Perdão é amor incondicional. Perdão é a expressão maior da misericórdia de Deus. Dessa forma, é importante que as pessoas se perdoem e sejam tolerantes para se ter paz
Perdão é remissão de pena. Absolvição. Indulto. Desculpa. É um processo mental ou espiritual de cessar o ressentimento ou raiva contra outra pessoa, decorrentes de uma ofensa recebida, diferença ou erro, ou cessar a exigência de castigo ou restituição. A verdade é que as pessoas podem perdoar genuinamente, embora seja preciso tempo para esquecer e curar sentimentos negativos.
Para o pastor Josué Gonçalves, terapeuta familiar e autor de muitos livros, entre eles “104 Erros que um casal não pode cometer”, perdão é graça, é oferecer aquilo que o outro não merece.
Se uma pessoa busca convivência, relacionamento e integração, o ato do perdão é indispensável. Do ponto de vista da maturidade espiritual, ao interagir, as pessoas precisam ser tolerantes, a tal ponto de serem levadas “as cargas uns dos outros, e assim cumprirdes a lei de Cristo” (Gl. 6,2). É assim que pensa o pastor Paulo Roberto Barbosa de Almeida, professor de Teologia Patrística e Contemporânea, mestre em Teologia Pastoral e bacharel em Teologia, vice-presidente da Igreja Assembléia de Deus-Missão Coreana em Jardim Camburi. Ele ressalta que não há limites para perdoar. Em nenhum lugar das Escrituras existe essa limitação, embora conceitos e ideologias da pós-modernidade estabeleçam ‘limites’ próprios para o exercício do perdão.
Seguindo o mesmo raciocínio, o pastor Gonçalves salienta que, na graça, não existe contabilidade. Quando Pedro perguntou a Jesus se ele deveria perdoar até 7 vezes, Ele respondeu: “Não é até sete, mas até 70 vezes sete, ou seja, 490 vezes, e por dia”. (Mt.18). O perdão incondicional não tem limite.
Tudo na vida depende de relacionamento, e não há possibilidade de se construir relacionamentos sadios se não houver nas pessoas a predisposição para perdoar. O pastor Gonçalves ressalta que o perdão mantém os canais de comunicação abertos, liberta os cristãos de tudo aquilo que possa impedir sua comunhão. “O perdão é a possibilidade da convivência. Dá a flexibilidade necessária para a construção do nosso projeto de vida em família”, destaca.
Entre os benefícios do perdão, o pastor Paulo Roberto destaca que o principal é encarar o problema de frente, com transparência e sinceridade. “A cura será um fato quando houver esse confronto, pois a Escritura determina ‘confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados…’ (Tg. 5,16)”, cita. Compreendendo essa regra básica do cristianismo, a pessoa também deixará de experimentar a culpa, a depressão e a sensação de distanciamento de Deus. E ainda aprenderá a reconhecer fraquezas para controlar melhor as reações.
Mas por que é tão difícil perdoar? “É difícil perdoar devido à nossa própria humanidade”, explica o pastor Paulo Roberto.
Gary Preston, autor do livro “O caráter aperfeiçoado pelos conflitos”, assinala que “quando a ofensa é severa, o processo de perdão pode ser igualmente duro”. O ato de perdoar é uma coisa, mas a arte de esquecer é outra. Requer tempo. Trata-se de um processo humano que pode ser facilitado pela oração, pela reflexão e pelo aconselhamento. Com certeza, à semelhança de Deus, as pessoas podem se perdoar imediatamente, mas apenas Deus é capaz de esquecer imediatamente.
“Perdoar é difícil porque exige tudo aquilo que não é compatível com a velha natureza, ou seja, renúncia, humildade, sacrifício, paciência, tolerância, aceitação”, pastor Gonçalves.
