e atua na Igreja Batista em Mata da Praia.

A Faculdade Unida, em Vitória, por exemplo, oferece o curso de Terapia Familiar como pós-graduação, com 360 horas de aula. Nas cadeiras, um público heterogêneo, formado por pastores, assistentes sociais, líderes de trabalho com crianças e adolescentes, professores e diretores de escolas.

“A maioria não é de pastores. As pessoas vêm buscando somar esse conhecimento às áreas em que já atuam, seja na igreja, na comunidade onde moram ou no trabalho, por exemplo. Elas saem daqui podendo atender em uma sala de terapia, mas o que temos visto é que querem mesmo é agregar conhecimento para ajudar ao próximo”, frisou o pastor Sidney Sanches, coordenador do curso.

Mas como separar o pastor do terapeuta familiar? Como identificar que a demanda de uma pessoa ou de uma família requer atenção espiritual ou quando requer cuidados de um especialista em famílias? É preciso estar sempre atento a isso e uma das regras, segundo a professora do curso de Terapia Familiar Reneé Cavalcante Leão Borges, é não fazer sessões de acompanhamento dentro da igreja.

“Para se ter uma ideia, o curso não fala nada sobre religião ou de igreja. É uma área do conhecimento científico, usada para entender e ajudar a solucionar os conflitos familiares. A liderança da igreja que passa por um curso de Terapia Familiar tem que ser muito cautelosa para saber quando e como utilizar os métodos. Os pastores, por exemplo, não estão abrindo salas de terapia. Usam o que aprenderam quando são confrontados com um problema que requer análise mais aprofundada”, explicou Reneé Borges.

Exemplo disso é o pastor Luivan Scheidegger, da Igreja Batista Restauração, em Jardim América, Cariacica. Ele e a esposa, Dilzanir, têm especialização em Terapia Familiar e utilizam os métodos aprendidos para auxiliar as famílias, muitas das quais nem mesmo são membros da igreja.

“Primeiro você tem que demonstrar confiança. As pessoas têm que ter liberdade de se abrir com você para então falarem do que está afligindo o lar. Eu tenho dito, até mesmo de púlpito, que nós temos o curso de Terapia Familiar e que o conteúdo que aprendemos é para ajudar. Isso tem sido valioso. As pessoas têm nos procurado, muitas para falar do filho problemático, das dificuldades conjugais, de casos de violência doméstica. Usamos a terapia familiar para entender as causas do problema e a teoria psicanalítica e a Bíblia para resolver o problema”, declarou o pastor.

Para conseguir ajudar é preciso se envolver, estar aberto a ouvir e ter sensibilidade para notar se alguém está sofrendo no grupo famíliar. Por outro lado, as famílias não devem se isolar. O problema de uma delas pode ser o mesmo já vivido por outra e, no futuro, pode servir de exemplo para o crescimento daquela.

“As famílias hoje estão se isolando, já não compartilham seus dilemas, seus problemas, com seus líderes espirituais. Muitas das crises familiares já não são do conhecimento dos pastores. Por sua vez, os pastores também, em alguns casos, estão deixando de acompanhar as famílias em seus problemas e falham, assim, em dar orientações seguras de acordo com os princípios da Palavra de Deus”, alertou o pastor Gilson Bifano, diretor do Ministério Oikos (Grupo de Apoio à Família).

Mas ele faz um alerta: “O conhecimento psicológico deve ser usado como ferramenta útil, mas a exortação, o aconselhamento bíblico, devem ser sempre valorizados. Não podemos transformar os gabinetes pastorais em salas de atendimento psicológico”.

A certeza que os cristãos devem ter é que a estratégia do inimigo para destruir as igrejas é atacar principalmente as famílias. Quanto mais frágeis elas estiverem, mais forte fica a ação de Satanás no mundo. Por isso, é tempo de se investir nos lares, de reerguer as famílias e fortalecer seus laços e estruturas.

As pessoas buscam por ajuda e, como a Igreja foi instituída por Deus para ser um local de amparo, de comunhão total, de auxílio mútuo, deve cumprir ainda mais esse papel nos dias atuais, dando apoio a quem precisa.

A terapia familiar aplicada no contexto religioso chega também com esse propósito, de fortalecer os laços familiares, e tem sido um forte braço nesse árduo trabalho. Um dos desafios é fazer o cristão entender que ter uma família perfeita não é o sonho que se deve sonhar. O que se deve almejar é uma família cristã saudável, que convive bem com as diferenças, sabe os limites e se respeita mutuamente.


Dicas de leitura

A grande idéia de Deus (Nova Edição)
Jaime Kemp – Mundo Cristão
A família é uma grande invenção divina. Sua instituição foi idéia de Deus. É a célula base da sociedade, a unidade básica das nações. Por isso ela é tão importante e imprescindível para todos nós.

Famílias fortes, igrejas fortes
Wayne Grudem e Dennis Rainey – Editora Vida
Famílias estruturadas são uma das melhores formas para divulgar o reino de Deus – Como enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades para ministrar às famílias?

Manual de relacionamento de ajuda
Jacques Poujol – Claire Poujol – Editora Vida Nova
Para ajudar essas pessoas, os experientes terapeutas Jacques e Claire Poujol conceberam este guia completo de acompanhamento psicológico e espiritual.


A matéria acima é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

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