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sexta-feira, 19 abril 2024

Luto: Tempo de dor e de esperança

Bom e agradável é quando os irmãos vivem em união. Foto: Freepik
Bom e agradável é quando os irmãos vivem em união. Foto: Freepik

Os Evangelhos mostram que quem está em Cristo, ao morrer, entra no descanso eterno e tem uma existência sem fim e sem dores, ao lado de Deus

Por Fabiana Tostes

Ele pode durar dias e até anos. Ser acompanhado de pranto, dor, culpa, revolta e de uma pergunta que talvez nunca seja respondida: “por quê?”. “Por que eu estou passando por isso?” “Por que o luto me alcançou?”. A morte é observada sob vários pontos de vista mesmo no Brasil, cuja população é majoritariamente cristã. “As culturas que formaram a nação trouxeram suas manifestações acerca do fim da vida. Africanos, asiáticos, europeus, indígenas, orientais, cada qual a seu modo, e os brasileiros mantêm vivas tradições e crenças diferentes sobre a morte, que para uns é um deslumbramento e que para outros significa a derrota total”, explicou Vilmar Diniz, pastor batista e professor de Grego e Exegese do Novo Testamento.

O especialista ressaltou que, para a ciência, este é o caminho natural de todos os seres. “É o cessar do pulso e a inatividade cardíaca e cerebral.” Mas, para o cristianismo, não é um ponto final. “A compreensão é de que se trata de uma passagem, um momento de travessia, na crença de que a vida continuará de outra maneira, em uma condição espiritual.” O Pr. Charles Pinto, da Igreja Adventista do Sétimo Dia, faz coro. “A morte é um estágio, e não um fim em si mesmo. A promessa bíblica de Cristo é: ‘Eu sou a ressurreição e a vida; quem crer em mim, ainda que morra, viverá’ (João 11:25)”, afirmou o líder ministerial, baseado nas palavras de Jesus para as irmãs de Lázaro, Seu amigo que havia morrido e O feito chorar. Os Evangelhos declaram que aquele que está em Cristo, ao morrer, entrará no descanso eterno e terá uma existência sem fim e sem sofrimentos, ao lado de Deus. As Escrituras Sagradas atestam sobre essa esperança, mas, mesmo sabendo e confiando nessa verdade, não é fácil aceitar a morte. E como lidar com a dor quando a perda é do filho primogênito, de apenas 2 aninhos? Ou quando quem parte é o marido, em plena lua de mel? Ou ainda quando simplesmente a pessoa que vai embora, sem abraços e despedidas, é aquela que você amava? “Não fomos feitos para morrer. Deus nos fez para vivermos eternamente (Gênesis 1:26-28). O pecado mudou essa realidade, mas o maior desejo de Deus é nos restaurar ao plano original”, ressaltou o Pr. Charles.

Um instante que muda tudo

O feriado de 12 de outubro de 2015 já estava perto quando a coordenadora administrativa Josiane Britto se preparava para viajar com o marido, Diego Costa, e com a prima, Aline Britto, de Itajaí, em Santa Catarina, para Vila Velha, de carro. Capixaba, o casal, que formalizara a união havia apenas três meses, deixou a família no Espírito Santo em 2014 por causa de uma oportunidade profissional e queria aproveitar o feriado para rever os parentes. “Em 2015, vivi o melhor ano da minha vida. Minha prima Aline, uma missionária e levita que eu admirava muito por seu relacionamento com Deus, foi para Florianópolis estudar missões. Em julho, eu e Diego nos casamos. Mas no feriado de outubro fizemos a viagem que mudaria nossas vidas para sempre. Viajamos de carro. Por estar cansado, meu esposo cochilou ao volante e batemos de frente com um ônibus, em Campos (RJ)”, contou Josiane.

