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sábado, 20 abril 2024

Onde erramos?

“Massacre de Realengo”. Assim foi chamado o ato de violência que ceifou a vida de 12 crianças em uma escola no Rio de Janeiro. Com a morte do autor do crime, torna-se difícil compreender a motivação de tamanha crueldade. No entanto, especialistas destacam que a família e a igreja são peças fundamentais para a formação da personalidade e do caráter do ser humano. Sendo assim, fica a pergunta: o que estamos fazendo de errado?

“Armados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: ‘Minha é a vingança; eu retribuirei’, diz o Senhor” (Rm 12.19).

Quinta-feira, 7 de abril de 2011, 8 horas da manhã, Escola Municipal Tasso da Silveira, bairro Realengo, Rio de Janeiro. O jovem Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, entra armado na escola em que um dia estudou e faz dezenas de disparos em direção aos alunos, preferencialmente meninas. Alguns estudantes conseguem fugir do prédio e buscar ajuda. Após ser interceptado por um policial, Wellington tira a própria vida. Dez meninas e dois meninos foram vítimas fatais.

Uma das primeiras pessoas a entrar na escola, ainda com o atirador vivo, foi o cabo da Polícia Militar, Walace Luiz Marques. Além de policial, Walace é líder do Ministério de Adolescentes da Igreja Batista em Campos dos Afonsos, próxima ao bairro Realengo. “Eu entrei na escola ouvindo os tiros, muitas crianças estavam correndo, desesperadas, pedindo socorro”, relembra. Walace conta que reconheceu na escola muitos adolescentes de sua igreja, felizmente, todos a salvo.

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Entretanto, o cenário encontrado por ele era assustador. Com a morte do atirador, os policiais puderam percorreram sala por sala para retirar os demais alunos. “Vimos as crianças mortas, estavam caídas, algumas ainda de joelho. Tinha muito sangue nas paredes, nas salas, em todo lugar. Foi uma cena muito triste”, conta o policial.

A dor de quem viveu o ataque
Presenciar um episódio como este de Realengo marca a vida de qualquer pessoa. O adolescente Douglas Lima Farias, de 14 anos, estava em uma das salas em que o atirador entrou. Um a um, viu seus colegas serem baleados. O menino teve uma arma apontada para sua cabeça e suplicou por sua vida. Ele foi poupado, mas perdeu nove amigos de sua turma. “Eu fiquei com muito medo, não consegui ter nenhuma reação”, relembra.

Sua avó, Gleides da Costa Lima, conta que, nos primeiros dias, o neto ficou em estado de choque, com muito medo, e mal conseguia dormir. Tão logo ficou sabendo do ataque, Gleides foi em busca de seu neto. “Não consegui acreditar no que estava acontecendo. Assim que chegamos em casa pedi para que ele tomasse um banho, para tirar todo aquele vestígio de sangue, que era de seus colegas”, conta.

Para Douglas, retornar à rotina é bastante difícil. Ele tem participado de atividades lúdicas e palestras realizadas na própria escola e tem se consultado com um psicólogo oferecido pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Além disso, o adolescente, que frequenta há dois anos o grupo de adolescentes da Igreja Batista Betânia, em Realengo, tem buscado apoio na Palavra de Deus.

“Todas as vezes que oro, peço ao Senhor que ilumine o coração das pessoas, para que isso que aconteceu na minha escola não aconteça com mais ninguém. E também oro para que Deus conforte as famílias dos meus amigos”, diz.

O apoio às famílias
Em um momento crítico como esse toda ajuda se faz necessária, seja física, psicológica ou espiritual. Alunos, professores, policiais e socorristas encontraram na Igreja Presbiteriana de Piraquara o apoio de que precisavam. A igreja fica localizada em frente à Escola Tasso da Silveira. “No dia do ataque e alguns dias depois, servimos como base para a Guarda Municipal, os Policiais Militares, a imprensa e também as famílias”, explica o líder do Ministério de Adolescentes e Jovens da igreja, Clayton Alves.

Segundo ele, passado um mês do fato ocorrido, as coisas ainda estão começando a voltar ao normal, mas ainda há preocupação com as crianças que não conseguiram voltar a estudar. “Estamos fazendo o papel que nos cabe como igreja e como cidadãos. As crianças estão sendo acompanhadas por psicólogos e também por líderes. Muitas vezes, não há o que falar para elas, conseguimos apenas ministrar o amor de Deus”, comenta Clayton.

