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quinta-feira, 18 abril 2024

Os momentos particulares de um pastor

A vida pessoal de um líder de igreja não é um desperdício de tempo; é uma oportunidade de retiro e descanso.

No excelente livro de Walter Trobisch Casei-me Com Você, há um registro de uma conversa intensa entre o autor e a esposa de Daniel, um pastor africano. Walter e Esther estavam sentados à mesa de jantar da casa de Daniel, diante de uma bela refeição preparada por ela.

O problema era Daniel. Ele ainda não havia chegado, e à medida que o tempo passava, Esther ia ficando mais irritada. Ela sabia que seu marido estava do lado de fora do templo, conversando com alguns membros da igreja, após o culto da manhã. Parecia alheio ao fato de que estava ignorando seu convidado e ofendendo sua esposa, que havia dado o melhor de si para oferecer boa hospitalidade. No centro da preocupação de Esther está a questão do tempo. Ela e Daniel discordam a respeito de seu uso apropriado. O resultado? Eles estão se tornando ineficazes e o problema da “agenda” está começando a ter um efeito corrosivo em seu relacionamento.

Quando entendido e administrado corretamente, o tempo é um dos nossos melhores amigos. Quando mal administrado e desvalorizado, pode se tornar nosso maior inimigo. Peter Drucker, assim como outros, deixou bem claro que a questão do tempo está no centro da eficácia da função de um líder e administrador. Em seu livro O gesto eficaz, Drucker lembra que o tempo não é elástico – não pode ser alongado; é insubstituível – não pode ser recuperado; e é indispensável – nada pode ser feito sem ele.

O ministério terreno de Jesus Cristo aponta para alguns princípios bastante úteis a respeito do uso geral do tempo. Não é nenhuma novidade o fato de que Jesus nunca mostrou sinais de estar apressado ou pressionado, e nem displicente. Embora se mostrasse fisicamente cansado em certas ocasiões, ele nunca estava emocionalmente frustrado devido à falta de tempo, como vemos muito no ministério cristão atualmente.

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Lemos que Jesus ignorava grandes multidões para se reunir com seus doze discípulos. Dormia em um barco, pulando uma refeição para falar com uma mulher, e também interrompia um encontro com um grande número de adultos, para visitar crianças. Usos inteligentes do tempo. Certamente algumas pessoas estranharam a forma como Jesus investia as horas de sua vida. Observamos, no entanto, que o Senhor sempre fez um uso correto de seu tempo, e Sua missão foi cumprida em apenas 33 anos. Devemos nos lembrar sempre disso.

Hoje em dia muitas pessoas escrevem sobre o esgotamento. Por que Jesus não se esgotou? Acredito que a resposta para essa pergunta esteja em três princípios simples: Jesus media todos os investimentos de tempo que iam contra o seu propósito, tinha um tempo a sós com o Pai, e não tentava fazer mais do que devia.

Mitos sobre tempo e líderes Cristãos

É preciso que observemos certos mitos sobre o tempo que temos ensinado uns aos outros ao longo dos anos – mitos que são contrários aos princípios que Jesus empregava em seu ministério:

Mito 1 – Somos pessoalmente responsáveis pela salvação do mundo inteiro. Você pode até rir de tamanho absurdo, mas a verdade é que muitos de nós agimos como se realmente acreditássemos nisso. A fonte de tal mito está em nosso desejo de corresponder ao potencial que imaginamos ter recebido de Deus. Além disso, não gostamos de ficar de fora daquilo que todos estão fazendo. Assim, queremos falar em todas as conferências, ser membros de cada conselho que somos convidados, dar um parecer a respeito de todas as questões que afetam nosso grupo, e fazer amizade com cada astro em nosso horizonte.

Sucumba ao mito – como muitos fazem – e o trágico fim virá quando você, desanimado, perceber que nunca conhecerá o número suficiente de pessoas, não poderá comparecer a todas as conferências, e nunca encontrará tempo para todas as reuniões de conselho. Lentamente nos damos conta de que não podemos salvar o mundo, mas podemos fazer a diferença nele.

