Um dia, os filhos crescem e seguem seus rumos. É preciso então substituir o sentimento de perda por novas descobertas.
Por Lilia Barros
Síndrome do Ninho Vazio. Você está preparado para vencer? A experiência da maternidade e da paternidade é tão forte na vida de um casal que para falar da liberdade que os pais adquirem com a saída dos filhos de casa – o que aqui chamamos de “o voo dos pais”– é preciso antes falar do voo dos filhos.
Embora o termo “síndrome do ninho vazio” seja muito conhecido, há uma longa estrada a se percorrer até a descoberta do lado bonito e libertador dessa fase na vida dos cônjuges. Os pais devem compreender o novo ciclo e se entregar a experiências diferentes como casal e como indivíduos.
Como em uma brincadeira de caça ao tesouro, Comunhão vai apontar diferentes pistas que irão deixar pais e mães cheios de vontade de voar. Para explicar as incríveis facetas desse processo, usaremos uma alegoria, uma parábola, um personagem bíblico e um testemunho atual. Preparados? Então, posicionem-se para viver uma nova forma e um novo conceito de vida.
A flecha é a primeira figura de linguagem escolhida para dar compreensão sobre como se precaver e atravessar essa etapa inicial na vida. A pastora Célia Ferreira, da Comunidade Batista Família na Rocha, em Vila Velha (ES), cita o Salmos 127:4 “Como flechas na mão do guerreiro são os filhos da juventude”.
E dá um aviso: “Por mais doloroso que seja, precisamos entender que os filhos não são nossos, mas sim de Deus. São presentes do Senhor para um tempo. Precisam ser instruídos a andar em Seus caminhos. Ouvi de meu pai, aos 16 anos: ‘Vá! Chegou a sua hora de voar. Seja flecha que acerta o alvo e cumpra sua missão, pois até aqui eu cumpri meu dever com o Estado’. E, hoje, escritos e estabelecidos estão todos os seus ensinamentos no meu coração”, recorda a pastora.
Assim como esse artefato pontiagudo é disparado com um arco e algumas penas darão firmeza e estabilidade na trajetória do voo, para fins de esporte, caça e guerra, assim também os pais preparam seus filhos, afiando-os e dando-lhes direção e equilíbrio para que acertem o alvo nas três esferas da vida: prazer, sobrevivência e luta. Feito isso, um sentimento de missão cumprida invadirá a alma do casal e, por que não dizer?, orgulho por ver suas “crias” preparadas para assumir seu caminho com independência.
A pastora Célia, prestes a se tornar psicanalista, informa que alguns casais sofrem um pouco mais, porque não se prepararam para esse momento; outros são mais “descolados” e estão procurando fazer novos planos.
‘Foi o que aconteceu com Gilberto e Ana Margarida Fonseca, membros da Primeira Igreja Batista do Ibes, em Vila Velha/ES, pais de Thiago, Kesia e Asaphe, todos casados e independentes. Eles contam como foi o lançamento de cada flecha.
“Preparamos cada um. A saída do Thiago foi muito sentida por ser o primeiro, o mais velho, e por isso uma novidade para nós. O segundo lançamento, também doloroso, foi nossa única menina; ela se mudou para o Estado do Rio de Janeiro. E, por último, saiu o caçula, que por ter ficado mais tempo conosco inaugurou o nosso ninho vazio. Mas, quando percebemos que eles vivem suas próprias histórias e experiências, sentimos uma grande satisfação do dever cumprido”, conta Margarida.
Desapega!
Essa primeira fase da caça ao tesouro para pais que desejam alçar seu próprio voo constitui-se no início do esvaziamento do ninho, um processo natural da vida.
É preciso desapegar-se e ter a coragem de liberar os filhos; lançar as flechas para o alvo que desejam alcançar. Uma decisão fundamental para quem quer deixar os filhos crescerem e buscarem autonomia. Esse esvaziamento dentro de casa pode fazer com que pais e tutores sintam-se profundamente abatidos e solitários, mas se trata de uma etapa evolutiva tanto para os filhos que partem quanto para os pais que ficam. Como diz o pensador Richard Bach: “Não se lamente pelas perdas. Elas são necessárias para voltar a se encontrar”.
O pastor Gilson Bifano, do Ministério de Família Oikos, no Rio de Janeiro, explica por que desapegar-se é vital para se precaver e atravessar a fase do ninho vazio. Ele afirma que tudo vai depender de como os casais vivenciaram as fases anteriores, ou seja, como construíram a relação conjugal e familiar.
“Se os cônjuges priorizaram a conjugalidade, já terá sido um bom caminho. Muitos casais enfrentam problemas na fase do ninho vazio porque priorizaram os filhos, isto é, tornaram os filhos o centro da família”, destaca Bifano.
O pastor complementa: “Quando estes se vão, o casal não se conhece mais, e aí vêm o tédio e a possibilidade de divórcio. Porém, se marido e mulher valorizaram a conjugalidade (ou seja, criaram os filhos, mas tiveram a relação conjugal como a prioridade), o ninho vazio será uma rica experiência”, explica.
