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sexta-feira, 19 abril 2024

O aborto da fé

O aborto da fé

Nenhuma espécie de aborto é autorizada por Deus. Porém há uma infinidade de práticas e atos que igualmente não são autorizadas por Ele, mas que frequentam nosso meio com uma certa facilidade e até mesmo conforto

Por Natália Lessa

Podemos identificar essas práticas através de leituras superficiais da palavra sagrada, como a título de exemplo, em 1 Coríntios 6:15-16, ou até mesmo em apocalipse 22:14-15.
A prática do adultério, da mentira, do falso testemunho, do amor ao dinheiro, da devassidão, da idolatria, do roubo, do homicídio, da maledicência, da bebedice, da glutonaria, fornicação, dentre tantas outras práticas que certamente enojam o coração de Deus, fazem parte do contexto da vida humana e na maioria das vezes não são levadas em consideração, pela própria naturalização das práticas no seio da sociedade, em detrimento dos mandamentos de Deus.

É crucial que falemos destas coisas antes de entrarmos no tema “aborto”, para lembrarmos que somos seres errantes, sem exceção. Aonde houver um ser humano, haverá pecado. Estou certa que de todos estes pecados mencionados no parágrafo anterior, todos nós, nos encaixamos em todos ou ao menos em um, sendo que para Deus, não há diferenciação de pecado.

Assim, partindo do pressuposto que a perfeição não habita em nós, podemos entender os motivos pelos quais não nos foi dado o poder de julgar e quando falo em julgamento, falo dele na sua essência, que é o poder de condenar ou absolver alguém de algo. Não se trata da sua opinião sobre qualquer tema e sim sobre poderio para editar uma sentença espiritual sobre o ato praticado e imputar uma pena para cumprimento.

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Este poder não nos foi dado, justamente pela nossa incapacidade de verificar os fatos com a profundidade necessária, pensando em todo o contexto social, emocional, familiar, auferindo todas as medidas com precisão irreparável. Nós temos limitações de todas as ordens e não somos competentes para emitir julgamentos justos, portanto desconhecemos a justiça. Por este e tantos outros motivos é que nos é dada a liberdade para opinar, debater, nos expressarmos. Mas não nos é dado o poder do juízo espiritual.

Causou-me assombro, a postura de parcela dos cristãos que ao perceberem que um aborto estava prestes a acontecer à luz da justiça, neste 17 de agosto, quando foi anunciado que uma menina de 10 anos havia passado pelo procedimento abortivo, após engravidar, supostamente do próprio tio, que até o final da edição deste artigo estava foragido, em protesto veemente contra o ato, decidiram se reunir em uma verdadeira rebelião na frente do hospital proferindo palavras de baixo calão, agindo com truculência e violência na tentativa de invadir o hospital e impedir o procedimento que ceifaria a vida de um nascituro de cinco meses.

O que me chamou atenção de fato, foi a completa ausência de características genuínas de todo cristão, como empatia, misericórdia e graça. O domínio próprio era tão ausente, que não buscaram se colocar no exato lugar da família da pobre menina, tampouco da menina que estuprada desde os 6 anos de idade, agora estava grávida, supostamente do próprio tio, quem deveria na sua essência, zelar por ela. Uma menininha que poderia facilmente ser minha ou sua filha.

O questionamento mais retumbante para o coração de um cristão genuíno nesse momento é: E se fosse comigo? Se fosse na minha casa? Como eu suportaria essa dor? Como eu conseguiria ver minha menininha de 10 anos, grávida do fruto de um estupro, a pior maldição que uma mulher pode enfrentar? Apenas 10 anos de idade…E com qual força eu conseguiria dizer a ela, que ela deveria gestar essa criança até o fim? Como eu poderia explicar a ela que Deus gostaria que ela passasse por aquilo e que ela teria que pagar aquele preço para agradá-lo?

A maior conclusão após muito pensar e meditar, é pensar em uma entrevista que a filha do querido Evangelista Billy Graham deu certa vez, e quando perguntaram a ela: se Deus existe, porque há tanta desgraça no mundo? Ela de forma linda e com uma sabedoria que claramente veio do alto, respondeu que o mal da humanidade é excluir Deus das suas vidas, não obedecer aos seus preceitos, odiar a sua Palavra e depois, apenas depois que o mal conquista espaços, colocar a culpa da existência do mal, na ausência de Deus.
Então por mais que não entendamos como alguém pode usurpar a inocência de uma criança, este ato não tem absolutamente nada a ver com a existência de Deus, muito menos com o desejo dEle para nós.