Mito 2 – O tempo está acabando. Corro o risco de perder estimados amigos na fé se me afastar publicamente daqueles que pensam que o tempo está se esgotando e que não temos um minuto a perder?

Eu parei de admirar o homem ambicioso. Agora, minha admiração está cada vez mais voltada à pessoa que, como o agricultor, aprendeu a ter paciência, sabe que as melhores coisas crescem com o tempo, e tudo o que podemos fazer é seguir a sequência correta de plantio, cultivo e colheita. Nenhuma colheita pode ser enriquecida pela pressa.

Durante toda minha vida fui apressado por aqueles que previam a destruição do mundo na próxima esquina. Se tivesse respondido às suas previsões, seria um homem perdido. Embora esteja certo de que a destruição do mundo ou o iminente retorno de Cristo podem acontecer hoje mesmo, também estou preparado para viver como se tivesse mais mil anos pela frente.

Mito 3 – Um pastor precisa estar sempre disponível para qualquer emergência. Quando era ainda um jovem pastor, tinha a ideia de que o chamado para o ministério significava que meu tempo pertencia à congregação dia e noite, 52 semanas ao ano. Com muita frequência, ouvia sussurros de admiração pelo homem dedicado, que nunca tinha um dia de folga, raramente tirava férias, e se mostrava sempre imediatamente acessível. Houve um tempo em que realmente acreditei nesse tipo de mentira, e me sentia culpado porque tais exigências me incomodavam.

Ainda acredito que um pastor deve ter uma acessibilidade razoável. Por outro lado, não tenho mais receio de inacessível aos membros de minha igreja quando é chegado o momento de estar sozinho, de passar tempo com minha família, ou de aproveitar os momentos agradáveis da vida neste mundo maravilhoso. Durante os vinte anos em que fui pastor de três congregações diferentes, enfrentei apenas algumas situações em que minha presença era imediatamente necessária.

Mito 4 – Descanso, diversão e lazer não são utilizações válidas do tempo. Você se lembra daquela pergunta bastante intimidante que nos faziam quando éramos jovens? “Se Jesus voltasse enquanto você estivesse fazendo isso (vendo um filme, beijando sua namorada ou saindo com os amigos), gostaria que Ele lhe encontrasse nessa situação?”

Essa pergunta persiste de maneira irritante em nossa vida adulta. Ela pode agora surgir em nossa consciência ao nos perguntarmos o que Jesus pensaria se voltasse e nos encontrasse jogando bola, fazendo canoagem, assistindo a um show, ou, imagine, vendo um jogo de futebol. De onde vem esse desconforto em relação aos momentos de descanso, diversão e lazer?

Acredito que classificamos nosso tempo como bom, melhor e ótimo. Consideramos o ministério como um “ótimo” uso do tempo; todas as outras atividades são classificadas como inferiores. Errado! No conjunto, o Deus da Bíblia deve estar tão satisfeito quando seus filhos se divertem quanto quando trabalham, onde cada um procura potencializar a eficácia do outro. “Retire-se e descanse” são palavras de Cristo. “E Deus descansou e se revigorou” são as palavras de Moisés.

Mito 5 – É glamouroso, até mesmo heroico se desgastar e comprometer os relacionamentos, se você puder provar que seus amigos, seu cônjuge ou sua congregação lhe deixaram porque você estava cumprindo fielmente o seu chamado. Embora não queira diminuir o santo que deu sua vida pelo evangelho, considero igualmente importante a busca por uma longa vida de serviço que culmine em uma velhice repleta de sabedoria e experiência a serem passadas à próxima geração.

Precisamos do exemplo do homem que deixou tudo e “o seguiu”, mas também precisamos do modelo do homem que conseguiu manter um bom casamento, criar filhos com o caráter de Cristo, e que tenha algo a ensinar ao atingir a respeitável terceira idade. Se há inspiração em um Henry Martyn e em um David Brainerd, que morreram ainda jovens, há também muito a ser dito de um Stanley Jones e um L. Nelson Bell, que morreram depois dos 80 anos, deixando uma reserva de experiências acumuladas.

