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sábado, 20 abril 2024

O tesouro escondido de João Calvino

A esposa de João Calvino foi tão bem guardada que muitos nem sabem de sua existência

Por Lidice Meyer Pinto Ribeiro

Diz a Bíblia que quem acha uma esposa acha um tesouro (Pv 18.22), com valor acima de finas jóias (Pv 31.10). Tesouros são guardados à sete chaves. A esposa de João Calvino foi tão bem guardada que muitos nem sabem de sua existência. Calvino entrou para a história como o reformador mais taciturno, introvertido e de poucos amigos. Mas foram estes amigos que o incentivaram a se casar após os 30 anos.

O estopim foi o pedido de demissão de sua governanta, cansada do mau humor de Calvino e de seu irmão Antoine. Foram muitos os encontros arranjados entre Calvino e moças de boa educação e posição social, mas este não se agradou de nenhuma. Foi então que Martin Brucer lembrou-se de uma recém-viúva com um casal de filhos pequenos: “E a amável Idelette?” O esposo de Idelette, Jean Storder havia falecido da peste. Ambos eram anabatistas recém-convertidos ao calvinismo.

Idelette se enquadrava perfeitamente no padrão estabelecido por Calvino e compartilhado a Farel: “virtuosa, obediente ao invés de arrogante, econômica, paciente e que eu possa contar que ela cuide de minha saúde.” E ainda mais, era bonita! Calvino passou a cortejá-la e dentro de um ano propôs-lhe casamento. Na cerimônia estiveram presentes diversos líderes do governo de Estocolmo, onde residiram por um ano antes de mudarem-se para Genebra. Levaram consigo Judith, filha de Idelette e deixaram o menino sob o cuidado de parentes.

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Idelette se tornou a companheira ideal para Calvino: cuidava dos afazeres domésticos possibilitando que Calvino se dedicasse aos estudos e reuniões, encorajava-o nos momentos de tristeza e desânimo, orava junto com Calvino e o acompanhava nas caminhadas à Cologny e Bellerive. Apesar do baixíssimo salário de Calvino (equivalente a mil reais anuais, 12 medidas de milho e 12 barris de vinho) Idelette nunca se negou a receber refugiados e os amigos Farel, Beza e Viret em sua casa.

Quando Calvino estava doente era ela quem assumia a visitação aos enfermos orando com e por eles. Por tudo isso Calvino a chamou de “ajudante fiel em seu ministério e a melhor amiga em sua vida”. Certa vez, estando ausente de casa em um debate teológico em Regensburg afirmou: “Dia e noite a minha esposa está em meus pensamentos.” Os filhos que Idelette e Calvino tiveram não sobreviveram por muito tempo. Apesar das más línguas que atribuíam a morte das crianças à um castigo divino por terem se afastado do catolicismo, o casal se consolava dizendo que embora não tivessem filhos naturais tinham milhares de filhos espirituais.

Após 9 anos de um casamento de muita cumplicidade Idelette adoeceu gravemente. Sua preocupação maior eram os filhos os quais confiou a Calvino: “Eu já os entreguei nas mãos do Senhor, mas eu bem sei que você não abandonará aqueles a quem eu tenho confiado ao Senhor.” Seu último pedido foi que Calvino orasse com ela, após o que descansou em 5 de abril de 1549.

Calvino sofreu imensamente com sua perda e confidenciou aos amigos Farel e a Viret: “Eu perdi aquela que nunca me teria abandonado, fosse em exílio ou na miséria, ou na morte. Ela foi uma preciosa ajuda para mim. A melhor das companheiras foi tirada de mim.” Anos após a morte de Idelette Calvino ainda sentia sua falta: “Eu sei por experiência própria, quão dolorosas e devastadoras são as feridas causadas pela morte de uma excelente esposa. Quão difícil tem sido para mim governar os meus sofrimentos” (carta a Valenville). Calvino cumpriu sua última promessa a Idelette e cuidou de Judith até seu casamento, esteve ao seu lado durante seu processo de divórcio e apoiou seu segundo matrimônio. Idelette de Boer e João Calvino: uma relação de amor e cumplicidade guardada dos olhares do mundo e revelada apenas aos amigos mais chegados.

Lídice-Meyer
Foto: Arquivo pessoal

Lidice Meyer Pinto Ribeiro é Dra. em Antropologia e Professora no Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona de Portugal.

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