O casal só fica sem saber o que fazer quando o centro da vida foram os filhos. E aí, como já dissemos, a vida a dois, a partir do voo das “crias” do ninho, perde o seu sentido.
Se o casal está centrado na sua relação, o ninho vazio oferece realmente muitas oportunidades para o crescimento conjugal, como a diminuição das despesas domésticas e mais tempo para passear e para a intimidade”, afirma o pastor, que prefere não adotar o termo “síndrome do ninho vazio”, e sim a expressão “outras fases” ou “estágios do casamento”.
Bastante empregada pela medicina e pela psicologia, a palavra síndrome (do grego “syndromé”) é classificada como um conjunto de características que, quando associadas a situações críticas, podem gerar insegurança ou medo.
Descubra!
Após desapegarem-se e liberarem as filhas, o casal Roberto e Vânia de Oliveira, da Igreja Presbiteriana de Curitiba (PR), aceitou e descobriu um recomeço para si próprio, vivendo exatamente as perspectivas de vida conjugal apontadas pelo pastor Bifano.
Num intervalo de dois anos, as três meninas de Roberto e Vânia se foram. Chantel se casou e partiu para os Estados Unidos. Sara foi fazer estágio na Noruega. Cíntia voltou para São Paulo, onde a família morava anteriormente. De repente, depois de um momento de festa e celebração, os pais voltam para casa e encontram um apartamento vazio. “Foi uma ruptura muito grande. Eu estava com 48 anos na época, na pré-menopausa.
Eu diria que esse período na vida da mulher coincide com a saída dos filhos, mas também com uma mudança na saúde física, ou alterações hormonais que a deixam muito vulnerável.
“Quando percebemos que eles vivem suas próprias histórias e experiências, sentimos uma grande satisfação do dever cumprido”, disse Ana Margarida Fonseca, membro da Primeira Igreja Batista do Ibes, em Vila Velha/ES
É um momento delicado, em que a pessoa precisa procurar ajuda e pensar numa atividade física. Uma coisa muito boa que me aconteceu é que tive a oportunidade de ter um projeto profissional novo e em outra cidade, tive o apoio de Roberto. Também criei vínculo com algumas mulheres, uma espécie de mentoria com elas. Dez anos mais tarde, estive com uma delas e vi que foi um tempo muito rico que frutificou na sua vida.”
Com quase 62 anos de idade, Vânia faz do cuidado consigo mesma e do marido uma prioridade. Eles fizeram descobertas e autoconhecimento.
“É um tempo de voltar para si, de se cuidar e de estabelecer novos contatos, principalmente se foi totalmente voltada para a maternidade. Um tempo de revisão de vida, de colocar diante de Deus todos esses anseios e mudanças. É um momento de praticar a solitude, que é aprender a estar só. E esse estar só é diferente da solidão e pode ser curtido como nunca antes, já que não há filhos em casa para se preocupar.
Sinto muita falta das meninas, com certeza, tenho meus amigos, mas eu aprendi muito a estar só, e isso é muito bom. O companheiro pode ser um grande auxiliador. A gente acaba descobrindo potenciais, novos horizontes. É uma oportunidade de deslanchar uma profissão ou um ministério novo. Acho bonita essa coisa de renovação.
É um período árido, mas, após essa sequidão, há lugar para renascer de uma nova maneira. A mulher se torna muito mais segura e livre daqueles padrões que tanto nos parecem secundários. Minhas dicas são: cuidar do seu físico, da sua mente, e conhecer Deus, numa intimidade maior”, narra Vânia.
Ela e o marido saem juntos nos fins de semana ou fazem viagens diversas. Roberto comprou uma moto e, de vez em quando, sai com a esposa para dar umas voltas. Para o casal, é preciso compreender cada ciclo de vida.
“Nesta fase pode haver um distanciamento, mas pode haver também uma aproximação. Com a saída dos filhos, a convivência do casal é muito mais forte.
Às vezes, a gente brinca. Quando ele faz uma bagunça, por exemplo, não dá para culpar as filhas. Só tem a gente, é um ou outro. É uma convivência bem intensa também. Roberto sempre foi uma pessoa de adquirir novos desafios, novos projetos. Ele está sempre motivado e não pensa em se aposentar. Traz essa vitalidade e me motiva a olhar para mim mesma e pensar: puxa, quais são os meus desafios?”.
E é no contexto de vida deles que entra em cena a segunda figura de linguagem que servirá para traduzir o que significa a fase da descoberta logo depois de o ninho estar vazio: a parábola do relógio perdido.
Supere!
A história do personagem bíblico Noemi registrada no capítulo 1 do livro de Rute, é a terceira ferramenta usada para esclarecer o processo do ninho vazio. Mas desta vez, não porque seus filhos se casaram ou foram trabalhar em terras distantes. O seu ninho esvaziou-se em um quadro dramático que tomou conta da sua vida. As circunstâncias que a rodeavam eram terríveis.
Noemi conheceu tempos felizes com seu esposo, Elimeleque, e seus dois filhos, Malom e Quiliom. Mas a Bíblia nos diz que seu companheiro morreu, deixando-a com os dois filhos, que se casaram com “mulheres moabitas”. “E era o nome de uma Orfa, e o da outra, Rute; e ficaram ali quase 10 anos” (Rute 1:4).