Mito 6 – Uma geração anterior de missionários deixava seus filhos regularmente aos cuidados de outras pessoas e ia para diversas partes do mundo. Eles trabalhavam com a ilusão de que, se fossem fiéis ao ministério, Deus garantiria o crescimento e desenvolvimento de seus filhos. Infelizmente, muitas dessas pessoas descobriram que não é assim que funciona.

Nós, que fazemos parte do ministério cristão, não deveríamos ter uma família se não estivermos comprometidos a cuidar dela corretamente. Nossa família não é problema de outra pessoa. Quando estava no início da minha vida pastoral, perguntei certa vez a um pregador mais velho: “O que é mais importante, minha família ou a obra do Senhor?” Nunca me esqueci de sua resposta: “Gordon, sua família é a obra do Senhor”.

O MUNDO DO TEMPO PESSOAL

“Quais são os momentos, fora do trabalho, de que nós, que trabalhamos no ministério, mais necessitamos?” Seria uma surpresa se dissesse que a minha primeira necessidade como pessoa é passar um tempo sozinho? Isso abrange a solidão espiritual, onde eu possa estar em comunhão com Deus, como o próprio Cristo fazia; mas também inclui tempo para pensar, para me exercitar e fazer companhia a mim mesmo.

Quando estamos constantemente entre o barulho e a correria das pessoas e das programações, quase não temos a oportunidade de pensar, e a falta de tempo para fazer isso inibe nosso crescimento.

Com alguma regularidade, acrescentei em minha agenda um dia de solidão, para falar, sentar, remar em um rio. É vitalmente importante ficar um período em silêncio. Nesses momentos de solidão, minha mente e espírito voltam a ser uma fonte de ideias e possibilidades. Sou capaz de entender as questões que estou enfrentando, sejam relacionadas à fé, emprego ou relacionamentos.

Naturalmente que esse período de solidão pode incluir nossos cônjuges. Em nossa casa, acreditamos que nosso casamento é um presente, em si mesmo, para nossa congregação, já que é um modelo de relacionamento cristão. Portanto, eu e minha esposa entendemos a importância de maximizar nossas oportunidades de comunhão um com o outro, para que nosso relacionamento se mantenha saudável e completo. Procuramos ter esses momentos diariamente, conversando sobre o nosso dia quando chegamos à nossa casa. Chamamos esse encontro de nosso “momento de tranquilidade”.

Em minha vida privada, me conscientizei de que também preciso de um tempo para o descanso. Nenhum de nós, que trabalhamos na liderança, pode ficar sem esses períodos, que surgem inevitavelmente depois de gastarmos altos níveis de energia emocional. Eles também podem vir depois de um período muito intenso de interações com as pessoas, quando nos sentimos esgotados de tanto conversar, tomar decisões e aconselhar.

Um momento de cansaço e desânimo para os pregadores pode ser a manhã de segunda-feira. A grande exposição às pessoas no domingo cobra seu preço no dia seguinte. Assim, no segundo dia da semana, é mais provável que o pastor tenha uma atitude mais autocrítica, negativa em relação aos assuntos da igreja, e que se sinta irritado quando alguém tenta invadir o seu dia.

O que pode ser feito a respeito desses períodos de cansaço? Se as manhãs de segunda-feira são deprimentes, então evite marcar compromissos que desgastem ainda mais. O trabalho e o descanso devem se encaixar ao humor daquele período. Se olhar minha agenda e vislumbrar um período de dez dias de intensa programação, imediatamente tento reservar um dia antes desse período para descansar e restaurar as energias.

Eu vejo o período sabático mais como uma parte do tempo reservada para reflexão, descoberta espiritual e uma recontagem alegre das atividades e conquistas passadas. Não se trata de um momento para realizar tarefas domésticas, se divertir ou ir a festas, mas de buscar um retiro, um refúgio.

Esse período serve para adorar, meditar e encher o espírito. O resultado é a restauração.
Fico impressionado com a declaração de João: “Então cada um foi para a sua casa. Jesus, porém, foi para o monte das Oliveiras” (João 7.53; 8.1).

