Separado por Deus, o pastor tem a tarefa de zelar pelo rebanho e de ensinar sobre a Palavra, mas também precisa ser honrado e cuidado
Por Priscilla Cerqueira
Conta-se que certa vez o pastor John Owen, homem admirado por suas qualidades intelectuais como teólogo e expositor das Escrituras, disse a um amigo que estaria disposto a trocar todos os seus talentos pela apreciação que a igreja do colega John Bunyan demonstrava a este.
Owen se ressentia pela falta de elogios e encorajamentos. E o rebanho que conduzia não tinha a sabedoria de expressar admiração por seu trabalho.
O lamento do sacerdote britânico se assemelha à experiência vivida nos dias de hoje por muitos pastores e congregações. Poucas atitudes são tão ofensivas e alimentam tanto o descontentamento de um líder quanto a falta de estima e encorajamento.
E poucos deveres são mais negligenciados pela Igreja contemporânea quanto o mandamento bíblico de honrar e apreciar seus comandantes: “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregam a Palavra de Deus” (Hebreus 13:7).
A ordenança não é para menos. Afinal, estamos falando de um homem com papel indispensável na comunidade, o guia da membresia, praticante do bem que não espera reconhecimento. É amigo, cooperador da paz, da tolerância, que faz com que sua dedicação se imortalize junto aos seus.
Incansável na pregação do Evangelho, sente paixão pelas almas e assume a responsabilidade de transmitir a mensagem de Cristo de um jeito todo especial.
É aquele que “dá a sua vida pelas ovelhas” (João 10:11). E por essa importância ganhou uma data especial, o Dia do Pastor, celebrada no segundo domingo de junho em 90% das igrejas evangélicas.
A ocasião serve para lembrar o privilégio de ser um ministro da Palavra de Deus. O pastor é o servo escolhido pelo Pai para cuidar de Sua Igreja. Seu ministério vai muito além de pregação e visitas. Implica também velar pelas almas, cuidar do crescimento espiritual, dar assistência e interceder. “Sempre cuidei de cada pessoa. Eu não tinha horário, nem dia, nem refeição, pois, a qualquer momento e em qualquer circunstância, lá estava eu me doando e sempre buscando o melhor para as ovelhas que Deus me confiou. A minha vida familiar era a instituição. Meu mundo era a igreja”, declarou um pastor de uma igreja em São Paulo, que preferiu não se identificar.
Mas a doação excessiva traz consequências. Sempre há uma conversa, um sermão para preparar, dúzias de decisões para tomar. As tarefas são múltiplas e abrangem, claro, o campo pessoal, desde guardar o coração como alguém que tem pecado até cuidar da família que está crescendo e… bem, você entendeu!
É uma rotina exaustiva de trabalho que gera o desgaste. Mas chega uma hora que não dá! O problema é que, por receio ou vergonha, muitos resistem em pedir ajuda. “Mas, quando o líder perceber que suas forças, energias e recursos de solidariedade humana e materiais estão chegando ao limite, é preciso pedir socorro.
Isso não é fraqueza espiritual, é um gesto de humildade e de coragem”, ressaltou o pastor e psicólogo Antônio Maspoli. Quem já viveu essa saga conhece bem as dificuldades enfrentadas: os percalços vão se acumulando, e não há como desabafar sobre isso. “Há muita cobrança das denominações, ao ponto de o pastor achar que, se falar, vai ser visto como um fraco.
A gente também tem a tendência de ser esponja, absorver muita coisa das pessoas. Uma das razões de eu ter tentado o suicídio é o fato de viver uma vida solitária, enfrentando os problemas sem falar para ninguém”, disse um pastor que atua em Natal (RN).
Crises, reflexos, desgastes e consequências
Pastores têm crises relacionadas à doutrina, à denominação e à fé que o fazem pensar até em deixar a carreira. As mais comuns são as de vocação, de espiritualidade e de ordens eclesiástica e familiar.
O resultado disso tudo são decepção, desequilíbrio e abandono da vocação. Foi a frustração que levou o pastor de São Paulo ao fundo do poço. “Comecei a ver que os pastores eram descartados, desvalorizados, mal remunerados, humilhados, desmotivados.
