A tristeza de um líder evangélico por um Líbano dividido, e agora devastado. “Somos um país falido”, afirma Joseph Kassab, presidente do Conselho Supremo da Comunidade Evangélica na Síria e no Líbano
A enorme explosão que abalou Beirute, no Líbano há duas semanas, deixou centenas de mortos, milhares de feridos e mais de 300 mil desabrigados de suas casas. Milhões de pessoas em todo o mundo assistiram com horror à detonação de 2.750 toneladas de nitrato de amônio confiscado devastando o porto mediterrâneo e os bairros vizinhos.
O equivalente a um terremoto de magnitude 3,3 foi sentido nas profundezas das montanhas costeiras do Líbano e até Chipre.
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As imagens de destruição lembraram muitos da guerra civil de 15 anos na pequena nação do Oriente Médio, que durou de 1975 a 1990. A Christianity Today conversou com Joseph Kassab, presidente do Conselho Supremo da Comunidade Evangélica na Síria e no Líbano.
Radicado em Beirute, mas nascido em Aleppo, Síria, Kassab refletiu sobre os danos sofridos nos bairros cristãos, os primeiros esforços para ajudar os sofredores e a esperança pelo que esta tragédia poderia produzir na igreja libanesa.
São dias muito difíceis no Líbano. O que aconteceu e quão ruim está?
É muito ruim. Estou no Líbano desde 1984, passando pela guerra civil. Esta é a primeira vez que uma única explosão causou tantos danos. As pessoas ficaram apavoradas. Até agora, não há acordo sobre a explicação, com muitos falando de acordo com seu ponto de vista político. Alguns dizem que foi um problema elétrico. Alguns dizem que foi incêndio criminoso. Outros asseguram que ouviram caças a jato. Temos que esperar, torcendo para que os próximos dias forneçam uma resposta. Esta explosão destruiu grande parte de Beirute, através das linhas sectárias.
Qual é o impacto na comunidade cristã?
As áreas mais próximas do porto em Beirute Oriental são principalmente bairros cristãos e geralmente mais pobres do que outros. Mas mesmo nós nas montanhas tivemos janelas quebradas. Um dos mais afetados foi a igreja Jesus Luz do Mundo no bairro de Qarantina, afiliada à denominação da Aliança Cristã. Mas semelhante era a igreja anglicana de Todos os Santos no centro da cidade. E a histórica Igreja Evangélica Nacional teve todos os seus vitrais destruídos. O pastor se assustou com a primeira vibração, e então a segunda explosão lançou estilhaços bem onde ele estava.
Será difícil limpar e reconstruir?
A família da minha sobrinha veio e ficou conosco porque o apartamento dela está uma bagunça. Você não pode imaginar o que aconteceu. Seus armários caíram em cima dela enquanto ela protegia seu filho de dois anos. São muitas vítimas e feridos. É um desastre para um pequeno país. Como esse material explosivo poderia ser mantido no porto, armazenado nos últimos seis anos, próximo a áreas civis e setores vitais do governo? Perdemos o porto e este é o setor de que mais precisamos neste momento de colapso econômico. É uma situação crônica de corrupção, má administração e interesses egoístas. O povo libanês merece líderes melhores. Até os líderes sabem disso. Em outubro, eles admitiram que o país estava quase falido. E desde então, a situação só piorou. A inflação aumentou 85%. O governo está ficando sem moeda forte no banco central. E os cidadãos comuns não têm acesso aos dólares que possuem em suas contas pessoais. Muitas pessoas já perderam o emprego e as que ainda trabalham recebem apenas metade do salário. E esta manhã eles acordaram tendo que consertar suas casas. De onde eles conseguirão o dinheiro? Somos um país falido, tornando-nos um estado falido.
Como os cristãos do mundo inteiro podem ajudar nesta hora de necessidade?
Precisamos de dinheiro para consertar casas, cuidados médicos e cestas básicas. A Compassion Protestant Society do Sínodo Presbiteriano está ajudando as famílias mais afetadas a reinstalar suas janelas. Os custos de reposição são agora o dobro do verdadeiro salário mínimo mensal. E deve ser pago em dólares à vista, o que quase ninguém faz. Muitas pessoas foram deslocadas de suas casas. A explosão também destruiu bens essenciais no porto, como nosso suprimento de trigo. Todos os dias ouviremos sobre novas faltas. Não existe uma organização única para todos os evangélicos, e cada igreja tem seus próprios programas. Todos podem doar através da denominação a que pertencem. Também estamos sofrendo na educação e pedimos aos nossos amigos evangélicos que apoiem as instituições da comunidade protestante. Isso faz parte da nossa identidade e missão; precisamos manter o nível alto. A Fellowship of Evangelical Schools no Líbano está sob a égide do nosso Conselho Supremo. Vai formar uma delegação para pedir ajuda às embaixadas dos EUA e da Grã-Bretanha, assim como o chanceler francês prometeu ajuda para as escolas. Mas queremos aumentar a conscientização de nossos irmãos no Ocidente e especialmente nos EUA. Temos uma história comum e uma missão comum, iniciada há 200 anos. Estamos dando continuidade ao que seus ancestrais começaram e esta é nossa herança espiritual compartilhada.
Você tem esperança para o futuro? Quais são seus medos?
O mais importante é que o Líbano tenha paz consigo mesmo. Não queremos que visões políticas conflitantes levem a confrontos ou a uma nova guerra civil, como vemos agora na Síria. Tudo o que for externo, podemos lidar com isso. Mas o conflito interno devastará o país. Para a igreja, temos medo de um trem de migração que se aproxima. Mas esta é uma oportunidade de aguçar nosso chamado e viver nosso ministério. Temos que ajudar as pessoas em suas necessidades e diminuir os danos sofridos pela comunidade cristã. Em meio a tanta dor, precisamos nos tornar uma igreja melhor. Não somos chamados para sentar nos bancos, mas para testemunhar de Cristo e trabalhar para o reino de Deus.
*Com informações de Christianity Today