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quinta-feira, 25 abril 2024

Reconciliação: O começo do recomeço

A árdua e fascinante viagem na vida de quem foi ofendido e encontrou o antídoto para estar física, emocional e espiritualmente saudável e feliz

Quem assistiu ao filme “O Invencível” pôde embarcar na impressionante trama baseada na vida real do atleta olímpico Louis Zamperini (interpretado por Jack O’Connell), que se tornou prisioneiro de guerra no Japão por dois anos e, ao ter seu histórico de esportista descoberto, passou a ser cruelmente torturado no campo de concentração.

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O grande mérito da produção não está ligado à qualidade técnica ou à direção da grande estrela de Hollywood Angelina Jolie, mas sim à fascinante capacidade de Louis de, após liberto, perdoar seus captores para prosseguir na vida. Numa cruzada evangelística do pastor Billy Graham, ele se entregou a Cristo, perdoou seus algozes e fez uma viagem de volta ao país oriental para com eles se reconciliar. De quebra, concretizou seu sonho de correr na Olimpíada de Inverno naquele lugar em que tanto sofreu. Uma frase dita pelo verdadeiro Louis Zamperini resume sua saga: “Em toda a minha vida, eu sempre terminei a corrida”. Ele morreu em 2014, aos 97 anos de idade, realizado.

A dura e gloriosa experiência deste homem, marcado pelas sequelas da guerra, remete-nos a um outro tipo de vivência ainda mais impressionante, advinda do perdão: a fantástica viagem da reconciliação de quem abriu mão da vingança para fazer as pazes com seu inimigo. “Não vos vingueis a vós mesmos, amados. Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12:19-21).

Reconciliação: O começo do recomeço
“Perdoar e reconciliar exige negação do ‘eu’, do senso de justiça próprio” – Dinart Barradas, pastor da Universidade da Família

O pastor Dinart Barradas, da Universidade da Família (UDF), de São Paulo, explica que “perdoar e reconciliar exige negação do ‘eu’, do senso de justiça próprio. Requer que o ‘eu’ abra mão da reparação, demanda que o prejuízo seja assumido na íntegra por quem não causou nem mesmo uma parte dele”, diz. Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido (Mt 6:12).

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Mas por que perdoar é tão difícil? O empresário Fábio Hertel, membro da Missão Evangélica da Praia da Costa, Vila Velha (ES), explica que “tudo que é próprio e peculiar de Deus: amar, perdoar, reconciliar e restaurar é dificílimo para nós por causa de nossa natureza caída e egoísta. Reconciliar é um exercício espiritual fruto da ação do Espírito Santo.

Milagres podem acontecer instantaneamente. Mas a reconciliação verdadeira pode demorar um pouco depois do perdão (quando não há mais sentimento ou dor pelo ocorrido).
Tornar-se novamente amigo íntimo é de fato uma construção, um processo. Nem sempre acontece, mas é possível.” Se for possível, quanto depender de vós, tende paz com todos (Rm 12:8).

Numa avaliação paralela entre ressentimento e perdão, o pastor Arlindo Theodoro, da Igreja Valentes de Davi, de Vitória (ES), afirma que a diferença reside no fato de o perdão ser um ato de nobreza, e o ressentimento, uma atitude selvagem de um instinto, nosso, altamente primitivo. “Pessoas nobres e evoluídas perdoam. Seres primitivos e instintivamente selvagens cedem ao rancor.”

O conceito de perdoar 70 vezes sete, ou seja, infinitamente, como é concebido pelo cristianismo, segundo a cultura da época, não encontra paralelo em nenhuma outra civilização. Mesmo entre o povo hebreu, de onde veio o fundador do cristianismo, Jesus, a ideia de perdão era diferente, com base na lei mosaica registrada na Torá. No judaísmo de 1.500 antes de Cristo, exigiam-se sacrifícios e atitudes propiciatórias. O cristianismo é a única visão filosófico-religiosa da História que considera um perdão concedido não por mérito próprio, mas como fruto da ação divina e graciosa, conforme explica o escritor Maurício Zágari em entrevistas e no seu livro “Perdão Total”, preparado para quem não se perdoa e não consegue perdoar.