Muitos só não abandonavam o trabalho porque não tinham como se sustentar. A ‘instituição’ local era gerida por líderes como uma empresa, com metas, objetivos de crescimento numérico e financeiro. E o pastor era direta e indiretamente responsabilizado por isso, o que me incomodou. Eu não tinha como fazer nada, mas estava envolvido nesse sistema”, relatou.
No auge de seu ministério, o pastor de uma igreja de Natal (RN), que também prefere manter o anonimato, assumiu a coordenação de sua denominação no Nordeste, com 14 igrejas no total, além daquela que comandava. Com a alta carga de trabalho, responsabilidades e preocupações, foi diagnosticado com a síndrome de burnout, que é causada por atividades extenuantes.
A doença leva a um estado de extrema tristeza, desespero, isolamento e perda de referência. “Eu estava totalmente sem energia e sem força. Aí veio a depressão. Nesse mesmo período tive diabetes tipo 2, e o processo foi só piorando. Tinha todos os sintomas dessa síndrome e um pouco mais. Foi quando inconscientemente pensei em dar solução ao problema tirando a própria vida”, recordou.
“Às vezes o pastor chora e ninguém presta atenção para ajudar. Ele não consegue fazer a obra, é um soco em sua autoimagem, pois ela está tão baixa que ele acaba com a própria vida”, argumentou Pr. Jaime Kemp, que há mais de 50 anos lida com problemas
familiares alheios.
Sentimentos como culpa, decepção e dor tornam-se corriqueiros. E, quando se alcança um estado de excessivo desgaste, muitos se recolhem ao silêncio ou, em casos extremos, encontram como única opção interromper sua própria vida.
Isso não é tão incomum como pode parecer. Basta ver as estatísticas. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrou 11.433 mortes por suicídio em 2016, em média, um caso a cada 46 minutos. Nesses dados, incluem-se pastores e líderes de ministérios das igrejas evangélicas.
Maspoli, que trabalha com pastores há 20 anos, alega que há uma crise de identidade funcional entre o sacerdócio e “as exigências do mercado”. “Os pastores são treinados para espiritualizar as doenças; especialmente a depressão é retratada como opressão demoníaca. As doenças e transtornos mentais ainda não são tratados pela igreja”, explicou o pastor e psicólogo.
testemunho
“Eu pequei contra Deus, minha esposa, filhos e amigos. Vivi profunda culpa, vergonha e remorso sem saber o que fazer. Não aguentando mais o peso da culpa, decidi que iria dar fim àquilo, e a única forma que imaginava era o suicídio. Um dia arquitetei tirar minha própria vida, e um membro da igreja foi à minha casa e me disse:
‘Eu reconheço que o senhor é um homem de Deus, é o pastor que cuida das nossas vidas, é um exemplo para nós’. Quase desabei, mas desconversei, e ele foi embora.
A ideia do suicídio não saía da minha cabeça. Os dias se passaram, e eu não saía daquela situação. Um dia tive de falar no enterro de um amigo que foi brutalmente assassinado. Ao ver a cena do caixão lacrado, eu olhava e pensava: ‘Não era meu amigo que era para estar ali. Por que o Senhor não me tira a vida? Ou o Senhor me tira dessa situação ou me tira a minha vida!’ Fui para casa muito abatido. Meus filhos conversaram comigo, me mostraram as impressões das conversas indecentes que eu tinha nas redes sociais.Foi então que confessei meus pecados de anos de luta, chorei, pedi perdão. Ajoelhei-me, e eles oraram por mim. Abraçaram-me dizendo que me amavam e estariam dispostos a me ajudar. Foi o dia da minha libertação.
Estou vivo hoje porque a graça de Deus se manifestou na vida de um homem que foi enviado à minha casa para impedir que eu desse fim à minha vida. Fui salvo porque meus filhos dispensaram graça sobre mim, que transbordou quando recebi o perdão dos pecados.”