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Aline foi arremessada para fora do carro e morreu na hora. Diego também não resistiu. Josiane foi socorrida e levada ao hospital com hemorragia interna. “Sei exatamente o que é querer morrer, o que é se sentir culpada por estar viva, sentir o vazio, a dor, vendo todos os seus sonhos sendo enterrados. Eu não conseguia ver Deus nisso. Como assim levar meu esposo, um homem maravilhoso, íntegro, bom, e minha prima, separada por Deus com dons extraordinários? Eu me sentia injustiçada pela perda. E só questionava o porquê.”

“É imprescindível que a pessoa enlutada aceite e reconheça a perda e as emoções que as seguem” – Fabiana Maron, psicóloga

Um outro acidente, porém de moto, marcou também para sempre a vida da artesã Maria Helena Macedo. Ela estava em casa, na tarde de 26 de janeiro de 2009, quando recebeu a notícia de que seu filho Felipe, que há 15 dias havia completado 19 anos, morrera ao perder o controle do veículo e bater num poste. Quebrou o pescoço e fraturou o crânio. Foi fatal. “Antes de o meu filho mais velho comprar a moto, eu e o pai dele dissemos que era muito perigoso. Ele pegou a moto no sábado e na segunda aconteceu isso. Eu estava bordando quando Felipe disse que levaria o colega até o serviço dele. Depois, meu filho mais velho ligou para o celular do Felipe, porque ele estava demorando, e um policial atendeu e contou sobre o acidente. Na hora eu não acreditei”, disse Maria Helena, ou Lena, como é mais conhecida na Igreja Presbiteriana, onde congrega.

Entrevista no aniversário da morte do filho

O pastor e professor Vilmar Diniz, que contribuiu para a realização desta matéria, foi entrevistado exatamente no dia em que se completaram 10 anos da perda de seu filho Joel, que morreu aos 2 anos e 10 meses, após enfrentar 18 cirurgias, três infecções generalizadas, uma cirurgia no coração e uma endocardite. O óbito veio após um erro durante a aplicação de uma medicação que gerou choque anafilático. Joel nasceu com má-formação congênita e passou a maior parte do seu tempo de vida num hospital. “Minha esposa, Luzinete Taylor, e eu perdemos um filho de 2 anos e 10 meses em 13 de outubro de 2006, há exatos 10 anos. Posso dizer que tudo foi muito difícil, principalmente para a mãe, que viu o menino morrer em seus braços. Depois do sepultamento, vieram os primeiros dias, o primeiro mês, o primeiro ano, e assim foi sendo contado o tempo. Não esquecemos o filho, mas as memórias são lembradas mais espaçadamente com o passar do tempo”, disse. Foi por acaso que Vilmar aceitou dar a entrevista, agendada com outro pastor, que na hora não pôde atender. “Nunca pensei em dar uma entrevista sobre luto nesta data tão marcante. Mas fazer isso não me trouxe nenhum sentimento ruim; pelo contrário, só me faz lembrar as coisas boas.”

O pastor contou que, quando chegou ao hospital e soube da morte do filho, não se desesperou, mas teve a certeza de que a criança estava com Deus e que tinha recebido, finalmente, o refrigério depois de tanto sofrimento. “Nós ficamos tranquilos, com saudade, é claro, mas tranquilos por sabermos que o sofrimento de Joel havia acabado.

Nunca, em hipótese alguma, questionamos Deus, porque nós acreditamos que Ele pode transformar alguma coisa muito ruim em coisa boa. Deus é sempre bom, Deus é sempre amor”, afirmou.

Jesus suportou ser humilhado e crucificado. Mas, ao se deparar com o amigo Lázaro morto, chorou. Não era um sinal de fraqueza nem impotência diante da morte, mas a demonstração da humanidade de Cristo diante de um dos momentos mais doloridos para o ser humano: a passagem pelo luto.