Então tais dilemas que são grandiosos demais para serem respondidos com meros urros e gritos destemperados contra uma criança inocente no pior momento da sua vida, tem mais a ver com o afastamento dos “cristãos”, daquilo que Palavra de Deus realmente prega.
Cristãos são contra o aborto! Mas cristãos não violentam psicologicamente uma criança que já está no limbo da humilhação. Ser cristão não é defender uma posição de forma deliberada e desprovida de compaixão. O cristão genuíno se pergunta diariamente o que Cristo faria em seu lugar. Será que Cristo iria até à porta daquele hospital e gritaria: Assassina…Assassino…?

Será que Cristo tentaria invadir o local com violência proferindo palavras de baixo calão? É isso que Cristo nos ensinou? A apavorar uma criança estuprada e violentada?
Cristo certamente estaria ao lado dela ajudando-a, envolvendo-a em seu amor infinito, estendendo a mão e entregando-lhe a solução, sem abandoná-la após o parto, que certamente ocorreria pois a Ele é dado todo poder, inclusive fazer o impossível acontecer, afinal, Maria sua mãe terrena tinha por volta de 13 anos de idade quando engravidou, virgem e não casada, tendo sido suportada por Cristo em seu ventre e pela presença do amor inabalável de Deus, enfrentou pela fé, todos os preconceitos e medos, passando pela gestação e gerando o filho de Deus. Mas a igreja estabelecida para ajudá-la na época não vacilou. Não a humilhou, expôs ou execrou. José inclusive a amparou completamente.
Para minha infelicidade, a comunidade cristã presenciou uma das cenas mais lamentáveis que já vivemos. Um movimento autointitulado pró-vida, que mais parecia “pro nascimento”, pois certamente após o nascimento desse bebê, ninguém mais se importaria com a vida dele e com o que realmente ele seria após o nascimento.

Quando deixamos de nos colocar no lugar da dor do outro, tentamos dar soluções que ao nosso olhar são fáceis. Mas neste caso, infelizmente não havia solução fácil, se pararmos e mergulharmos na dor. Todos os caminhos levavam ao completo desastre para os envolvidos, justamente por causa da perversidade do homem e dos enormes traumas.
Essa mãezinha não teve culpa do que ocorreu com ela. Tampouco o bebê em seu ventre. Ambos são inocentes de toda e qualquer culpa e diante da complexidade dessa dor, não podemos diminuir o problema, tentando torná-lo simplesmente em uma decisão entre abortar ou não abortar. Pare para pensar, que talvez seja simples de ser solucionado, apenas porque o problema não está na sua família e sim na de outra pessoa. Se mergulharmos na dor real e palpável, vamos entender porque as duas palavras abaixo existem e como elas nos ajudarão a vencer a crise de fé que este caso gerou em nós.

Cristo nos deixou duas palavras nas quais devemos nos apegar com toda força: Misericórdia e graça.

Nos lembremos que essa criança tem 10 aninhos, foi estuprada por anos, ficou grávida, estava com cinco meses de gestação, e a manifestação da igreja que ela conheceu, foi para humilhá-la ainda mais numa exposição pública e vexatória.

Essa criança não cometeu erro algum. Foi vítima do mau na sua mais pura essência e gerou o milagre mais lindo da humanidade, sem sequer conseguir entender o que estava havendo dentro de seu pequeno corpinho.

Demos à ela a devida proteção, privacidade e paz, evitando julgamentos, apontamentos e acusações?

Como cristãos e entendendo plenamente nossa incapacidade diante da situação irresolúvel que se apresentou nesse triste episódio real, lamentaremos e choraremos a morte desse bebê com toda a força do amor cristão, com nossas homenagens e desculpas pela maldade humana?

Ainda assim, daremos a essa pequena menina e grande sobrevivente, aquilo que Jesus Cristo nos confere todos os dias para que não sejamos consumidos pelos nossos pecados.
Misericórdia e graça!

Natália Lessa é advogada, cristã, especialista em Direito Eleitoral e Imobiliário, militante no combate à violência contra mulher, co-fundadora do projeto U.A.V.S (União de advogadas contra violência Sexual), secretária da Comissão Especial de Direito de Família da OAB/ES.

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