Pr. Luiz Pedro Alves da Silva Neto
O maior problema, aponta, é a solidão. “Estamos falando de pessoas humanas, estressadas, deprimidas, doentes, vivendo numa situação de limite, de fragilidade e de risco, que precisam de ajuda e de solidariedade”, reforça ele, que também é life coaching. E complementa: “Pastores precisam de network, uma rede de solidariedade”.
E isso é uma ordem bíblica – “(…) Conflitos externos e temores internos, Deus, porém, consolou-nos com a chegada de Tito” (II Coríntios 7:5-6). O Senhor usou a chegada de Tito para consolar Paulo, que passava por conflitos internos e externos.
Há alguns anos, a psicóloga cristã Fátima Fontes, quando perguntada sobre livros que pudessem ajudar em momentos difíceis, respondeu com firmeza: “Nesses momentos, não precisamos de livros, precisamos de amigos”. É isso que o apóstolo deseja ensinar quando menciona a chegada de Tito, bem como o pedido que faz a Timóteo em uma carta, no final de sua vida: “Traga Marcos com você porque ele me é útil” (II Timóteo 4:11).
Cuidados, acolhimento e restauração
“Pastor é gente como a gente”, declarou Pr. Gedimar de Araújo, líder nacional do Ministério de Apoio para Pastores e Igrejas (Mapi), entidade que visa ao pastoreio de pastores e cuidado mútuo. E acrescenta: “Ele é ovelha quando enfrenta crise no casamento e não tem um grupo de apoio para receber ajuda. É ovelha quando fica emocionalmente fragilizado por problemas na igreja”.
É por isso que os líderes precisam ser amparados. Em Natal, o projeto Limiar tem feito a diferença na vida dos sacerdotes. O ministério, que foi implantado em 2013, cuida não só dos condutores do rebanho que estão exaustos, feridos e em crise, como também da família destes. Durante 13 dias, eles recebem tratamento médico e colegas conselheiros e ainda participam de terapias e oficinas em grupos.
“Eu estava esgotado física e espiritualmente. Tentei o suicídio, vi e acompanhei casos de pastores no fundo do poço, que adoeceram, perderam tudo, e de outros que tentaram o suicídio. Aquilo me abateu profundamente”, afirmou Pr. Luiz Pedro Alves da Silva Neto, coordenador do projeto.
Esse episódio despertou no Pr. Neto, como é conhecido, o desejo de ajudar outros a se curarem. “Busquei ajuda para me tratar. E Deus colocou no meu coração a vontade de ajudar pastores, afinal eles têm sobrecarga de trabalho, precisam ser aconselhados e ouvidos para viver uma vida mais leve e feliz”, observou ele, que também é psicólogo.
Mas, além de valorizar e expressar apreço pelo seu comandante, os membros da igreja também precisam cuidar dele. “Deus nos deu a atribuição de cuidarmos uns dos outros porque a Igreja é o corpo vivo de Cristo.
Ela deve se transformar numa rede de solidariedade para apoiar seus pastores, pois quando isso acontece ele não se sente fragilizado e vulnerável a situações de risco. Além de orar, a igreja precisa abraçar, acolher e apoiar seu líder, sendo generosa no sentimento espiritual, material, emocional e afetivo”, exortou Maspoli.
Afinal, o pastor é a alegria do rebanho, celebra e comemora a conquista de seus membros, pois o seu ministério é algo dado por Deus e vem da alma. É um instrumento do Senhor para abençoar a vida das pessoas.
E por isso merece respeito, admiração e cuidado.
“Após 36 anos de ministério eu ainda mantenho a vocação pastoral fervendo, amando a Igreja de Jesus Cristo, mas priorizo minha família, cuido de minha saúde física e emocional e exerço minhas as atividades dentro de minhas limitações”, aconselhou o pastor de São Paulo.
Dicas de leitura
Pastores em Perigo
Jaime Kemp
Editora Hagnos
Andando com o Tanque Vazio
Wayne Cordeiro
Editora Vida
Depressão Espiritual,
Suas Causas e Sua Cura
David Martyn
Mundo Cristão
Pastores de Carne e Osso
Alfonso Guevara
Editora BV Films