As mulheres também participavam junto com os homens nas orações, e até mesmo trazendo ensinamentos
Por Lidice Meyer Pinto Ribeiro
É comum que pensemos que o papel das mulheres no início da Igreja Cristã fosse menor do que realmente foi. Autores dos primeiros séculos como Celso classificaram o cristianismo como uma religião de mulheres e crianças, tal era a quantidade destas observadas em suas reuniões.
O cristianismo nascente foi uma contracultura até mesmo nas questões referentes às mulheres. As mulheres que viviam sob a cultura judaica helenizada já haviam adquirido bem mais liberdades que suas conterrâneas de Jerusalém. Embora a maior parte da vida cotidiana de uma mulher comum do século I sob o domínio romano se passasse dentro de sua casa, provendo as necessidades básicas de sua família, elas também transitavam entre os espaços públicos.
Além de trabalhar nos campos, as mulheres também estavam nos mercados comprando e vendendo alimentos, roupas e outras necessidades. O Novo Testamento nos fornece exemplos de mulheres nestas atividades (Atos 16.14; 18.2-3). As mulheres das classes sociais mais elevadas, porém, tinham tempo para luxos e podiam mesmo aprender a ler e a escrever. A mulher possuía um papel de destaque no governo da casa e no controle de todos os bens que dentro dela houvesse.
Embora cerca de 85 a 90% da população do Império Romano no séc. I vivesse em áreas rurais, as cidades eram centros de negócios, comércio, política e religião. As primeiras igrejas, acompanhando este movimento, também começaram nas cidades, dentro das casas dos primeiros convertidos, como vemos na história de Lídia, a primeira convertida na Europa. Os cultos consistiam em momentos de oração, cânticos, uma palavra trazida por um ou mais cristãos e celebração da Ceia do Senhor.
Uma das principais formas pelas quais as mulheres participavam da Igreja primitiva era por meio dessa refeição transformada em sacramento. Como afirma Holly Beers: “Como as mulheres eram quase sempre responsáveis pela comida em seus grupos familiares estendidos, organizar e hospedar essa refeição para a assembleia teria fornecido oportunidades naturais para as mulheres servirem e até liderarem, tudo enquanto as crianças brincavam por perto.”
As mulheres também participavam junto com os homens nas orações (At 1:14; 12:12–27), e até mesmo trazendo ensinamentos (1 Co 11.5). As mulheres exerciam o dom da profecia que, segundo o apostolo Paulo seria a exortação, encorajamento e consolo (1 Co 14.3). No culto da Igreja primitiva, todos tinham a oportunidade de participar. Para as mulheres, isso incluía cantar e liderar hinos (1 Co 14.26).
Embora nem todos os cristãos fossem alfabetizados, muitas das mulheres da igreja primitiva eram da alta classe social e podiam ler as Escrituras nas reuniões e interpretá-las (At 17.12; 18.24-26). Embora o livro de Atos só fale da escolha de homens como diáconos, as mulheres teriam ajudado nesta tarefa atendendo as necessidades físicas de sua comunidade, fazendo e distribuindo roupas e alimentos (Rm 16.1). Dorcas, a única mulher chamada de discípula era conhecida por sua diaconia (serviço) às viúvas em sua comunidade (At 9.36-39). Por fim, as mulheres hospedavam igrejas em suas casas, o que também indica que eram respeitadas como líderes de suas comunidades (At 12.12; 16.14,40, Rm 16.5; 1 Co 16.19, 1 Co 1.11; Cl 4.15, Fl 1.2).
Lidice Meyer Pinto Ribeiro é antropóloga bíblica, doutora em antropologia e professora em Portugal