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sábado, 7 DE dezembro DE 2024

Líderes eclesiásticos estão entre os mais afetados pelo burnout

Foto: MVolodymyr/Shutterstock

Especialista esclarece o que é essa síndrome, que tem afetado pastores no Brasil e no mundo, como também suas causas, sintomas e prevenção

Por Patricia Scott

No contexto pastoral, a Síndrome de Bournout pode ser desenvolvida devido ao papel multifacetado dos líderes religiosos. Com frequência eles enfrentam uma carga excessiva de responsabilidades, incluindo aconselhamento espiritual, gestão administrativa e financeira, organização de eventos e serviços, além da necessidade constante de estar disponível para a congregação. Essa ampla gama de tarefas pode levar a um estresse constante e, eventualmente, a um quadro de exaustão que impossibilita a continuidade do exercício profissional (ou, no caso, pastoral).

O estudo The State of Pastors (A Situação dos Pastores, em tradução literal), realizado pela Visão Mundial Internacional e Instituto Barna Group, mostra que 56% dos líderes religiosos sofrem com depressão e 65% se sentem solitários e isolados. Além disso, um em cada três pastores corre risco de esgotamento. Ainda que apenas 24% de todos os pastores afirmem não conhecer nenhum colega afetado por burnout, três em cada quatro (76%) dizem que sabem de pelo menos um colega cujo ministério terminou devido ao esgotamento.

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“A síndrome de burnout vem crescendo no meio eclesiástico. Ainda não temos um entendimento sobre como reduzir este impacto”, pondera o psiquiatra Roberto Aylmer, especialista no assunto e também em Gestão da Pressão e Desenvolvimento de Liderança.

Ele acrescenta, no entanto, que é humanamente impossível que uma pessoa seja capaz de pregar com profundidade e fervor, que administre as finanças com compaixão e assertividade, que atue com seus liderados com paciência, tempo e mentoriamento, que tenha tempo para todos os enterros, batizados e casamentos de sua congregação e ainda seja um bom marido, pai presente e cuide de sua saúde física e mental. “O que pedimos dos pastores não parece razoável para um ser humano, mas sim para a Liga da Justiça”. Confira a entrevista:

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O que é a síndrome de burnout?
É importante separar a expressão burnout (quase uma gíria americana para exaustão, estafa, cansaço) da síndrome de burnout, que foi redefinida no Código QD85 do CID como doença ocupacional, e não como doença mental. CID é uma abreviação para Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, uma convenção médica global, coordenada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A OMS reconhece o burnout como a “condição resultante de uma equação onde o estresse crônico no local de trabalho não foi gerenciado da forma adequada” e o colaborador adoeceu por fatores ligados ao trabalho, não ao próprio trabalhador, ou seja: um problema da gestão e da empresa (ou instituição), e não do empregado.

Também é importante diferenciar a síndrome de burnout do cansaço: este melhora com férias, descanso e coisas que alegram a vida, como encontro com amigos, celebrações e momentos significativos com pessoas que amamos. No caso da síndrome, o indivíduo não consegue descansar nas férias. Ele fica preocupado com o trabalho e tenta mostrar que tem valor, embora sinta, em seu íntimo, que não vai dar conta (situação também conhecida como síndrome do impostor).

Quais as causas mais comuns da síndrome de burnout?
Ela acontece quando a empresa/instituição pede mais do que o indivíduo pode dar e oferece menos recursos do que ele precisa para superar os desafios propostos. Nas igrejas, a redução dos quadros de pastores, com aumento das demandas da responsabilidade por diferentes áreas, faz com que a pressão sobre eles cresça mais do que o suporte e a sua condição real de entrega, criando uma equação perigosa.