Um antídoto milenar

Não é necessário recorrer à indústria cinematográfica ou aos testemunhos de irmãos que moram em outro continente para identificarmos a fonte da longevidade, da saúde e da paz promovida pelo perdão e pela reconciliação. O Livro Sagrado traz o antídoto que combate os efeitos da toxina da amargura, do ressentimento e da vingança na vida emocional, física e espiritual. Para não citar o próprio Jesus como exemplo de perdão e incorrer na impossibilidade humana de identificação com Ele, que é Deus, vamos refletir sobre alguns personagens bíblicos que vivenciaram “na pele” o que isso significa: Esaú e Jacó, e José e seus irmãos.

Reconciliação: O começo do recomeço
Fonte: entrevistados da matéria

Esaú trocou a bênção da primogenitura, que era vinda de Deus, por um prato de comida. Jacó também errou ao cobiçar aquilo que não era seu e enganar o próprio pai para receber a bendição. E quando Esaú estava indo ao encontro de Jacó com um grande exército para matar a ele e a toda a sua família, Jacó poderia também ter armado um outro grupo e partido para a guerra. Em vez disso, sem nada tentar argumentar, abandonando seu orgulho, inclinou-se à terra sete vezes e se humilhou perante o irmão. Pediu perdão. Diante daquele gesto, o coração de Esaú amoleceu, e não havia mais o que fazer senão perdoá-lo. E paz voltou a reinar naquela família. Deus tinha um grande propósito para Jacó, e ele entendeu que não valeria a pena trocar isso pelo orgulho ou pela razão humana.

Em Gênesis, vemos que Jacó fazia questão de declarar José como filho favorito, o que o tornou odiado por seus irmãos. Para agravar a situação, quando José tinha 17 anos, compartilhou sonhos que foram interpretados no sentido de que todos na família iriam se curvar a ele, deixando seus irmãos ainda mais furiosos.

Assim, falsificaram a morte do jovem e o venderam como escravo para o Egito, onde trabalhou, foi preso, sofreu acusações falsas e abandono. Mas, com o passar dos anos, conquistou posição de autoridade. Em tempos de fome, Jacó enviou seus filhos para comprar trigo no Egito. Estes foram reconhecidos por José, mas não conseguiram identificá-lo. Por uma série de decisões, José foi capaz de fazer com que os irmãos confessassem seus pecados. E então se revelou a eles e os encorajou, argumentando que o que haviam feito resultou na salvação da família.

O faraó forneceu um terreno para a família unida no Egito. Após alguns anos, Jacó morreu, o que deixou os filhos receosos de uma vingança. No entanto, José os tranquilizou dizendo que o que eles fizeram para o mal, Deus fez para o bem. E que não deveriam temer, pois iria cuidar deles e de seus filhos. Isso é reconciliação. “Nas coisas desta vida, por que não sofreis, antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano?” (1 Co 6:3,7).

Exemplos como esses provam que essa não é uma tarefa fácil, mas possível. Nosso ego ferido não tem capacidade de fazer essa contabilidade de forma racional e voluntária. “O ‘eu’ é, por natureza, amante de si mesmo e incorrigivelmente voltado para seus próprios interesses. Eis a dificuldade”, afirma Dinart.

Uma dica é pensar em o quanto o ser humano é imperfeito e erra. Ou fazer um exercício de trazer à memória quantas pessoas já foram ofendidas; isso facilita perceber que ninguém é melhor do que ninguém e que não perdoar é assumir uma postura de soberba que não leva a lugar algum. Já perdoar nos torna seres humanos melhores.

“Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma cousa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta” (Mt 5:23-24).

Todas as histórias demonstram que o perdão aplica-se a uma variedade de situações, que podem ou não ser imediatamente perdoadas. Na de José e de seus irmãos, percebe-se que a oportunidade para isso leva um longo tempo. Se o ofensor não pedir perdão, devemos dar-lhe imediatamente e deixar que Deus use o tempo para o nosso bem.

Nossos entrevistados salientam que relevar os erros não significa aceitar que certas atitudes se repitam, mas que limites podem ser estabelecidos entre o ofendido e o ofensor. No entanto, abandonar os ressentimentos e deixar de lado o rancor é sinal real de que o perdão aconteceu e que a vítima encontrou a forma de seguir em frente.

Reconciliação: um ministério

Após o perdão, a reconciliação ainda pode ser uma longa viagem. O pastor Arlindo Theodoro explica que “perdão e reconciliação são duas coisas distintas. Haverá ocasiões em que o perdão será dado e que a reconciliação nunca existirá. O perdão é um ato instantâneo. Já a reconciliação exige a retomada de confiança. E isso leva tempo”.

