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sexta-feira, 29 março 2024

O novo e pavoroso Maracanã

A praia onde aconteceu o arrastão é um novo Maracanã. O Maracanã de verdade tem suas glórias e tristezas, é palco de paixões que se sobrepõem aos fatos e até permite, na prática, que a lei seja diferente, dependendo de quem fez isso ou aquilo. No Maracanã, a racionalidade não é prioritária, a emoção comanda, e acaba por acontecer que a camisa que o outro veste o torna “gente de bem” ou a corporificação do mal… Lá, na prática, o erro do juiz é inaceitável ou apenas um “erro humano” a depender de para que lado foi marcado. No Maracanã, por pior que essas coisas sejam, até passa. Quando acontece na rua, é pavoroso. Não podemos tratar os problemas da sociedade com paixão e irracionalidade futebolística.

Estamos vivendo um problema sério: a praia virou um novo Maracanã, palco de emoções e visões distorcidas, onde o filtro dos próprios interesses ou ideologias supera a realidade e o bom senso. O primeiro absurdo é o justiceiro, que nada mais é do que um tipo de criminoso, e, como todos os criminosos, merecedor de investigação, processo e apenação, na forma da lei. Sempre, claro, com o direito à defesa e ao devido processo legal que ele, justiceiro, nega ao outro.

Ao lado dos justiceiros, temos duas outras patologias: a dos que os aplaudem e a dos que os tratam como se não fossem parte do mesmo cenário. Sem prejuízo de sua repressão e punição, não podemos esquecer que o Estado veio para substituir a ação particular. Quando o Estado se ausenta, é natural (o que não significa que seja aceitável) que os insatisfeitos queiram retomar a autodefesa. E sair de uma legítima defesa (legalmente prevista) para o exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP) é muito fácil. Enfim, em paralelo com a interrupção da vindita e dos julgamentos sumários e ilegais, o Estado deve ouvir a mensagem subliminar que a selvageria dos justiceiros não sabe dizer, mas está lá. O Estado precisa retomar o controle, e sem fazer uso dos meios ilegais que os justiceiros tanto prezam.

Outro absurdo é aquela prática por parte das pessoas da direita e da esquerda. O grande e maior problema da direita está nas décadas de omissão e na recusa em admiti-la, o que para muitos significa que não seja capaz (ou não queira) oferecer uma opção melhor ao que temos hoje. A direita sempre acreditou que muros de contenção e condomínios fechados resolveriam tudo. Afinal, por anos não moveu o país em direção a uma nação menos desigual. Hoje, tão somente critica os lustros de incompetência (real) da esquerda, isso quando não sustenta as teorias mais retrógadas de que os fatos recomendam mais leis, mais punições, mais chibata. Uns querem o linchamento, outros, mais cordatos, querem apenas construir bons muros. Um dia a direita pagará pela sua omissão diante dos problemas sociais.

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A esperança que pode restar é que políticos, intelectuais, mídia, cidadãos, enfim, que a sociedade comece a parar de julgar os fatos a partir de seus óculos coloridos de azul ou vermelho. É preciso tirar a camisa do seu time e entender que todos estamos no mesmo barco. Nossas leis não são perfeitas, mas são as que temos, as que conseguimos editar, as que podemos melhorar nos campos e modos adequados, democráticos e com equilíbrio e boa vontade. É preciso admitir que sem que ambos os lados concordem em seguir as leis, estamos perdidos. O império da lei pode até ser ruim, mas a sociedade é pior sem ele.

William Douglas é juiz federal/RJ, professor universitário e escritor. Considerado o maior especialista em concursos pelas revistas Veja, Você S/A e Valor Econômico, possui mais de 1 milhão de livros vendidos e falou para mais de 1,6 milhão de pessoas. É um dos autores do Best-seller “As 25 leis Bíblicas do Sucesso”

 

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