“Por mais doloroso que seja, precisamos entender que os filhos não são nossos, mas sim de Deus. São presentes do Senhor para um tempo”, diz Célia Ferreira, pastora da Comunidade Batista Família na Rocha, em Vila Velha (ES).
Ela era feliz com os filhos e com as suas duas noras. Mas sua vida iria mudar radicalmente. A Bíblia nos revela o que aconteceu: “…morreram também ambos, Malom e Quiliom, ficando assim a mulher desamparada dos seus dois filhos e de seu marido” (Rute 1:5).
E, indo elas caminhando, para voltarem à terra de Judá, tentou despedir-se de suas noras, mas Rute decidiu segui-la até aquela terra que ela não conhecia. Já idosa, Noemi teria que ter uma pessoa que a amasse, cuidasse dela e trouxesse alimento para casa.
Por causa do seu sofrimento, Noemi chegou ao ponto de pedir às pessoas que a chamassem de “Mara”, que quer dizer “amarga”. Mas o tempo da fome foi substituído pelo trigo que a própria Rute colhia nos campos de Boaz, o homem com quem ela se casaria.
Noemi se alegrou com este casamento, mas ficou muito mais feliz quando pôde colocar em seus braços já cansados o pequeno Obede, filho de Rute e Boaz, e ela foi a sua ama. “E as vizinhas disseram: ‘A Noemi nasceu um filho. E deram-lhe o nome de Obede. Este é o pai de Jessé, pai de Davi’” (Rt 4:16-17).
A vida de Noemi teve o antes e o depois. Teve que superar momentos de aflição e solidão até poder ver seu ninho vazio novamente visitado e preenchido. Noemi superou a sequidão familiar confiando em Deus. Ela não desistiu, não parou. Optou por continuar caminhando em busca de socorro para superar essa etapa e vencer.
Aproveite o ninho vazio – Liberte-se e voe
Aos 74 anos, a aposentada e viúva Eulina Barros, moradora da Baixada Fluminense,
no Rio de Janeiro, é um exemplo. Mãe de quatro filhos, ao se ver completamente sozinha, tomou uma decisão que mudou radicalmente sua história.
“Eu larguei o ninho vazio e o deixei sozinho, porque eu mesma não fico nele. Não paro em casa, saio com as amigas, assisto aos jogos de futebol, viajo, passeio, bato papo, presto serviço na comunidade e na igreja. Eu não vou ficar em casa chocando um ninho vazio, sem ovos”, brincou ela. Eulina soube aproveitar os últimos anos ao lado do marido, fazendo o que gostavam.
“Agora, faço um trabalho espiritual que eu nunca pensei em fazer na minha vida, e foi ele quem me ensinou. Aproveito a pensão que me deixou e me permito voar, porque é perigoso ficar sozinha, chorando em casa, sem pessoas para conversar, isso pode nos levar
à depressão. Por isso, vou voando nesta vida feliz que escolhi.”
Ao ser questionada sobre sua rotina e projetos, ela foi enfática sobre planos no curto e no longo prazo. “Para amanhã meus compromissos são dirigir o culto de oração, às 7h. Às 14h30 vou à Assembleia Anual das Igrejas Batistas, porque sou vice-presidente e tenho deveres a cumprir. À noite, vou fazer o Pequeno Grupo no lar. Para meados do mês, meu próximo voo será a Convenção Fluminense em Teresópolis, Rio de Janeiro. E para o próximo ano quero ir a Manaus, no Amazonas, participar da Convenção Nacional. Meu sonho? Chegar aos 80 anos e dar uma festa bem grande para toda a família”, pontua.
A filha, Marli, afirma que a mãe passou por vários sofrimentos na vida, mas não se tornou uma pessoa amargurada. “Ela é um exemplo para mim. Falo com meus filhos: ‘Sua vó nunca deixou pobreza, doença, nada abalar. E assim ela vai, uma mulher realmente guerreira. Mamãe nunca enfartou, porque não guarda nada. O que tiver que falar, ela fala.
Depois, se precisar, ela até pede desculpas, mas na hora ela bota tudo para fora. Às vezes brigo, porque ela não nos avisa quando vai sair de casa. A agenda da ‘veia’ é muito cheia. Acabei de ligar para convidá-la a vir aqui em casa. Ela deu uma gargalhada, ficou feliz, mas não pode vir hoje porque já marcou um compromisso. Está esperando visitas para assistir ao jogo e depois vão sair. É o que estou te falando, ela larga é o ninho vazio”, comemora a filha.
Esse testemunho atual aperfeiçoa a brincadeira caça ao tesouro, citada no início da matéria. Agora, ao encontrar o objeto de valor, o vencedor não deverá escondê-lo novamente, mas compartilhá-lo para que outros desfrutem do objeto descoberto:
“o voo dos pais”.
Esta matéria é uma republicação de Comunhão, de julho de 2020, escrito pela jornalista Lilia Barros. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.