Líderes religiosos destacam que as igrejas devem estimular vítimas a denunciarem formalmente os abusadores
Por Patricia Scott
No Brasil, a violência contra a mulher é um problema crônico. Entre janeiro e junho de 2024, o Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB) registra a ocorrência de 905 casos consumados no país e outras 1.102 tentativas. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que, em 2023, 1,4 mil mulheres foram assassinadas.
É importante ressaltar que a lei 13.104, de 9 de março de 2015, incluiu o feminicídio como qualificador do crime de homicídio e no rol dos crimes hediondos, ou seja, é inafiançável e não dá direito à liberdade provisória. No entanto, somente a lei não tem sido suficiente para coibir a onda de violência contra a mulher no país.
O caso que aconteceu, recentemente, na cidade de Aracruz (ES) serve de exemplo para a atual realidade. Aline Ribeiro da Rosa, de 35 anos, foi morta a tiros pelo ex na frente de um bar, no último domingo (21). Um mês antes de ser assassinada, ela solicitou à Justiça a revogação de uma medida protetiva feita contra Felipe Silva de Almeida, de 28 anos.
Minutos antes do crime, Aline chegou a ligar para a polícia para relatar que estava sendo ameaçada pelo ex-marido. Logo após a ligação, os policiais foram até o local relatado pela vítima, no Bairro de Fátima. Quando os PMs chegaram, ela já tinha sido baleada e estava caída no chão.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado. Aline foi socorrida, mas não resistiu e morreu. Felipe se entregou à polícia na noite dessa terça-feira (23).

Imediata denúncia
O pastor Douglas Baptista expõe, conforme ensinamento bíblico, que nenhuma mulher deve submeter-se a um relacionamento tóxico, seja com abuso verbal, físico, emocional, psicológico e até em tom de “brincadeira”. Por isso, “a esposa deve estar atenta à agressividade de seu marido e se ele fica mais agressivo quando é contrariado”.
Caso isso ocorra, o primeiro passo consiste em “imediatamente buscar ajuda e denunciar quaisquer indícios de violência para seus líderes e para as autoridades civis”.
Douglas afirma que, se o abusador for membro ou líder da igreja, o caso deve ser tratado com firmeza, a fim de cessar o comportamento abusivo. “Igualmente deve-se notar que, às vezes, as mulheres não enxergam ou negam a situação de abuso, ou ainda procuram justificar as ações violentas de seus maridos”, enfatiza o pastor da Assembleia de Deus de Missão, no Distrito Federal, e presidente do Conselho de Educação e Cultura da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB). Por isso, o líder religioso considera imprescindível “oferecer um sistema de apoio, deixando as mulheres confortáveis para se aproximarem e receberem ajuda”.
O pastor prega que, no ato criativo, a imagem divina foi distribuída sem distinção entre homens e mulheres (Gênesis 1.27). Sendo assim, a Bíblia ensina a igualdade de importância de ambos (1 Coríntios 11.11,12). “O modelo de casamento cristão requer que o marido lidere o seu lar do mesmo modo como Cristo lidera a igreja, isso é, com vital interesse no bem-estar da sua esposa (Efésios 5.28-29)”, frisa, acrescentando que o marido deve amar a esposa, assim como Cristo ama a igreja. “Isso implica a prática de algum tipo de sacrifício (Efésios 5.25). A esposa deve ser tratada com amor e não com violência, ameaças ou autoritarismo”.

Apoio à mulher
Ao seguir a mesma linha de raciocínio, o pastor Marcelo Marinho diz que a Bíblia descreve o casal como uma só carne [Gênesis 1 e 2] e destaca a submissão mútua [Efésios 5:21-33 e 1 Coríntios 7.4]. “Os dois pertencem um ao outro e são chamados a amar um ao outro”.
Caso contrário, Marcelo considera importante que pastores, líderes e membros do Corpo de Cristo repudiem a violência doméstica, que tende, geralmente, a crescer. “Primeiro, são os xingamentos, considerados crime de injúria. Depois, as ameaças e, em seguida, as agressões físicas. Se esse ciclo de violência não for interrompido, o resultado final pode ser a morte da vítima, o homicídio”, comenta o pastor da Igreja Metodista Wesleyana, em Porto Velho (RO).
Marcelo assegura que a atitude da igreja deve ser de apoio à mulher vítima de violência doméstica, inclusive incentivando-a a denunciar, formalmente, na Delegacia de Polícia. “Qualquer tipo de violência sofrida deve ser registrada para que o autor seja chamado e responsabilizado”.
Medida protetiva
De acordo com a advogada Andressa Gnann, a Lei Maria da Penha tem auxiliado muito as mulheres vítimas de violência doméstica. “Hoje, uma mulher que está em um relacionamento abusivo pode pedir medida protetiva, e não precisa ser violência física necessariamente, pode ser, por exemplo, psicológica”.

A especialista diz que é fundamental mulher entender que o relacionamento precisa ser algo positivo, saudável. Caso contrário, existe alguma coisa errada. “Não acredite em quem fala que é normal sofrer violência, que o abusador vai melhorar e vai passar”.
Andressa indica que o passo inicial para uma mulher buscar ajuda e sair do ciclo de abusos é tomar consciência de que a violência está acontecendo. “O mais importante é entender que a violência nem sempre é física. Ela pode ser patrimonial, moral, sexual ou psicológica”. No entanto, a violência psicológica é invisível. “Quando o marido agride fisicamente, todo mundo sabe, porque fica visível. Já quando a violência é psicológica, ela é muito sutil e vai acontecendo bem devagar”.
A especialista pondera que uma mulher que sofre violência psicológica costuma perder a autoestima e, geralmente, é dependente do abusador, seja emocionalmente ou financeiramente. “Com isso, essa mulher não tem forças para sair do relacionamento. Mas é preciso buscar ajuda e entender que ela não está sozinha e que um relacionamento é para ser bom, sofrer esse tipo de violência não é normal”, expõe Andressa.
Ela alerta que, se as práticas violentas não forem cessadas, a chance de repetição do mesmo padrão em ciclos familiares é grande. “O marido que pratica violência contra a esposa, por exemplo, mostra para a filha que aquilo é normal, por isso esse padrão precisa ser rompido”, adverte Andressa, complementando que as mulheres devem ser apoiadoras umas das outras para se protegerem e também protegerem os filhos. “Essa união é importante para que elas não se sintam sozinhas”.