Considere o que aconteceu desde a pandemia: o Brasil já tinha sido apontado pela OMS como o país mais ansioso do mundo em 2019 e veio uma grande pressão, por um longo tempo. Durante o lockdown, ou os pastores migravam para as mídias digitais ou não teriam qualquer contato coletivo com o rebanho, ou seja: todos foram obrigados a pregar, falar, conversar com uma tela de celular (de baixa qualidade), com uma internet lenta, mas acabaram automaticamente comparados com pastores influencers no ambiente evangélico, que têm alta experiência em falar nas mídias, equipes técnicas bem preparadas e materiais prontos para isso. Foi um “combate desigual”.

A frustração foi devastadora porque as comparações aumentaram muito. Se o membro da igreja decide, em um clique, se ouve o seu pastor local ou o pastor superstar, qual você acha que ele prefere?

De volta à pergunta: as principais causas da síndrome de burnout são a carga excessiva de trabalho (maior do que o indivíduo pode atender), a pressão crescente (expectativas) por resultados, a falta de autonomia para gerenciar o tempo e a tarefa e, principalmente, o ambiente tóxico, onde não existe um suporte emocional para que o indivíduo se sinta apoiado em seus desafios.

Líderes eclesiásticos estão entre os mais afetados pelo burnout
Roberto Aylmer destaca: “O pastor não é um funcionário, que tem um salário. Ele é um missionário e tem uma missão” – Foto: Divulgação

Como é feito o diagnóstico e quais os sintomas da síndrome de burnout?
O diagnóstico refere-se apenas aos fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado em outras áreas da vida, isto é: uma pessoa não desenvolve essa síndrome porque tem conflitos com a esposa ou com o marido. Sendo uma doença ocupacional, ela aponta para a responsabilidade direta e indireta que a empresa ou instituição tem sobre a saúde integral dos seus colaboradores. Assim, quando um pastor adoece e é diagnosticado com síndrome de burnout, a responsabilidade pelos seus proventos e tratamento é da igreja. Não é sinal de fraqueza moral ou espiritual, mas sim de que o contexto do seu trabalho foi tão adoecedor que ele sucumbiu. Agora, precisa ser tratado.

A síndrome pode ser reconhecida pela perda progressiva de capacidade de entrega, ou seja, no contexto de uma igreja, um pastor que era reconhecido como um bom líder, depois de um tempo, pelo aumento da cobrança de um Conselho ou Assembleia, vai vendo sua performance decair até adoecer e ter que se afastar. Além do esgotamento e perda progressiva da capacidade laboral, cresce o distanciamento entre o que a pessoa fala e o que ela vive, ou seja, instala-se um cinismo que vai corroendo seus valores até que ela saia da função ou seja demitida por algum escândalo.

Como prevenir a síndrome do burnout?
O primeiro ponto é entender que é um problema da cultura da empresa ou instituição. E cultura não é o que se lê nas paredes ou nos versículos bíblicos escritos e falados por todos, mas o que acontece na vida real, nos bastidores.

O segundo ponto é que não tratamos pneumonia com aspirina nem síndrome do burnout com “sessões de descarrego”. Sem tratar o problema real, as igrejas serão vistas da mesma forma que algumas empresas: como “máquinas de moer gente”.
A questão mais grave para a igreja é que o seu “produto” é a Palavra de Deus e Seus princípios. Como podemos tratar das ovelhas e matar os pastores? Tem algo errado neste contexto.

O terceiro ponto é que não se trata problemas complexos com ações simples. Cada empresa ou igreja tem uma realidade particular e um grau de limitação. As pessoas não querem muito: elas querem o básico, que é voltar para casa melhores do que estavam quando saíram para o trabalho. Em outras palavras, faz parte do compromisso central de uma empresa, e mais ainda de uma igreja, melhorar o meio ambiente, melhorar a sociedade e melhorar a vida dos seus colaboradores. Isso é compromisso e uma demanda legal, não um favor ou uma benevolência.

Na medicina e na vida, quanto mais cedo o diagnóstico, mais simples (e barato) o tratamento.