O primogênito, sentindo-se culpado por ter comprado a moto, entrou em desespero, e a outra filha começou a chorar. Lena precisou tomar uma atitude. “Eu olhei para o alto e falei: ‘Senhor, dá-me força para vencer!’. Juntei-me com eles e disse que tudo era para a glória de Deus. Eu nunca tinha lidado com a morte, ninguém imagina que um filho vá primeiro que a gente, isso não é natural”, disse. Reação parecida teve o marido de Lena. “Meu esposo foi até o local, ajoelhou, levantou as mãos para o céu e lá mesmo agradeceu a Deus pelos 19 anos e 15 dias que Ele tinha nos dado o Felipe. Meu filho era presidente da União Presbiteriana dos Adolescentes, tinha se dedicado para ser diácono da igreja, tocava no louvor. Sinto muito a falta dele.”

A jornada do luto

O processo do luto pode se diferenciar de pessoa para pessoa. “É individual e muito subjetivo. Quem se permite vivenciar esse processo o vive até dar sentido à sua perda. De posse desse sentido, consegue superar, mesmo que o que foi perdido ainda lhe falte”, explicou a psicóloga Fabiana Maron. Não há um prazo definido para a passagem pelo luto, que pode durar dias e até anos, acrescentou. “Estudiosos afirmam que o período saudável é de no máximo dois anos. É imprescindível que a pessoa enlutada aceite e reconheça a perda e as emoções que as seguem. De posse desse conhecimento, ela poderá ressignificar seu mundo e seguir em frente.”

Nesses casos, o papel do psicólogo é o de legitimar o sofrimento e a perda, pois muitos que passam por esses episódios escondem e até negam o baque. E nesse momento é importante chorar e se deixar sofrer. “O choro é um escape dado pelo Criador para extravasarmos, seja na alegria extrema, seja na dor profunda. Uma mãe ou um pai que ficam sem os filhos repentinamente, por acidentes ou situações similares, tendem a sofrer por mais tempo do que alguém que perde um idoso no final natural da vida do ser humano. Chorar e sofrer a dura realidade de uma separação é normal. Mas, quando vemos na morte como um fim em si mesmo, isso traz duras consequências”, frisou o Pr. Charles. Passar pelo ritual do funeral também ajuda na aceitação, segundo o Pr. Vilmar. “Ver o corpo da pessoa que foi tão querida descer à sepultura dá uma sensação de trabalho cumprido, realizado. Quando acontece de alguém morrer e não poder ser identificado e sepultado, há um sofrimento maior, uma comoção geral. É por isso que existe tanto sofrimento quando ocorre uma queda de avião, e os corpos não são encontrados. Para os que ficam vivos, permanece a dúvida sobre a morte do ente querido, dando a impressão de que poderá voltar a qualquer momento. Certamente que o sofrimento torna-se mais acentuado. Os rituais de funeral, a despedida, o culto religioso, a palavra do padre ou do pastor, o momento de fechar o caixão, a descida à sepultura, o jogar um punhado de terra ou uma flor sobre o esquife, até o momento quando a sepultura é lacrada, são importantes para ajudar a enfrentar esse momento triste.”

Deus + Tempo: Melhor remédio!

Um ano já se passou desde que Josiane perdeu o marido e a prima. Sete, desde que Lena viu seu filho pela última vez. Com o decorrer do tempo, elas contam que aprenderam a lidar com o luto. “Falo para as pessoas que a cada dia é uma nova lição. Algo que aprendi com a morte do meu filho é que é preciso viver em paz com tudo e com todos, porque não sabemos a hora que Deus vem nos buscar. Se eu não tivesse Deus, eu estaria doida ou morta. Eu já tive depressão quando solteira, e meu marido achou que eu não fosse resistir”, disse Lena.

