A maioria dos entrevistados acredita no aquecimento global e considera que o governo deve resolver os problemas ambientais
Por Patricia Scott
As mudanças climáticas, para os evangélicos, são o resultado da ação humana. Além disso, eles concordam que as igrejas devem abordar o assunto. É o que revela a pesquisa “Cristianismos e Narrativas Climáticas”, realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), divulgada na quarta-feira (18).
O levantamento expõe que 70% dos entrevistados discordam totalmente da afirmação de que o aquecimento global é uma mentira. Isso significa que uma parcela considerável dos evangélicos praticantes percebe os impactos do aquecimento global e da mudança climática no cotidiano.
Além disso, a grande maioria dos entrevistados (69%) entende que a responsabilidade pelas mudanças climáticas é a ação humana. Os indicadores mostram que pouco mais da metade dos pesquisados (59%) responderam não haver atividades em suas igrejas voltadas para o tema ambiental. A maioria deles, entretanto, acha importante que a igreja aborde a temática do meio ambiente.
Quando perguntados sobre o interesse e acesso a notícias sobre a questão ambiental, mais da metade dos cristãos entrevistados (68%) afirmaram ter acesso a notícias relacionadas ao meio ambiente. A metade busca informação por meio da internet e sites de notícias (49%).
Ressignificação de esteriótipos
Os resultados da pesquisa ajudam a reconfigurar e ressignificar estereótipos relacionados ao público evangélico, principalmente dos participantes da pesquisa na Marcha para Jesus, que são os que têm alta participação e engajamento nas comunidades de fé. A opinião é da antropóloga Jacqueline Teixeira, que coordenou o estudo.
“A pesquisa mostra que esse grupo demonstra uma preocupação não apenas de estarem informados sobre as pautas climáticas e que cheguem para eles, mas também qualificar de onde vem essas informações. Além de mostrar que esse público desqualifica algumas fake news, como não acreditar que a terra é plana e acreditar que existe aquecimento global”, afirma a professora da Universidade de Brasília (UnB) e colaboradora do Iser.
Na visão de Jaqueline, evangélicos com alto índice de engajamento nos cultos e nas comunidades de fé manifestaram interesse significativo de compreender as pautas climáticas. “Eles demonstraram uma abertura importante para este tema. As questões climáticas não estariam vinculadas politicamente nem a uma direita nem a uma esquerda”, analisa e acrescenta: “É um público que não se engaja nos negacionismos climáticos”.
Ela destaca ainda outro ponto importante: “Não há o entendimento de que as questões relacionadas à agenda climática seriam de responsabilidade divina. Isto porque há a compreensão quanto à responsabilidade humana. Depende muito da ação humana a resolução dessas questões. A gente viu uma alta responsabilização dos governos”.
Sendo assim, a maioria dos evangélicos acredita na responsabilidade do Estado para criação de políticas públicas de preservação e enfrentamento às mudanças climáticas. Os dados indicam que 86% das pessoas de todas as capitais pesquisadas apontaram o governo como principal responsável por resolver problemas relacionados ao meio ambiente.
Clima e teologia
Não é incomum que cristãos associarem catástrofes climáticas ao Apocalipse e à volta de Jesus a Terra. No entanto, essa percepção não se apresentou hegemônica entre as respostas. Em relação aos desastres ambientais estarem relacionados à segunda vinda de Jesus, 37% concordaram totalmente com a afirmativa.
No Rio de Janeiro, 61% dos entrevistados concordaram com a associação entre mudanças climáticas e a noção de pecado. No entanto, apenas 4% atribuíram a responsabilidade destas mudanças à ação divina.
No total, 43% dos entrevistados, em todas as cidades participantes da pesquisa, concordaram que as mudanças climáticas são reflexo do pecado do homem.
Cenário político
A pesquisa também trouxe para avaliação do público algumas frases que foram ditas por figuras do cenário político nacional nos últimos anos, em um esforço de entender a polarização política do país. Uma das frases apresentadas consiste numa variação de uma declaração do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Trata-se da afirmação de que “a Amazônia não pega fogo por ser úmida”, 63% dos entrevistados afirmaram discordar totalmente. Outros 16% disseram: “discordo em parte”.
Os evangélicos também demonstraram se posicionar em defesa de territórios indígenas em relação ao agronegócio. Em relação à frase “nenhum fazendeiro tem o direito de invadir terra indígena”, 70% concordam totalmente.
A pesquisa
O estudo foi realizado a partir de metodologias quantitativas e qualitativas nos ambientes digitais e nas ruas, em entrevistas realizadas nas Marchas para Jesus em São Paulo, no Rio de Janeiro e Recife, entre junho e dezembro de 2023. Em cada uma das marchas, foram entrevistadas cerca de 200 pessoas, com um total de 673 entrevistas, 53% delas com participantes com idade entre 16 e 39 anos.
Já na segunda fase da pesquisa, o Iser também analisou o uso de mídias digitais por grupos católicos e evangélicos. O Instituto avaliou ainda as narrativas que têm sido veiculadas sobre a questão ambiental e climática. Com informações Agência Brasil