1. Diagnóstico precoce: pesquisas podem apontar para um desequilíbrio importante entre as demandas e a capacidade de entrega do grupo.
2. Estudo sobre a demanda de trabalho comparada com a capacidade de entrega dos colaboradores – no caso das igrejas, os seus pastores.
3. Aumento da participação dos colaboradores/pastores sobre seu trabalho: fator que mostra a confiança da empresa no colaborador e favorece o seu amadurecimento.
4. Segurança psicológica: ambiente onde se pode errar, aprender e crescer sem medo do “fogo amigo”. Isso, nas igrejas, é muito raro. Lamentável, mas podemos ser mais humanos nas empresas do que nas igrejas. Espera-se dos pastores uma vida inoxidável, mas isso não é para homens, e sim para máquinas.
5. Flexibilidade no trabalho: o trabalho flexível se mostrou uma necessidade e uma vantagem competitiva. O que antes era motivo de preconceito, hoje é um imperativo e fator de decisão de permanência para muitos colaboradores. Na igreja temos algumas práticas que defino como hipócritas, como por exemplo, a “folga do pastor” é na segunda-feira.

Se todos trabalham de segunda a sexta, por que os pastores trabalham de terça a domingo? E você já viu algum pastor que realmente desconecta na segunda-feira? Você já viu algum pastor que teve férias de 30 dias e, se conseguiu tirar 30 dias, conhece algum que não foi interrompido por crises, enterros de pessoas importantes ou casamentos já marcados?

Mais do que qualquer estratégia ou iniciativa, os colaboradores e pastores trazem uma pergunta silenciosa para seus líderes ou para a igreja: vocês se importam comigo ou estão apenas me usando? A primeira resposta que vem à mente deles determina se o ambiente onde passam grande parte de sua vida é um fator de saúde e desenvolvimento ou de coação e adoecimento.

Como deve ser a relação do crente com o trabalho?
A relação do crente com o trabalho deve ser a mesma da sua relação com todo o resto: tudo começa a partir da relação com Deus e, dali, ser fiel no pouco. A vida não é o que queremos ou devemos, mas o que conseguimos por enquanto. Medimos com uma medida que não queremos ser medidos. Não podemos esperar dos nossos pastores algo que nós mesmos não estamos dispostos a fazer ou a viver.

O pastor não é um funcionário, que tem um salário. Ele é um missionário e tem uma missão, que não é agradar as pessoas e atender expectativas. Se ele fizer isso, vai se transformando cada vez mais em um mercenário, que luta pelo seu salário e a sobrevivência de sua família ou deixa a igreja e vai trabalhar no que for possível – mas, geralmente, ele não é preparado para isso. Hoje, tenho um pastor trabalhando numa pequena obra aqui na minha casa? Por que ele não está pastoreando a igreja? Porque não bateu a meta de arrecadação e perdeu o emprego e entrou em depressão. São situações assim que ouço no consultório ou nas igrejas por onde passo pelo Brasil.

Qual é o tratamento para a síndrome de burnout?
O tratamento é longo e complexo, mas uma vez que a causa-raiz é o contexto do trabalho, o afastamento é obrigatório e isso muitas vezes não é possível. Mas posso dizer, a partir da minha experiência, que a igreja precisa de arrependimento: não temos honrado nossos pastores como a Palavra de Deus nos orienta. Eles são missionários, não funcionários.

No contexto da igreja, faço um grande esforço de convidar as lideranças de Conselhos, Presbitérios, Diaconia ou qualquer outra liderança que influencie os pastores a considerarem que, se eles tivessem mais apoio e menos cobrança, não teríamos tantos casos de síndrome de burnout entre pastores. Lembrando que os casos são subnotificados, ou seja, o número de pessoas acometidas é bem maior do que as que foram diagnosticadas corretamente e afastadas para tratamento. Uma frase que tem diferentes autores, mas traz uma verdade impactante é: ‘a igreja cristã é o único exército que abandona seus soldados feridos no campo de batalha’.

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