Desigualdade racial e falta de políticas públicas ampliam o número de crianças negras em serviços de acolhimento no Brasil, perpetuando ciclos de ruptura familiar e exclusão
Por Patrícia Esteves
A sociedade brasileira tem sido convocada a refletir sobre a realidade de milhares de crianças e adolescentes negros que vivem em serviços de acolhimento neste mês de novembro, quando se celebra o mês da Consciência Negra. O rompimento do cuidado parental, frequentemente motivado por vulnerabilidade social e pobreza, coloca jovens pretos e pardos em uma situação de risco e marginalização que expõe um problema estrutural: o impacto do racismo e da desigualdade no destino dessas crianças.
De acordo com a pesquisa Vozes (in)escutadas e rompimento de vínculos, publicada pela Aldeias Infantis SOS, realizada em 2023, 80,6% dos jovens egressos de serviços de acolhimento se autodeclaram negros. Além disso, dados do Conselho Nacional de Justiça revelam que crianças e adolescentes negros passam mais tempo em abrigos e enfrentam maiores dificuldades para adoção, perpetuando ciclos de exclusão. Essa desproporção reflete a desigualdade racial no Brasil, onde famílias negras, majoritariamente vulneráveis, sofrem com a falta de acesso a políticas públicas essenciais, como habitação, saúde e educação.
“Estamos falando de um ciclo de desassistência prolongado às famílias pobres, normalmente sem suporte adequado das políticas públicas, especialmente de habitação, educação e saúde”, afirma Michele Mansor, gerente nacional de Desenvolvimento Programático da Aldeias Infantis SOS. Para ela, o abandono dessas crianças reflete não apenas uma vulnerabilidade das famílias, mas também uma negligência do Estado e da sociedade como um todo.
A vulnerabilidade social atinge de forma mais severa a população negra. Dados do IBGE mostram que a taxa de desemprego entre negros é cerca de 5% maior em comparação aos brancos. A informalidade chega a 15% de diferença, enquanto o acesso a serviços básicos continua desigual. Essa realidade influencia diretamente na capacidade de muitas famílias negras de cuidar de seus filhos, aumentando o risco de ruptura do vínculo parental.
Para crianças afastadas de suas famílias, o acolhimento busca oferecer não apenas um teto, mas também um ambiente de cuidado e afeto. A Aldeias Infantis SOS é uma das organizações que atuam para mudar esse cenário, oferecendo acolhimento em lares familiares e trabalhando na prevenção da separação familiar por meio de ações de fortalecimento comunitário. “Acreditamos que, por meio de um trabalho solidário e, sobretudo, afetivo, podemos ajudar a conduzir essas pessoas na travessia para a vida adulta, para que se tornem cidadãos de direito e tenham um desenvolvimento completo como seres humanos”, pontua Mansor.
O racismo e as desigualdades sociais não podem ser ignorados. O acolhimento de crianças negras não deve ser o fim de um ciclo, mas o começo de uma reconstrução que ofereça a elas as oportunidades e o cuidado que todo ser humano merece.