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sábado, 20 abril 2024

Perspectivas para a liderança cristã na pós-modernidade

“Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa da glória” (1 Pedro 5.2-4, ACF)

Autor: Roney Cozzer

Liderança é um tema sempre recorrente e em alta, mas no que concerne ao ambiente eclesial, não se pode negar que ainda se convive com muitos arcaísmos e obsolescências. Ouvimos pastores mais velhos insistirem naquele famoso chavão: “No meu tempo não era assim…”. Infelizmente, é comum convivermos, em nossas igrejas, com líderes que se recusam e se furtam à atualização. A liderança precisa ser revitalizada e muitas vezes, linhas de ação que são perpetuadas necessitam ser seriamente revistas. Liderar na Pós-modernidade requer do líder cristão uma abertura ao feddback e ao rompimento com antigos paradigmas religiosos e de liderança que necessitam ser superados, para o bem da Igreja e para o bem do próprio líder.

PÓS-MODERNIDADE: É POSSÍVEL DEFINIR?

Um passo de grande importância que precisa ser dado por todo líder cristão é reconhecer o seu próprio tempo. O que mais ouvimos em nossas igrejas são líderes contando histórias de tempos passados como se elas de algum modo fossem repetir-se. É claro que “olhar para trás” é necessário e a História nos oferece lições preciosas, mas é preciso entender que cada época tem suas características próprias e conhece-las auxilia a liderança no esforço de contextualizar-se. Não por acaso escolhi, neste esboço sobre liderança, incluir este tópico comentando muito brevemente a respeito da Pós-modernidade.

Perry Anderson (1999) comenta que as origens da ideia de Modernidade como de Pós-modernidade se dão na América Hispânica e não na Europa ou nos Estados Unidos[1], como podemos ser tentados a pensar. Originalmente, na década de 1930, o termo postmodernismo foi usado, conforme informa Anderson, “[…] para descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo: a busca de refúgio contra o seu formidável desafio lírico num perfeccionismo do detalhe e do humor irônico, em surdina, cuja principal característica foi a nova expressão autêntica que concedeu às mulheres”.[2] Naturalmente, hoje o termo é usado de maneira a identificar uma época, muito mais do que um movimento.

Quando se fala sobre pós-modernismo[3], um ponto sempre recorrente a seu respeito é justamente a dificuldade de defini-lo. Uma consulta sobre o assunto em obras especializadas revelará que não há um consenso total quanto ao que vem a ser a Pós-modernidade. A meu ver, tal dificuldade é na verdade um reflexo da dificuldade própria de entender a Pós-modernidade. Trata-se de um tempo complexo. Mesmo que o homem comum, do comércio, da indústria, enfim, de baixa escolaridade, não tenha condições de articular intelectualmente uma compreensão ou mesmo uma discussão a respeito do assunto, o fato é que ele vive na Pós-modernidade, absorve sua cultura e até fala de maneira pós-moderna. Noutras palavras, ele é pós-moderno mesmo sem se dar conta disso.

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A Pós-modernidade é uma época sim e até mesmo a utilização inicial do termo “Pós-modernidade” com seus correlatos aponta justamente para a ideia de uma época. Mas não se trata de mera nomenclatura em História. Como ocorre com outros termos, como com “Modernidade”, também “Pós-modernidade” evoca uma ideologia, uma forma específica de pensar e de comportamento humano. Nesse sentido, a Pós-modernidade deve ser avaliada em termos positivos e negativos, e no que tange aos aspectos que aqui considero negativos, é certo que eles representam um grande desafio para a liderança cristã. No tópico seguinte, abordo alguns aspectos de uma liderança marcante, mas realçando alguns desses aspectos negativos da Pós-modernidade, atrelando-os à discussão presente neste esboço.

CARACTERÍSTICAS DE UMA LIDERANÇA MARCANTE

Quais são, afinal de contas, as características de uma liderança realmente marcante? Neste tópico procuro indicar algumas dessas características contrastando com algumas marcas da Pós-modernidade. A resposta que a Igreja pode dar ao nosso tempo quanto aos seus aspectos negativos, contrários a verdade do evangelho, passam via de regra pela liderança cristã e por isto mesmo precisamos atentar bem para essa correlação.

