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quinta-feira, 28 março 2024

Saia da minha casa!

O padrão de qualidade pública do nosso povo está semelhante aos níveis medievais. As pessoas parecem que já não se importam mais com isso

Por Atilano Muradas

Cheguei há pouco de uma nova turnê ao Brasil. Passei por vários estados, e ainda aproveitei para visitar minha mãe em Minas Gerais. Certa noite, enquanto colocávamos a conversa em dia, a TV estava sintonizada na novela “Cama de Gato”. Músico que sou, mas atento também às palavras, imediatamente fui atraído para a trilha sonora de abertura. Simplesmente não acreditei no que estava ouvindo. “Vamos deixar que entrem, que invadam o seu lar, pedir que quebrem, que acabem com seu bem-estar, vamos pedir que quebrem o que eu construí pra mim, que joguem lixo, que destruam o meu jardim, eu quero o mesmo inferno, a mesma cela de prisão, a falta de futuro, eu quero a mesma humilhação”. De pronto, fiquei estarrecido. Como isso pode ser uma música? Corri para a internet para conhecer toda a letra, o contexto. Outro susto: a baboseira continuava nas estrofes seguintes. “Vamos deixar que entrem, que invadam o meu quintal, que sujem a casa e rasguem as roupas no varal, vamos pedir que quebrem sua sala de jantar, que quebrem os móveis e queimem tudo o que restar … vamos pedir que quebrem, destruam qualquer certeza … vamos deixar que entrem e fiquem com o que você tem… pedir que sentem aos que entraram sem licença, pedir que quebrem que derrubem o meu muro…”. Chega! Já dei espaço demais a esse mau-gosto literário.

Claro que os produtores das trilhas sabem que o nosso Brasil está um caos estrutural. Assim como eles, eu também conheço todo o Brasil. Acreditem ou não, mas em algumas cidades homens estão fazendo xixi nas ruas, em frente a qualquer pessoa. Lata de lixo parece que não existe mais. Tudo está pichado, quebrado, as calçadas esburacadas, as casas amontoadas umas sobre as outras, os mendigos e crianças de rua são coisa normal, as pessoas jogam lixo pelas janelas das casas e dos carros. O padrão de qualidade pública do nosso povo está semelhante aos níveis medievais. As pessoas parecem que já não se importam mais com isso. Convivem harmoniosamente com lixos entulhados, fios sujos, patrimônios públicos depredados, gambiarras, improvisos, poluição sonora, esgoto a céu aberto, animais fedorentos, e por aí vai. Já os interiores das casas, em geral, não estão tão ruins assim. Ainda é possível encontrar vida civilizada dentro dos imóveis. Mesmo com pouca grana, muitos têm feito decorações bonitas, de bom gosto, e procurado deixar o mais limpo possível, com “cara de lar”.

Mas, pelo visto, esse contraste incomoda os autores da supracitada trilha de novela. Em vez de incentivarem a melhora da vida das pessoas, propondo ideias boas, eles querem que esse caos público, por fim, invada a casa de todos com seu lixo, leve tudo, quebre tudo, derrube tudo, acabe com o seu bem-estar, humilhe, como um tsunami, um terremoto. Por favor, respeitem a nossa vida. Já não bastam as desgraças promovidas pelos políticos? Já não bastam a fome, a miséria, os jovens nas drogas e na bebida, os lares destruídos? Mas, eu sei, isso é coisa do Príncipe das Trevas e os autores de novelas e trilhas, infelizmente, estão a serviço dele, não tenho dúvidas. Ele está por trás dessa estratégia de fazer o povo declarar com os lábios exatamente o contrário daquilo que já vinham declarando há pelo menos dois ou três anos através da canção que ganhou os lares brasileiros de Norte a Sul: “Entra na minha casa, entra na minha vida”.

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Agora, algo que me deixa profundamente indignado é ver cristãos “passivos” diante dessas coisas, pois continuam dando audiência a essas irresponsáveis novelas ano após ano. Elas estão fazendo exatamente o que a trilha de “Cama de Gato” diz: invadindo as casas e destruindo tudo que foi construído a duras penas – a moral, a ética, o amor, os relacionamentos, o casamento, a paz, a alegria. Não à toa, Jesus ensinou em João 10:10 que o “ladrão (o diabo) vem somente para roubar, matar e destruir”. Só não vê quem não quer. Não basta saber os versículos de cor, é preciso mudança de atitude diante dessa verdade. É hora de apurarmos o nosso senso crítico – ou melhor, nosso discernimento de espíritos – e cantarmos com autoridade, olhando para as novelas da TV: “Saia da minha casa, saia da minha vida”, em nome de Jesus. Isso não é boicote, é atitude.

Atilano Muradas é pastor, jornalista, teólogo, escritor, compositor e palestrante. Possui 11 CDs gravados e 5 livros publicados. Recebeu o Prêmio Areté, pelo livro “A música dentro e fora da Igreja” (Editora Vida) e participou como comentarista da Bíblia Brasileira de Estudos (Editora Hagnos). Morou por 7 anos nos EUA, onde foi Secretário da Associação Brasileira de Imprensa Internacional (ABIInter) e pastor-titular da Brazilian Presbyterian Church, em Houston, no Texas. É autor de vários musicais e articulista de periódicos no Brasil e no exterior

Este artigo foi publicado originalmente em 31 de Março de 2010 no portal da Revista Comunhão. As pessoas ouvidas e/ou citadas podem não estar mais nas situações, cargos e instituições que ocupavam na época, assim como suas opiniões e os fatos narrados referem-se às circunstâncias e ao contexto de então.

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