Desde a criação, as mulheres têm sido fundamentais para a propagação dos ensinamentos do Senhor e para o fortalecimento da Igreja
Por Patrícia Scott
O público feminino representava 58% dos frequentadores de igrejas evangélicas no Brasil em março de 2023, segundo pesquisa Datafolha da época. Na verdade, o levantamento só confirma o que é perceptível nos milhares de templos protestantes espalhados pelo país afora. E grande parte desse contingente desempenha papéis de liderança dentro do ambiente eclesiástico. As mulheres estão no louvor, na ação social, no evangelismo, nas missões, na intercessão, no pastoreio, na união feminina, no ensino.
Isso significa que elas estão presentes nos alicerces e pilares das comunidades de fé. No entanto, esse destaque feminino não é uma novidade exclusiva do século XXI. Desde o início a Bíblia relata inúmeros exemplos de mulheres que fizeram a diferença, na época em que viveram, para a propagação do Reino de Deus. O Velho Testamento destaca Débora, Rute, Ester, Raabe, Lia, Ana, Abigail. Já o Novo Testamento evidencia a história de Maria, Marta, Maria Madalena, Priscila, Joana, Suzana.
Os Evangelhos citam várias vezes as mulheres que seguiam Jesus “desde a Galileia”, onde Ele começara o Seu ministério. O protagonismo feminino nas epístolas é enfatizado também nas posições de liderança que assumiam. Em Atos dos Apóstolos e em Romanos, elas são profetizas (At 21,9), líderes comunitárias (At 16,14-15; 18,18-28), diaconisas (Rm 16,1). Já em Apocalipse, a mulher é símbolo da vitória sobre todo mal (Ap 12,1-17).
“Sem as mulheres, o alcance do Evangelho teria sido, provavelmente, bem menor. Jesus estava ciente da importância delas em Seu ministério, pois usou-as como personagem principal do ensino em cinco parábolas”, ressalta Lidice Meyer, pós-doutora em Antropologia e História, além de professora no Mestrado em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, em Portugal. Ela explica que como os 12 discípulos estavam mais focados no anúncio da Palavra, as discípulas de Cristo foram as principais responsáveis pelas ofertas que formavam o sustento administrado por Judas.
“As mulheres estiveram junto a Ele do início ao fim na Galileia, inclusive no derradeiro momento, no Calvário, e ainda O acompanharam quando Seu corpo foi colocado no túmulo”, salienta a professora, e acrescenta: “Nada mais justo que as mulheres fossem as primeiras testemunhas de Sua ressurreição”.
Já dentro do contexto do Velho Testamento, Lidice pontua que as mulheres aparecem em diversas posições de liderança, com autoridade em edificações (1 Crônicas 7.24; Neemias 3.12), e em suas casas (1 Samuel 25, 2 Reis 4.8-37/ 8.1-6). Ela também enfatiza as matriarcas Sara, Rebeca, Raquel e Lia, além de mencionar as rainhas, as profetisas e aquelas que por terem sabedoria aconselhavam reis e generais (2 Samuel 14.2-20; 20.16-22). “Ao analisar o Velho Testamento como um todo, é possível perceber que em todos os momentos de ameaça ao povo de Israel e à linhagem do Messias, Deus usou uma mulher para restaurar a ordem”. Como exemplo, Lidice cita Eva [na criação], esposa e noras Sifrá e Puá [na preservação do povo no Egito], Miriã [na peregrinação no deserto], Raabe [na conquista da Terra Prometida], as filhas de Salum [no retorno do exílio].
A partir do panorama bíblico, fica claro que as mulheres foram elementos fundamentais para a ação de Deus na preparação do caminho para a vinda do Messias. Por isso, Lidice afirma que, no Antigo Testamento, há mulheres fortes, respeitadas pelos homens, conscientes de suas funções diferentes, mas igualmente importantes na sociedade do Antigo Israel. “A participação feminina naquela sociedade pressupõe um sistema social no qual as mulheres eram capazes de manter posições profissionais e de liderança, às quais se somavam os papéis de mãe e de educadora”.
