Eles ponderam que, ao longo do tempo, houve mudanças no contexto geopolítico, mas a igreja deve apoiar a paz, a justiça e a compaixão
Por Patricia Scott
Desde 7 de outubro de 2023 o mundo observa atentamente Israel, em razão do conflito com o grupo extremista Hamas, financiado pelo Irã e atuante principalmente na Faixa de Gaza. Os terroristas atacaram o território israelense durante um festival de música eletrônica, assassinando cerca de 1.200 israelenses e sequestrando outras centenas nesse dia. Ainda há dezenas de reféns na Faixa de Gaza sob controle dos militantes.
A guerra entre Israel e Hamas devastou a região, onde a maioria da população é palestina. Supostamente, mais de 42 mil pessoas, a maioria civis, perderam a vida até então, e o conflito forçou quase toda a população a se deslocar. Milhares vivem em tendas improvisadas, sem acesso a água potável, comida suficiente e com um sistema de saúde praticamente inexistente.
Nessa situação, Israel tem sido acusado de violar leis humanitárias e foi denunciado ao Tribunal Penal Internacional. No entanto, a guerra se expandiu desde que o Hezbollah, um grupo paramilitar islâmico também terrorista e que atua no Líbano, envolveu-se como aliado do Hamas. Em resposta, Israel tem atacado o território libanês para atingir posições da organização.
Dentro desse contexto, ao redor do mundo tem havido debates quanto ao posicionamento de Israel, que permanece resistente a acordos de cessar-fogo propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Entretanto, no ambiente evangélico, em grande parte das igrejas o apoio ao país continua irrestrito, justificado por questões bíblicas. Isso suscita uma pergunta pertinente: qual a diferença entre o Israel bíblico e o Estado de Israel?


“Considerando o contexto geopolítico, o Estado de Israel não representa plenamente o Israel bíblico, e por isso não devem ser confundidos”, afirma o pastor Acyr de Gerone Junior, que é pós-graduado em Ciências da Religião e Doutor em Teologia, acrescentando que “é importante lembrar que o Israel atual não se afasta totalmente do Israel bíblico, pois há judeus no Estado de Israel que são descendentes de Abraão, com os quais Deus fez uma aliança.”

Ele explica que o território bíblico de Israel, que variou ao longo dos tempos, era maior em seu auge, enquanto as fronteiras do Estado de Israel contemporâneo são objeto de disputas e não são reconhecidas por todos os países. “A geografia e o tamanho do território mudaram significativamente ao longo do tempo, tanto devido às variações históricas nas fronteiras bíblicas quanto à formação moderna das fronteiras nacionais”, destaca o pastor.
Acyr ressalta que o Estado de Israel atual é composto por judeus, tanto seculares quanto religiosos, árabes e outros povos. Em contraste, o Israel bíblico era teocrático, enquanto o atual se declara democrático. “A relação entre religião e Estado em Israel é complexa; embora o país não seja formalmente religioso, a religião judaica tem um papel significativo na vida pública e nas leis.”
Busca pela paz
Na análise do pastor Acyr, a igreja deve, em primeiro lugar, amar e orar por Israel (Sl 122.6). Ele enfatiza que a posição da igreja em relação ao apoio a Israel, especialmente em tempos de conflito, deve ser equilibrada e biblicamente fundamentada, contemplando justiça, compaixão e busca pela paz. “Como seguidores de Cristo, somos chamados a agir conforme os princípios bíblicos, que valorizam tanto a dignidade humana quanto a defesa contra a injustiça.”
Com isso em mente, ele afirma que a Igreja deve apoiar Israel em sua luta legítima contra ameaças externas do terrorismo, que busca destruir Israel e os valores democráticos do Ocidente. “Isso não significa que devemos apoiar incondicionalmente. A igreja também deve denunciar atos de violência desproporcionais e violações de direitos humanos que possam ocorrer durante os conflitos.”
Assim, segundo o pastor, o limite do apoio reside na relação entre injustiça humana e justiça divina, conforme os princípios nas Escrituras. “Deus é Justo e espera que seus filhos, justificados (Rm 5.1), pratiquem e apoiem a justiça (Is 1.17; Mq 6.8; Mt 5.6; 1Jo 3.7).”

Profundas transformações
O pastor Kenner Terra, Doutor em Ciências da Religião e graduado em Teologia, afirma que o Estado de Israel é uma nação moderna e democrática, criada no século 20 por meio de processos políticos e negociações internacionais. “O Israel bíblico, por sua vez, representa uma comunidade de fiéis descendentes de Abraão”, explica. Ele assevera que, como povo de Deus, suas leis e composição eram fundamentadas em questões de fé, e não em modelos políticos de estado nacional.
Kenner destaca que existe uma distinção entre o Israel teológico e o Israel administrativo. Ele observa que, ao longo da História, profundas transformações ocorreram, distanciando os dois. “Desde o modelo de governo até a relação com as leis divinas, tudo mudou”, aponta. “Hoje, por exemplo, a Torá não é a legislação do Estado de Israel, que precisa seguir ditames e acordos internacionais laicos.”
Além disso, Kenner menciona que, no Novo Testamento, o apóstolo Paulo afirma que Israel é todo aquele que segue e crê no Messias Jesus, e não apenas um grupo étnico (Rm 2.25-29; Gl 6.16). “O governo moderno de Israel não é um tipo de Davi escolhido por Deus, mas sim formado por políticos, que têm seus erros e acertos, e que devem ser avaliados de forma crítica e racional”, comenta. Ele conclui dizendo que a igreja, “assim como condena crimes cometidos por outros países, deve aplicar a mesma postura em relação a Israel.”