Entretanto, quando ocorre, gera paz na alma de quem o dá. Ou seja, faz bem imediato ao que o oferece. Já a reconciliação constrói uma ponte de via dupla, na qual ambos serão favorecidos mutuamente.

Reconciliação: O começo do recomeço
“Promover uma reconciliação entre amigos, pais, filhos e casais é possível quando se assume a virtude da empatia” – Fábio Hertel, empresário

Retomando a história da estrela da pista e herói de guerra Louis Zamperini, veremos que ele se tornou um ministro do perdão e da reconciliação. O fim do filme mostra a sua redenção e o retorno à terra e à família. Em alguns aspectos, sua história só estava começando. A legenda no desfecho do longa-metragem conta um pouco da história deste senhor após a guerra.

Em 1946, Louis Zamperini conheceu sua amada Cynthia Aplewhite e se casaram. Eles tiveram uma filha, Cissy, e um filho, Luke. Após anos de pesadelos, repleto de ódio, bebendo cada vez mais e planejando como regressar ao Japão e matar Watanabe, seu principal algoz, foi levado pela esposa a um sermão do pregador Billy Graham. Então tudo passou a fazer sentido.

Motivado por sua fé, o atleta percebeu que a maneira de seguir em frente era o perdão, e não a vingança. Voltou ao Japão, onde encontrou e perdoou seus captores. Tornou-se um ministro da reconciliação e, finalmente, realizou o sonho de estar em uma Olimpíada novamente. Em 1998, aos 80 anos, carregou a tocha nos Jogos Olímpicos de Inverno no Japão.

Na história em que Pedro nega Jesus três vezes, fica claro que não é preciso nem palavras para o perdão, como quando o Messias e Seu discípulo se olharam. Comportamentos exteriores podem demonstrar um coração arrependido. Mais tarde, Pedro assume seu ministério e ensina sobre o perdão e o amor (I Pe 3:8,9 e 4:8).

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Desculpas e perdão não são a mesma coisa. O termo “desculpas” vem do grego “apologos” e deve ser usado ao se referir aos casos em que não haja pecado ou culpa – um acidente, por exemplo. Pedir perdão é desistir do direito de obter justiça e assumir os erros e pecados que foram cometidos.

Muitas vezes, o perdão pode ocorrer a partir de uma mera disposição interior, sem que seja necessário um contato pessoal. Há casos em que é preciso perdoar uma pessoa que já morreu. O ofendido pode perdoar em seu coração a ofensa sofrida, mas não tem como fazê-lo pessoalmente, por motivos óbvios. É válido, pois perdoar faz muito bem, destaca Maurício Zágari.

Reconciliação: O começo do recomeço
Fontes: Portal “encenasaudemental”

Promover uma reconciliação entre amigos, pais, filhos ou casais é possível quando se assume a virtude da empatia, assinala Fábio Hertel. “Quando nos identificamos com o sofrimento dos outros, somos impulsionados a amar e a promover a paz. Isso não acontece rapidamente, é um processo, muitas vezes desgastante. Eu mesmo já perdoei amigos que me roubaram e posteriormente confessaram o deslize. Não é fácil, mas possível”, completa o empresário.

Quem se dá ao luxo de ceder ao desentendimento ergue um muro intransponível no campo das relações. Por outro lado, o perdão é um operário especializado em construção de pontes. Arlindo Theodoro afirma que, “antes de ceder à ira e aceitar entrar em uma contenda, deveríamos pensar se estamos dispostos a erguer um muro ou construir uma ponte. E reconhecer que se está errado (se brigamos, estamos todos equivocados). Podemos intermediar, ajudar a trazer luz a mentes que foram entenebrecidas pela negrura da raiva e do ódio”.

Para Fábio, as palavras são tudo em qualquer relacionamento. “E digo mais: não só as palavras, mas também a forma como são expressas. O jeito que se fala faz toda a diferença”, conclui. “A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira. Uma língua suave é árvore de vida; mas a língua perversa quebranta o espírito” (Pv 15:1-4). Todos temos essa função de reconciliadores. O texto de 2 Coríntios 5:17-20 trata do assunto com a conotação de tornar às pazes. É uma transformação de inimigos para amigos íntimos. Éramos inimigos e nos tornamos amigos íntimos de Deus. Por gratidão e misericórdia, devemos lutar para que outras pessoas desfrutem desse presente.


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A matéria acima é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

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