Como Lugar de fala e poder, é preciso dar voz e visibilidade àquilo que estava mudo e invisível
Lugar de fala e poder! Ingressei na vida pública tendo sido tragada por ela. Como sabem, sou filha de camelô e, por 15 anos, constituí família, eduquei filhos e construí casa, com a banca de vendas ali na Praça Costa Pereira, ao lado do Theatro Carlos Gomes, em Vitória.
Nós, camelôs, sempre fomos tratados como um bando de gente fora da lei. E inúmeras vezes fomos vítimas de fiscais, polícia e outros que não respeitam esse meio de trabalho e sustento. Mas tínhamos a nosso favor camadas populares e clientes que nos animavam a ganhar o pão nosso de cada dia.
Pois bem, meu primeiro ato de bravura foi na defesa daquela categoria. Foi das perseguições e injustiças, de ver bancas derrubadas e mercadorias apreendidas, que surgiu aquilo que me levou à vida pública: tomar atitude pela indignação aos atos de covardia. Aí quando se vê, a gente se torna liderança da luta.
Assim, a líder do movimento que exigia respeito aos camelôs, logo, logo, estaria envolvida com vizinhos e moradores lá na periferia, no limite entre Cariacica e Viana. Não por acaso o bairro se chama “Operário” e minha rua, “Do Trabalho”. Reorganizando e presidindo a Associação de Moradores, iniciamos a verdadeira revolução que resultou na pavimentação de 28 das 30 ruas, que antes estavam sujeitas a poeira ou lama, além dos muitos equipamentos públicos e comunitários da região.
Em face disso, elegi-me vereadora e adotei o gabinete itinerante, indo aonde o povo me convidasse. Eu e minha equipe íamos dentro do “Jaquemóvel”, a Kombi do mandato.
“O cristão que tem vocação para política exerce seu trabalho para que a justiça, tanto quanto a fé, se manifeste e se propague, como resultado de seu testemunho.”
Foi bom ser vereadora numa cidade com múltiplas carências: econômicas, sociais, urbanas, culturais e afetivas. Encontrar pessoas e ouvi-las faz toda a diferença. Nem sempre resolvi as demandas, mas saber sobre elas e tratá-las com as esferas dos poderes públicos transforma-nos em ponto de afirmação, de esperança e de confiança para as pessoas. Muitas delas não têm qualquer acesso aos serviços da cidadania. Dar informação e orientar traz conforto e segurança aos desamparados da fé nas instituições e na vida. E encorajá-las a seguir e se superarem, é sem dúvida, enorme mérito.
Também aprendi mirar a luta contra outras vulnerabilidades sociais. Inclusive, por minha condição de mulher, de negra e de moradora de periferia, descobri que é preciso dar voz e visibilidade àquilo que até então estava mudo e invisível. E que política é modo e meio, ciência e arte, para compreender o ato de indignação com a injustiça e desigualdade, e tomar atitude em busca de justiça, verdade, cidadania e vida digna.
Ao tornar-me a primeira mulher negra e periférica eleita vice-governadora do Estado, recebi do governador Renato Casagrande mais que simplesmente a cadeira ao seu lado. Ele me disse: “Vá, Jaqueline, dar voz e lugar aos que possam se reconhecer com sua presença no centro do poder”.
Tenho, portanto, a feliz oportunidade de fazer na política aquilo que fiz como camelô e como líder comunitária e com o sentimento das ruas que adquiri como vereadora. Mobilizando as pessoas, criando alternativas empreendedoras, convocando mulheres para ocuparem seus lugares de fala e poder e promovendo democracia, cidadania e justiça social.
Jaqueline Moraes(PSB) é vice-governadora do Estado do Espírito Santo
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