O que pode acontecer quando não se perdoa
- Quem não perdoa não tem paz (Mt 18:34)
- Quem não perdoa acaba desenvolvendo um câncer na alma (Ef 4:31,32)
- Quem não perdoa se coloca debaixo da ira de Deus (Mt 18:34)
- Quem não perdoa destrói a ponte que um dia precisará usar para atravessar do outro lado (Mt 6:12)
- Quem não perdoa se torna um prisioneiro do passado (Is 43:18,19)
- Quem não perdoa se torna refém dos sentimentos negativos (Mt 5:23,24)
- Quem não perdoa dá legalidade para satanás agir em sua vida (Ef 4:27)
Falta de perdão separa famílias
Quando se trata de famílias, a falta de perdão é um problema mais complexo. Há pesquisas que mostram que a maioria dos divórcios ocorre por razões ligadas ao espírito não perdoador. Quem não consegue viver com as diferenças, ou não aprendeu a ceder em benefício da paz conjugal, dificilmente conseguirá permanecer casado com quem quer que seja.
“O amor nunca acaba, ele fica enterrado debaixo de uma pilha de ressentimentos”, sustenta o pastor Gonçalves. Isto significa dizer que quando se perdoa os sentimentos negativos vão desaparecendo e o amor floresce novamente. O perdão é a amnésia do amor, a faxina do coração e a cura para as memórias amargas. Quem aprendeu a perdoar preserva o seu casamento e mantém a saúde da alma e do relacionamento.
Outra questão muito delicada é a falta de perdão entre pais e filhos. Mas qual a importância de pais perdoarem filhos e filhos perdoarem pais? A resposta é: toda. Consiste na restauração da imagem bíblica da família. O perdão é a manifestação da graça na sua essência, e tem o poder de restaurar relacionamentos. A última mensagem profética do Antigo Testamento fala da tal importância do perdão entre pais e filhos: “Ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição” (Ml. 4,6).
Quando os filhos rompem com os pais por falta de perdão, a Bíblia diz que eles se colocam debaixo de maldição e encurtam o seu tempo de vida (Ef. 6). Pais e filhos são humanos, cheios de limitações e defeitos, e só existe uma forma de caminharem juntos saudavelmente: perdoando uns aos outros, como Deus em Cristo perdoou.
Não existe possibilidade de reconstrução daquilo que foi destruído no relacionamento se não for por meio do perdão. O pastor Gonçalves conta que, durante seu ministério, tem visto muitas famílias se reconciliando a partir da compreensão e prática do perdão. Uma das razões por que o diabo faz de tudo para uma pessoa não liberar perdão é porque ele sabe que o perdão abre a porta para grandes milagres.
Igreja, a família dos sonhos de Deus
À luz das Escrituras, sabe-se que Deus sempre buscará novas oportunidades para tornar real aquilo que Ele sempre planejou, destinou em Sua sabedoria para cada um de Seus filhos: formar a família ideal. Da mesma forma, essa regra vale para as igrejas, que querem receber perdão de Deus, mas têm dificuldade em perdoar. “Isso é antagônico, porque a comunidade cristã não tem finalidade em si mesma, mas é sinal e instrumento do Reino em função e a serviço do mundo através de suas atitudes de saúde”, avalia o pastor Paulo Roberto.
Para ele, a principal atitude de saúde na igreja é o perdão. Do contrário, ela deixa de ser igreja, e o ‘cristão’ perderá a possibilidade de ter a sua vida transformada por Deus e de ser um verdadeiro portador de saúde e consolo para os outros.
A falta de perdão, muitas vezes, leva à divisão da igreja. Essa é uma questão que envolve falta de tolerância? Como mudar esse quadro? Na avaliação do pastor Paulo Roberto, isso é muito sério. “Eu não estou habilitado para emitir juízo quanto às várias divisões que constantemente presenciamos, porém, à luz da Palavra de Deus, ‘divisão’ ou ‘facção’ é um traço negativo”, explica.
Do ponto de vista de Paulo Roberto, é necessário mudar o discurso do púlpito, muitas vezes, centralizador, monopolizador, oligárquico, manipulador, autoritarista e dramatizador. “Existem situações em que se utiliza o púlpito muito mais para ‘ferir’ alguém do que como um meio prescrito por Deus para salvar, santificar, fortalecer e produzir fé nos que foram escolhidos por Deus (Rm. 10,4)”, destaca.