A Igreja Batista Betânia, no bairro Realengo, também está envolvida no apoio às famílias. O seminarista Giovanny de Lima, líder do Ministério de Adolescentes, conta que o ministério reúne cerca de 300 adolescentes da região, e muitos deles são alunos da escola onde aconteceu o ataque.

“No dia em que aconteceu o crime, uma quinta-feira, eu fiz uma convocação geral, mandando e-mails, mensagens e utilizando as redes sociais. Reuni os adolescentes na igreja, e pude perceber o quanto eles ficaram abatidos. Chamei a todos para um momento de oração. Eles precisavam muito daquele momento”, compartilha Giovanny.

O seminarista conta que toda a comunidade ficou abalada com a tragédia. “Era possível ver o sangue daquelas crianças nas ruas no entorno da escola. A expressão das pessoas no bairro era de muita tristeza, andávamos pelas ruas e podíamos ver as pessoas chorando”, diz.

Para tratar com mais cuidado desses adolescentes, o retiro que estava marcado para o feriado de Páscoa foi aproveitado para um momento de reflexão e ministração, que reuniu 240 adolescentes. “Aproveitamos o momento para lançar a semente. Porque não fazer a diferença a partir dessa tragédia? Porque não levantar uma geração inteira para fazer a diferença? Queremos mostrar que Realengo não é apenas o bairro onde aconteceu esse crime, mas um bairro com uma geração que se entrega ao Senhor”, afirma Giovanny.

Buscando uma explicação
Embora a sociedade nunca consiga entender o que se passou na cabeça daquele jovem, é importante analisar o ambiente em que Wellington vivia e o que, possivelmente, desencadeou tal fatalidade. Um ambiente de amor e compreensão teria gerado naquele jovem o mesmo sentimento de vingança? “Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem” (Rm 12.21).

Wellington fora abandonado por sua mãe biológica ainda bebê, sendo adotado com alguns dias de vida por um casal que conhecia a mulher. Era um adolescente com poucos amigos, sofria bullying na escola e passava horas sozinho em seu quarto. A solidão e o isolamento de Wellington se agravaram com a morte de sua mãe adotiva.

Segundo a psicanalista e psicopedagoga Ângela Mathylde Soares, da Igreja Evangélica Batista, em Belo Horizonte, Minas Gerais, o jovem sofria de vários desajustes sociais, com traços de esquizofrenia e depressão. “Podemos ver uma série de fatores na vida dele que contribuíram para essa atitude extremista, a começar pela família”, explica Ângela.

A psicanalista alerta que a família é a primeira formadora da personalidade do indivíduo. “Se há desestruturação nela, consequências como violência podem ser desencadeadas”, pontua. Segundo Ângela, um ambiente sem estrutura de amor, valores e diálogo potencializa a patologia de um indivíduo. “A afetividade é primordial para a educação dos filhos”, afirma Ângela Mathylde.

O ambiente familiar deve proporcionar às crianças segurança, conforto e educação, em todos os sentidos. No entanto, as famílias estão se preocupando cada vez menos com a formação de seus filhos, negligenciando os ensinamentos de Deus.

O pastor José Ernesto Conti, da Igreja Congregação Presbiteriana Água Viva, em Vitória, acredita que desde a metade do século passado os pais têm “deixado de lado” a educação firmada em valores bíblicos. Segundo ele, no início do processo educacional era prerrogativa das instituições religiosas definir a educação das crianças e jovens, uma vez que ela girava em torno da religião. “Nos dias atuais, o mundo escolhe em que direção a educação deve andar. Não precisa ser sábio para descobrir quais consequências essa situação vai trazer”, explica o pastor Conti.

Destacando as mudanças no mundo moderno, o pastor Conti revela ainda que o conceito de família (homem, mulher e filhos) já não é mais o mesmo, o que impede de avaliar se elas estão errando na maneira de conduzir a educação de seus descendentes. “Para que as famílias modernas não se sintam culpadas, esses referenciais mudam com muita frequência. Logo, qualquer que seja a avaliação, elas estarão sempre erradas quando seguirem o referencial relativo, e não o absoluto de Deus”, afirma o pastor.

