Decisão da Justiça Federal no Rio Grande do Sul suspendeu resolução do CFM que proíbe o procedimento. Ainda cabe recurso
Por Patricia Scott
Uma liminar expedida pela Justiça Federal no Rio Grande do Sul suspendeu, na última quinta-feira (18), a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe a assistolia fetal para interrupção de gravidez. A norma veta o médico de realizar o procedimento quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas, nos casos de interrupção da gestação previstos em lei.
Com a suspensão da regulamentação, os médicos não poderão mais ser punidos disciplinarmente. O relator da resolução no CFM, Raphael Câmara, pediu apoio à regulação para “salvar bebês de 22 semanas”. Ele divulgou que vai recorrer da decisão e que a competência para julgar é do Supremo Tribunal Federal (STF).
O tema é complexo e polêmico. Comunhão ouviu pastores e advogados para abordar diferentes aspectos da questão. “Suspender uma norma que visa preservar a vida de um ser humano que já consegue se desenvolver, mesmo fora do útero materno, nessa idade gestacional, constitui um grande retrocesso na proteção do direito à vida no Brasil”, analisa o advogado Rafael Durand, professor de Direito da Universidade Estadual da Paraíba.
Segundo o especialista, a norma editada pelo CFM não buscou inovar nas restrições ao aborto, mas somente regulamentar a atividade profissional médica quanto ao procedimento do aborto não punível. O objetivo é “a proteção da saúde da mãe e a vida do bebê, visto que a assistolia fetal é uma prática extremamente invasiva também para a mulher que é submetida a ela”, ressaltou.
Rafael pondera, ainda, que a Justiça não possui competência técnica para suspender as normas legitimamente aprovadas por um órgão eminentemente técnico, como o CFM, que tem a responsabilidade, outorgada por lei, de regulamentar o exercício da medicina no Brasil e que tem a atuação pautada pela ciência e pela ética médica. “Apesar de a maioria absoluta da população brasileira ser contrária ao aborto, há uma tentativa cada vez mais intensa de flexibilizar a prática no país, buscando a descriminalização dela no ordenamento jurídico pátrio”.
Legislação brasileira
A advogada Chrisciana Oliveira Mello ressalta que, no país, há legislação que autoriza o aborto em situações específicas. Então, o que está em questão não é a legalidade do aborto, mas a forma de praticá-lo. “A justiça entendeu que o CFM não tem competência para complementar a lei. Então, considerou inconstitucional a resolução”, explica, acrescentando que cabe recurso. “Mas, por enquanto, a determinação da Justiça Federal abrange todo o território nacional”.
A especialista observa, entretanto, que a assistolia fetal é, de fato, “abominável”. Ela enfatiza que a resolução do CFM se baseia no fato de que a droga aplicada no procedimento, após a 22ª semana da gestação, gera sofrimento ao feto, o que é comparável a tortura”. O ideal, de acordo com Chrisciana, é que o legislativo coloque um ponto final nessa questão.
Nesse sentido, a advogada diz que tramita na Câmara dos Deputados o PL 1096/24, de autoria da deputada Clarissa Tércio (PP/PE). A parlamentar acrescenta o artigo 128-A ao Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal Brasileiro, para dispor sobre a proibição do uso do procedimento de assistolia fetal. O projeto está na Comissão de Saúde desde 16 de abril de 2024. Antes de ir para votação, precisa passar também pela Comissão de Constituição e Justiça.
A vida e a Bíblia
A Bíblia deixa claro que a vida começa a partir da fecundação do espermatozoide, salienta o pastor Valker Neves, da Igreja Congregacional da Zona Sul, no bairro Liberdade, em Campina Grande (PB). Para justificar, ele cita Salmos 139.16: Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia.
O líder religioso pontua também que a vida pertence a Deus. Então, somente Ele e aqueles que são delegados pelo Senhor têm autoridade para tirá-la. Essa visão do pastor tem como base Romanos 13.3,4: Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá. Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas, se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal.
“É o mesmo princípio do Antigo Testamento, que diz que aquele que derrama o sangue, seu sangue será derramado. Então, Deus delega ao Estado esse poder”, avalia.
A pastora Rozimar Santos, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Vargem Pequena, Jacarepaguá, zona Oeste do Rio de Janeiro, frisa as palavras do profeta Jeremias (1.5): Antes de formá-lo no ventre eu o escolhi; antes de você nascer, eu o separei e o designei profeta às nações. “Não há dúvidas de que, antes da formação do indivíduo, o Senhor já o observa como ser vivo. Assim, Ele já tem planos e propósitos para cada um”.
Rozimar prega, ainda, que, no Antigo Testamento, aquele que causasse um dano a um feto sofreria das mesmas consequências (Êxodo 21.22-25). “Isso mostra que Deus considera uma vida na barriga da mãe tão importante quanto a vida que já nasceu”, salienta e acrescenta: “A Bíblia não menciona a palavra aborto, mas é taxativa quanto ao respeito e à valorização da vida”, comenta.