A liderança deve incluir o liderado no projeto

A Pós-modernidade já foi indicada como a “era do espetáculo”. Convivemos com uma espécie de idolatria do ego, do próprio “eu” e com o esvaziamento da alteridade. Tal tendência atingiu também a liderança cristã. Convivemos com líderes personalistas, que chegaram à posição de liderança mas se furtam no sentido de trazer outros para a posição onde se encontram. Esse é o tipo de “líder esterilizante”, que não “gera” outros líderes por causa do seu perfil. O líder deve incluir o liderado no projeto, torna-lo partícipe, delegar funções e responsabilidades e respeitar a autonomia conferida.

Prezando pelo faltor “relações humanas”

A Pós-modernidade é também a era das aparências, da estética mais que a ética (Zygmunt Bauman), onde o parecer ser alimenta as ilusões de toda uma geração. O chamado do Evangelho, contudo, é para o confrontamento do próprio eu, para o amadurecimento e para o crescimento constante em Cristo. Nessa terrível tendência pós-moderna de valorização excessiva do ego, as relações estão se diluindo. O ser humano passa a processar sua vida e suas relações em termos de consumo e troca. A vida humana vai sendo banalizada na medida em que as pessoas não mais vivem, mas jogam.

O líder cristão corre um sério risco se não atentar para essas tendências ruins, pois pode começar a tratar as pessoas sob sua liderança como “peças de um jogo de xadrex” onde fulano fica e fulano é removido em função de interesses pessoais mesquinhos. Nessa hora, é preciso entender que dar a outra face e caminhar a segunda milha são parte constituinte da missão do líder cristão, na construção de relacionamentos saudáveis, duradouros e profundos.

Nem todo discordante é um inimigo

Evidente é que há formas diferentes de divergir e por isto mesmo o líder cristão não precisa concluir que, inevitavelmente, toda pessoa que discorda de algum aspecto da sua liderança, é seu rival ou alguém que lhe deseja mal. Há liderados que se mostram amáveis ao apresentar uma discordância e mesmo quando a divergência se manifesta de modo mais tenso, ainda sim o líder cristão pode usar isto em benefício do processo de liderança e para o seu próprio crescimento.

A crítica nos leva a rever conceitos, a revisitar valores e a reavaliar o nosso próprio trabalho. Na iminência de publicar esta enciclopédia, minha maior preocupação não é tanto em relação à acolhida da obra pelo mercado editorial, mas sim quanto às críticas que possivelmente virão. Obviamente que é a aceitação da obra que me motiva a seguir em frente, mas as críticas me possibilitam enxergar pontos que eu mesmo não vi até então. Infelizmente, tornou-se comum em nosso contexto eclesial isolar aquele que diverge, quando na verdade a liderança cristã deve ser pensada, refletida e construída em parceria com outros.

Prezando pela atualização da liderança

Um dos grandes problemas da liderança eclesiástica é a falta de atualização. É inegável que existe uma recusa “declarada” a atualizar modelos de liderança notadamente obsoletos entre nós. Há pessoas que se acomodam com mais do mesmo e querem que permaneça sempre assim. Mas o fato é que os tempos mudaram e requerem revisão de nossas estruturas institucionais, de nossas homilias, de nossas estratégias e de nossa forma de comunicar o evangelho.

Estas e outras perspectivas para a liderança cristã apresentadas neste esboço sem dúvida contribuem para a construção de uma liderança mais eficaz. Na Pós-modernidade, onde tudo é rápido e acelerado, resgatar o valor do essencial e da importância de se saber quais objetivos alcançar, é um passo fundamental para o líder cristão. No afã de encher templos, perdemos de vista o valor do indivíduo. No afã de atrair mais e mais visitantes, promovemos campanhas e mega eventos e esquecemos do discipulado cristão.

No êxtase de nos tornarmos grandes, esquecemos que foi a manjedoura que serviu de berço ao Redentor da humanidade. Não nos enganemos sobre o atual estado do movimento evangélico brasileiro: uma de suas maiores crises passa justamente pela liderança… E o resgate do movimento também.

[1] ANDERSON, Perry. As origens da Pós-modernidade. Trad.: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 09.
[2] ANDERSON, 1999, p. 10.
[3] Expressão que possivelmente aponte mais para o aspecto ideológico.

Roney Cozzer serve como presbítero na Assembleia de Deus, autor e palestrante. É mestre em Teologia e atua como docente e coordenador pedagógico na Faculdade Brasileira (FABRA).

 

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