Lidando diariamente com adolescentes e jovens em situações de risco, o pastor Celso Godoy, da Igreja Batista Missão do Romão e agente da Vara da Infância e Juventude de Vila Velha, acompanha de perto as consequências de uma educação distante. “Em minha experiência ministerial e profissional, tenho observado que um percentual bastante elevado de jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e conflito com a lei é oriundo de lares desestruturados”, revela o pastor Godoy.

Buscando parecer “modernos”, liberais ou com a desculpa de que precisam ser amigos dos filhos, muitos pais se esquecem de ser, verdadeiramente, pais. “Muitos pais acreditam que este é o caminho a seguir e desprezam de fato os valores ‘antigos’, que são os valores cristãos, familiares, honestos e íntegros. Hoje a própria sociedade luta por questões que nos deixam em cheque quanto aos valores que deveriam ser, não somente mantidos, mas também consolidados”, destaca o pastor Godoy.

A participação da igreja
A educação dos filhos é de responsabilidade dos pais. Entretanto, para a vida cristã, a igreja, enquanto Corpo de Cristo, também deve ser referência de zelo e incentivo aos ensinamentos de Deus. O teólogo e ministro da Igreja Presbiteriana no Brasil, no estado de São Paulo, reverendo Fernando de Almeida, destaca que, antes de analisar o ministério das igrejas em relação a jovens e adolescentes, se faz necessário debater a igreja nos dias atuais.

“A igreja evangélica está em crise existencial. Uma grande parte das denominações preferiu comprometer a pura mensagem do Evangelho pensando que este seria o preço a ser pago para se ter uma mensagem que atingisse o jovem”, analisa.

Ele explica ainda que assuntos como sexo antes do casamento, homossexualidade, planejamento familiar, mordomia, criação de filhos, entre outros, estão sendo abordados a partir de uma perspectiva sociológica, em detrimento da perspectiva bíblica. “Há, de fato, uma negligência em relação aos jovens e adolescentes e isso primeiramente se dá na falta de estrutura das famílias cristãs”, esclarece o reverendo.

Para ele, embora a responsabilidade maior seja da família, as igrejas precisam entender o papel que exercem na formação do indivíduo. “A igreja precisa se preocupar mais com os jovens. Ela deve especializar uma liderança nesse sentido e proporcionar que, sob sua alçada, haja um ambiente propício para a juventude”, conclui.

Resgatando valores
As famílias de hoje perderam hábitos simples, mas muito importantes para o fortalecimento de seus laços. Sentar juntos à mesa para as refeições, se reunir para estudar a Bíblia, meditar na Palavra, promover cultos no lar e ter momentos de diálogo são ações que quase não existem mais nas “famílias modernas”.

O que se percebe atualmente são crianças e adolescentes que preferem se manter isolados, trancados em seus quartos com televisão e internet à vontade. Sem a orientação de seus pais, essas crianças são expostas a todo tipo de informação, sejam boas ou ruins. A psicanalista Ângela Mathylde alerta que esse comportamento não é saudável para os filhos. “É importante que as famílias tenham ritos juntos; elas são as propulsoras do equilíbrio do indivíduo”, destaca Ângela.

Além disso, muitas igrejas estão negligenciando o cuidado com crianças, adolescentes e jovens. Como alerta o reverendo Fernando de Almeida. “A educação dos filhos deve ser vista pelo cristão como a tarefa mais importante de sua vida, pois afinal, nossos filhos constituem nossa única herança. E o papel dos pastores e líderes é investir em um trabalho específico para jovens e adolescentes”, avalia o reverendo.

Cada vez mais se faz necessário resgatar os antigos valores morais, éticos, e principalmente cristãos. Exercitar os ensinamentos bíblicos em todas as esferas da vida, inclusive na criação de filhos, é uma prerrogativa que não deve ser esquecida ou subestimada. Muitos jovens estão se perdendo pelo caminho por falta de atenção, diálogo e carinho de seus pais. Tanto as famílias, quanto as igrejas, devem parar de fechar os olhos para as necessidades e angústias destes jovens, para que não surjam outros “Wellingtons”.

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