Nosso Senhor sabia que havia se desgastado e que precisava de uma restauração sabática. As outras pessoas voltaram para suas rotinas barulhentas e atribuladas; Cristo procurou o silêncio, onde a voz do Pai celestial podia ser ouvida. Quando Ele voltou do monte, ele tinha coisas novas e frescas para dizer.

Há ainda outra coisa no setor particular da vida – que acredito que os pastores deveriam buscar – o qual chamo de tempo de crescimento. Comece com o tempo de crescimento físico, por exemplo. Para mim ele ocorre entre às 5h e 6h, toda semana, quando corro por cerca de 40 a 45 minutos. Tempo de crescimento significa exercitar a mente também.

Tento, todo mês, ir até a biblioteca pública para conhecer novos títulos e adquirir mais conhecimento, algo que pode ser bom para mim e para a congregação. Também abracei, deliberadamente, um novo hobby durante a meia idade que garante privacidade, diversão e mobilidade. Para mim é a fotografia. Para John Stott era a observação de pássaros. Para outro amigo pastor, tem sido a marcenaria, e para outro, o conserto de relógios antigos. Gosto do meu hobby porque ele permite que eu aproveite as minhas viagens para ampliar o número de lugares para tirar fotos.

DISCIPLINA E TEMPO

Como mantemos a ordem em nossos momentos públicos e privados? Várias observações aleatórias sobre coisas que aprendemos com o passar dos anos podem ser úteis. Primeiro, acreditamos na necessidade de uma agenda. Minha esposa e eu temos, há muitos anos, um calendário geral. Com cerca de seis a oito semanas de antecedência, escrevemos várias atividades nos campos reservados ao tempo pessoal e as incluímos na agenda antes que os eventos da igreja comecem a aparecer.

Segundo, costumamos tirar o telefone do gancho em vários momentos. Nosso telefone não toca durante o jantar, durante os momentos de discussão em família, e em períodos de estudo ou meditação. Não consigo me lembrar de nenhum momento em que tenha sido necessário que eu fosse imediatamente acessível.

Terceiro, minha esposa e eu aprendemos, há muitos anos, que precisamos ter disciplina para aquilo que chamo de “tempo a sós entre marido e mulher”. Nossos filhos têm compreendido nossa necessidade de tais momentos, e agora que estão crescidos, não precisam mais tanto de nós, e, portanto, não somos interrompidos quando precisamos desse tempo a sós.

Quarto, nós aprendemos a lei da qualidade do tempo. Sempre que estamos juntos como família ou como casal, temos o cuidado de estarmos atentos para nossa atitude mental, nossas roupas e modos. São coisas que faríamos pelos membros da nossa igreja, então por que não fazer isso por aqueles que estão mais próximos a nós? Tentamos, em nossa casa, nos programar de forma a conseguirmos oferecer uns aos outros nossos melhores momentos no mês, quando nossas mentes, emoções e corpos estão vivos e alertas.

E quinto, aprendemos a coincidir nossas atividades recreativas com as necessidades familiares. Percebi cedo que não podia buscar momentos de diversão e lazer com meus amigos e ainda ter quantidades adequadas de tempo para dedicar ao lazer com minha esposa e meus filhos. Portanto, fiz escolhas logo no início de minha vida familiar, de fazer atividades em que meus filhos pudessem me acompanhar, como remar, acampar, caminhar e etc.

Conheça seu tempo. Se não o conhecermos, seremos incapazes de atribuirmos valor a ele e aí o desperdiçamos – o que não agrada a Deus; não maximiza a nossa eficácia como líderes espirituais. Mas, ao aprendermos a organizar nosso tempo pessoal, aumentamos as chances de sermos mais atentos, mais eficazes e, portanto, mais parecidos com aquilo que Deus deseja e que nossas congregações precisam.

Gordon MacDonald


Artigo publicado originalmente no site Cristianismo Hoje em junho/13. Os conteúdos da Cristianismo Hoje, a partir de maio/17, estão incorporados, com autorização, à plataforma da Revista Comunhão (Next Editorial)

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