Os primeiros 15 dias foram os piores. “Nessa época, eu estava ouvindo rádio e tocou um hino que ele gostava muito. Deu-me um desespero, tive vontade de ir ao cemitério e tirá-lo de lá, mas Deus me segurou. Eu me perguntava: ‘Deus, por que eu não segurei o Felipe?’ E Deus sempre me respondia que Ele é que o tinha levado. Foi a moto, mas poderia ter sido a escada ou qualquer outra coisa. Antes sentia muita dor no peito, como se um punhal estivesse enfiado. Lembro-me de que eu coloquei a mão no meu peito, pedi para Deus me dar forças e tirar a dor porque estava me impedindo de viver, e Ele tirou. Hoje só sinto saudades. Bendito seja o nome do Senhor! Tudo é para glória dEle!”, falou.

As cenas do acidente ainda são muito vívidas nas lembranças de Josiane, mas ela tem aprendido a seguir em frente. “Antes de qualquer coisa, posso dizer que com a perda eu aprendi o verdadeiro valor do hoje, de amar as pessoas e de demonstrar o que se sente por elas. Dias depois, Deus respondeu aos meus ‘por quês’. Ele falou comigo em João 13:7: ‘O que eu faço, tu não o sabes agora, mas depois entenderás’. Tive o suporte da família e dos amigos. Minha primeira lição foi de me permitir ser cuidada e receber amor. Procurei também ajuda em outras pessoas que passaram por situações semelhantes e conseguiram seguir em frente, o que não significa esquecer ou não sentir falta, mas sim aprender a lidar com a dor. Tive acompanhamento psicológico por dois meses. Busquei Deus em todo tempo, me afastei das redes sociais, me permitia chorar, mas sempre buscando o equilíbrio. Busquei atividades físicas, comecei a correr e eliminei 10 quilos dos 15 que engordei neste ano. Voltei para Santa Catarina e retornei ao trabalho. Não foi fácil, mas decidi todas as manhãs seguir a mesma instrução: por hoje eu decido superar! E assim vou vivendo um dia de cada vez.

“Chorar e sofrer a dura realidade de uma separação é normal. Mas, quando vemos na morte como um fim em si mesmo, isso traz duras consequências” – Charles Pinto, pastor da Igreja Adventista

Seis meses após o dia fatídico, Josiane se especializou em coaching e hoje também ajuda outras pessoas a superar suas “chagas”. “Se permaneci viva é porque Deus tem um propósito nisso tudo. E busco nEle não o motivo de isso ter acontecido comigo, mas sim a força e a graça para crer e seguir adiante, ajudando também outras pessoas.”

Talvez a lição mais importante que possa ser tirada do luto é o de valorizar cada momento da vida, fazendo as escolhas certas, optando por amar, perdoar e buscar a Deus, o autor da vida. “A Bíblia, em Eclesiastes 7:2, diz que ‘melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque naquela está o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração’. Também diz no versículo 4: ‘O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos, na casa da alegria’. Na visão do escritor de Eclesiastes, a morte ensina sobre a vida. E é em momentos de luto que aprendemos o valor da vida. O período do luto é favorável para uma reflexão sobre a importância do existir, da família, do próximo e daqueles com quem convivemos. A vida não valeria a pena, e aí muitos desejam e praticam a própria morte, não fossem o prazer de viver e o convívio com os entes queridos”, afirmou o pastor Vilmar. Ele mesmo já passou pela experiência de perder um filho de 2 anos e venceu a dor.

A morte é real, isso é fato. Porém, não se pode perder de vista a promessa contida na Bíblia de que haverá um dia em que todas essas coisas passarão e um novo tempo chegará aos filhos de Deus: “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor… (Apocalipse 21:4)”.

Só há uma motivação capaz de fortalecer os enlutados e de fazê-los caminhar, conservando a fé e confiando no Espírito Santo, o Consolador: a esperança de que um dia, por fim, a morte será tragada e que o reencontro com aqueles que se foram será possível.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 230 da Revista Comunhão, de julho de 2017. As pessoas ouvidas e/ou citadas podem não estar mais nas situações, cargos e instituições que ocupavam na época, assim como suas opiniões e os fatos narrados referem-se às circunstâncias e ao contexto de então.

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