Josué Gonçalves é categórico quando fala sobre a divisão de igrejas por falta de perdão. “Posso afirmar, sem medo de errar, que toda divisão é o resultado de um ou mais corações que não se abriram para liberar perdão. O perdão desativa o mecanismo de violência que existe dentro e fora de nós”, diz. Para mudar isso, é necessário que o Espírito Santo faça com que as pessoas compreendam o que a Bíblia diz sobre “perdoar”. Como testemunho vivo, o pastor Gonçalves conta que Deus já permitiu que ele passasse pela calúnia, ingratidão, agressão verbal, ofensas das mais diversas, segundo ele, tudo para fazê-lo crescer na arte de perdoar.
“Quando a igreja entender melhor a doutrina do perdão, teremos mais saúde em nossos relacionamentos”
A cura das emoções
O reverendo Hernandes Dias Lopes, da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, autor de diversas obras, entre elas “Perdão – A Cura das Emoções”, destaca que perdão é uma questão de sobrevivência. “Não há como um ser humano ter uma vida saudável sem que perdoe”, diz.
Segundo o reverendo, muitas enfermidades deixariam de existir se as pessoas aprendessem a perdoar, pois quem não perdoa é escravo de seus próprios sentimentos, não é livre e nem tem paz. “Quem não perdoa adoece física, emocional e espiritualmente”, alerta.
Hernandes Lopes fala que para se perdoar é preciso seguir os princípios do perdão, isto é, ter cautela, confrontar o ofendido e se arrepender diante dele. Segundo o reverendo, a cautela é necessária para que as pessoas não sejam injustas e duras. Já a confrontação é essencial para que não haja fuga do problema. “Perdoar não é deixar no molho do esquecimento as pendências e os problemas não resolvidos. O perdão exige confronto”, explica.
É falsa a idéia de que o tempo vai resolver tudo. Sobre o assunto, o reverendo diz que o tempo cauteriza a consciência em vez de despertá-la, adia o inadiável e deixa para depois o que carece de cura imediata.
A segunda idéia falsa, de acordo com o reverendo, é de que o silêncio é a voz do perdão. “O silêncio é a voz da amargura e não do perdão. O silêncio apenas cobre de cinzas a ferida aberta, mas não provoca uma cura terapêutica. O silêncio sufoca a alma, amargura o coração e provoca distúrbios profundos na vida emocional. Cobrir uma ferida contaminada é um risco fatal”, previne.
Outro ponto crucial para que haja o verdadeiro perdão é o arrependimento, que acontece quando a pessoa que praticou o pecado reconhece que errou. “Arrependimento é mudança de emoção e de atitude”, destaca.
O pecado perdoado deve ser lançado no mar do esquecimento, sem expor a pessoa perdoada ao ridículo, tirando os trapos do passado das pessoas que ofenderam, cobrindo-as com vestes novas do perdão.
Praticando o perdão
O reverendo Hernandes Dias Lopes, da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, viveu o drama mais doloroso de sua vida no dia 2 de agosto de 1982, quando pastoreava a Igreja Presbiteriana de Bragança Paulista, em São Paulo. Era seu primeiro ano no ministério. “Meu coração estava cheio de sonhos bonitos, e minha alma, em festa. Minha vida parecia um jardim com grinaldas de flores. Eu estava muito entusiasmado”, conta.
Em meio ao crescimento de sua igreja, quando tudo parecia estar dando certo, Hernandes foi confrontado com uma realidade avassaladora. Chegava em casa, à noite, quando recebeu um telefonema informando que seu irmão Hermes, de 27 anos, acabara de ser assassinado com 11 golpes de faca pelo primo da sua esposa.
Após ficar por um longo tempo em estado de choque, o pastor Hernandes conta que recobrou suas forças, e a primeira palavra que Deus colocou em seus lábios foi: “Eu perdôo o assassino do meu irmão”. “Eu não tinha outra opção, perdoava ou adoecia. O perdão era o único remédio capaz de libertar a minha alma do cárcere da tristeza e sarar aquela profunda ferida”, testemunha.
Perder o irmão em agosto de 1982, e o pai, quatro meses depois, vitimado por câncer, foi um grande baque para o pastor. Embora a dor da perda tenha sido imensa, o poder do perdão foi maior. “O perdão é libertador, cura da alma e é o bálsamo do céu. Ele é o remédio necessário que tonifica o coração para caminharmos pela vida sem amargura”, revela.
A matéria acima é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.