A antropóloga observa que muitas igrejas estão abertas para a atuação feminina na liderança em todos os níveis. Outras, segundo ela, fazem restrições. “As igrejas que têm mais abertura para a atuação do Espírito Santo são também as que mais dão espaço às mulheres em funções de liderança”, opina Lidice, que afirma não ver no contexto bíblico nada que separe a liderança da igreja por gêneros. “As igrejas do Cristianismo nascente, formadas por Paulo e Pedro, eram dirigidas por mulheres”, ela diz. Em sua opinião, a hierarquização da liderança da igreja aconteceu posteriormente, quando foram criados cargos eclesiásticos para os quais se estipulou a necessidade de ser um homem a geri-los, à semelhança do sacerdócio judaico. “Isto aconteceu em um período posterior da igreja, quando esta sofreu um forte movimento judaizante”.
Sensibilidade feminina
A sensibilidade da mulher às necessidades do próximo é evidenciada pela professora Jacira da Silva Lima como grande diferencial no desempenho da liderança. “Por isso, o relacionamento flui mais leve e duradouro, causando um impacto maior na vida das pessoas lideradas por mulheres engajadas no Reino”, enfatiza a educadora, que é graduada em Teologia e leciona no Seminário Teológico Baptista de Huambo, em São Paulo. Jacira considera que, embora a História em geral silencie a respeito dos papéis específicos desempenhados pelas mulheres nos primeiros séculos da igreja, a atuação delas e o compromisso com a expansão do Evangelho são evidentes.
No entanto, ela considera que esses dois aspectos são pouco difundidos no ambiente eclesiástico, e também que pouco se estuda sobre elas. “Jesus efetivamente se cercou de mulheres, identificadas como seguidoras e servidoras. Febe, a diaconisa (Rm 16.1), Priscila, a professora (At 18,26); a seguidora Suzana (Lc 8.3)”, ela detalha, lembrando que Paulo, em Romanos 16, se refere a 10 mulheres, chamando algumas de “cooperadoras”, termo que utiliza para se referir também a alguns homens.
Desde o começo dos tempos, diz Jacira, as mulheres têm sofrido abusos, sido sobrecarregadas de trabalho, desvalorizadas em quase todas as sociedades, consideradas fracas, sem inteligência, sexualmente tentadoras, emocionalmente instáveis. No entanto, “Jesus honrou as mulheres, ensinando-as, curando-as, tratando-as com igualdade, escolhendo-as para proclamarem Sua mensagem”. A professora atesta ainda que a Bíblia respeita as mulheres e em nenhum lugar ensina que elas são culpadas ou inferiores. “A igreja precisa, urgentemente, praticar a regra áurea, verdadeiramente, sem distinção de sexo em relação às mulheres que se sentem chamadas para o serviço e para a liderança, exercendo seus dons e talentos”.
Fé e serviço
Ao compartilhar do mesmo entendimento, a pastora Rozimar dos Santos destaca o chamado feminino para a oração e a intercessão – como, por exemplo, Ester, Maria, Raquel, Ana. “A mulher é mais disposta a colocar o clamor ao Senhor em primeiro lugar. Ela não desiste, porque é perseverante e devido ao poder de resiliência”, prega a líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Vargem Pequena, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
“A mãe de Moisés, Joquebede, é uma referência de fé. Quantas mães, hoje, têm lançado os filhos nas mãos do Pai, independentemente das circunstâncias, porque apenas crê nos milagres”, ela acrescenta.
Já a diaconisa Noemi Nantes Borges assegura que “o olhar da mulher é diferenciado, acolhedor, humanizado”, revelando uma sensibilidade maior do que a dos homens. “Ela planeja as ações da igreja, envolvendo a família, crianças, idosos, pessoas com necessidades especiais, com foco no convívio harmônico dessa intergeracionalidade, além de agregar um número maior de mulheres ao serviço da obra de Deus.”, avalia a presidente da União Feminina Missionária Batista do Estado do Espírito Santo (UFMBEES).
Ela expõe também que a mulher é fonte de transformação ao ser mensageira das Boas Novas do Evangelho. Isto porque a cristã que cumpre a missão de amar e servir ao próximo modifica a história da família, da comunidade de fé e da sociedade. “Se ela, de fato, exalar o estilo de vida de Cristo Jesus, e não o da sociedade, conseguirá expressar o amor de Deus nas atitudes diárias de compaixão às viúvas, aos órfãos, aos idosos, aos portadores de necessidades especiais, às pessoas em situação de rua, além de se envolver nas questões sociais, principalmente minimizando a violência doméstica”, ressalta e finaliza: “Assim, a mulher transmitirá a mensagem de que o Senhor ama o ser humano em sua integralidade”.
Esta matéria faz parte da edição 317 da Revista Comunhão, publicada em junho de 2024