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sexta-feira, 19 abril 2024

Igreja solidária, igreja que ama

A sua solidariedade é uma demonstração de amor que você compartilha servindo ao próximo

Por Lilia Barros

Há muitos anos, numa grande cidade americana, viu-se um outdoor com os seguintes dizeres: “Prostitutas nas esquinas, traficantes e drogados nos becos, crianças abandonadas nas ruas… Que lindo lugar para uma igreja de Jesus Cristo!”. Essa é, em síntese, uma mensagem de amor ao próximo e de empatia à dor e à necessidade do outro.

Compaixão e solidariedade são palavras importantes para a genuína fé cristã. Compaixão tem a ver com “sentir com”, identificação com o sentimento alheio, seja sua tristeza, seja sua alegria.

Solidariedade remete a “sólido, inteiro, pleno”, levando ao entendimento de comprometer-se com a necessidade do outro, demandando uma integridade pessoal superior. A compaixão parece lidar mais com o interior, a vida espiritual, o coração. E a solidariedade trabalha mais com as ações, “sólidas”, “concretas”, que desaguam num comportamento de ajuda e companheirismo prático.

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Igreja solidária, igreja que ama
A Igreja Batista Sementes, na Serra (ES) realiza trabalho solidário e oferece acomodação, alimentação e apoio espiritual a quem precisa.

Ações desse tipo sempre ganham notoriedade na passagem para um novo ano, fazendo aflorar o que há de melhor dentro de cada um. Mas ainda são muitas as oportunidades de exercer o amor ao próximo, pois esse é o fundamento do Evangelho.

O amor define a natureza de Deus, portanto, determina a natureza de quem é nascido de Deus. O evangelista João simplifica dizendo que “quem não ama não conhece a Deus”, e acrescenta: “Aquele que diz amar a Deus, mas não ama ao seu próximo, é mentiroso, porque quem não ama ao seu próximo a quem viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?”(I João 4:20).

Acerca disso, o diretor-executivo da Organização Visão Mundial, o especialista em Teologia Urbana e Antropologia Intercultural Cassiano Luz, explica que amar, do ponto de vista bíblico, não é um conceito abstrato, não é algo volátil, como é próprio dos sentimentos. É um conjunto de atitudes que nascem de uma convicção. Amar é uma decisão. “Em algum momento eu decido que o que tenho deve ser repartido, e faço isso.

Nossa existência ganha sentido na coletividade, que se constrói a partir da cooperação mútua. E as igrejas são um reduto de solidariedade em nosso país”, disse o teólogo.
No livro “Celebração da Disciplina” (editora Vida), o autor, Richard Foster, comenta que partilhar o que é nosso com os outros indica uma atitude interior da simplicidade e solidariedade. E destaca, ainda, o que disse o teólogo e reformador da Igreja, Martinho Lutero: “Se nossos bens não estão disponíveis à comunidade, são bens roubados”.

Convidados do noivo

A Igreja Batista Sementes, na Serra (ES), realiza um trabalho solidário que vem ganhando destaque por já ter beneficiado mais de 15 mil pessoas, em menos de três anos, que chegam do interior e de outros estados para acompanhar o tratamento de familiares internados nos hospitais Dório Silva e Dr. Jayme dos Santos Neves.  É o projeto “Convidados do Noivo”, inspirado em Mateus 25.34-40.

Igreja solidária, igreja que ama
Fonte: Livro “Compaixão e Solidariedade”, do educador e teólogo David Alencar

O pastor Antônio Marcos Sant Anna da Silva conta que a igreja oferece acomodação, alimentação e apoio espiritual. “Temos dois abrigos, masculino e feminino, que recebem pessoas encaminhadas pelos assistentes sociais dos hospitais. Oferecemos almoço de segunda a sexta; eu mesmo sou o cozinheiro e conto com ajuda de algumas irmãs. Acomodamos também  mães que precisam deixar seus bebês recém-nascidos internados. Esse é um trabalho sócio-evangelístico, sem fins lucrativos, porém, a igreja é pequena e precisa de apoio com doações ou ofertas”.

Cassiano Luz lembra que a solidariedade se realiza na doação material e  também no que o cristianismo chama de “diaconia”, o serviço ao próximo”. Isso significa que nunca se deve sentir indiferença com a dor dos outros porque a empatia que surge do coração nos leva a nos conectar com o próximo e procurar uma maneira de ajudar. A solidariedade é uma necessidade de todos os seres humanos, já que somos seres sociais. O ponto de partida natural é o cuidado com nossa família. A família é a ideia de Deus para estruturar a sociedade. Por isso a Bíblia nos ensina a zelar primeiro pelos da nossa casa. “O problema é que a maioria de nós não consegue ultrapassar essa fronteira, e se limita a cuidar apenas do seu próprio ‘quintal’. O apóstolo Paulo aconselhou os ricos a não confiarem em sua riqueza, mas em Deus, e repartir generosamente com os outros (1 Tim 6:17-19).

O trato com os que sofrem

Igreja solidária, igreja que ama
Grupo Delas, da Igreja Batista da Orla, faz doações de perucas para mulheres com câncer

Uma segunda premissa da solidariedade é o cuidado com quem mais precisa, os mais necessitados, os injustiçados, os desfavorecidos. Aqueles que não têm uma família que lhes cuide (por isso o Evangelho define os menos favorecidos a partir da figura do órfão e da viúva) ou cuja família não reúne, temporária ou permanentemente, as condições necessárias para fazê-lo. A parábola do bom samaritano é uma boa fonte de ensino sobre por onde começar a ser solidário. Dos três personagens que passaram pelo homem caído à beira do caminho, o mais improvável foi quem o socorreu.

Não era sacerdote, não era religioso, não era seu conterrâneo, mas simplesmente era o que passou por ele e viu a sua dor. “Eu acrescentaria ainda uma terceira premissa: que a solidariedade é uma obrigação tanto individual quanto social, já que não há indivíduo sem sociedade, nem sociedade sem indivíduos. A prática solidária será muito restrita e ineficiente se partir apenas de um punhado de indivíduos. A coletividade também precisa ser solidária”, observa Cassiano.

Pensando na sociedade ocidental como um todo, incluindo a brasileira, o especialista faz uma análise um pouco crítica. “Tremo ao observar os retrocessos no que diz respeito aos pressupostos da solidariedade no Ocidente e um crescimento da intolerância e do perigoso conceito de um tipo de ‘justiça retributiva’ (olho por olho, dente por dente), que desconsidera o contexto e atribui exclusivamente ao indivíduo a ‘culpa’ pela sua própria condição, como se fosse uma ‘justa retribuição’ à suposta ‘preguiça’, à ‘índole para o mal’, ou sejam quais forem os argumentos usados para amenizar a nossa responsabilidade coletiva e social perante as mazelas que afligem os seres humanos”, opina.

O pastor e missionário Celso Godoy trabalha com pessoas com vulnerabilidade social. Ele endossa a ideia de que a Igreja precisa cumprir seu papel nesse aspecto social. “Acredito que a Igreja institucional ainda não acordou completamente para essa questão. Ainda não ficou claro para algumas congregações que o cuidado com o próximo e a solidariedade fazem parte da sua missão no que diz respeito a evangelização e proclamação do Reino de Deus na terra.

O homem é um ser integral composto por uma parte espiritual e outra física. Como ser integral, precisa ser contemplado em todas as áreas de sua vida.”  Ele acrescenta que a questão escatológica da evangelização, que fala do futuro nos céus, é muito importante, mas que o homem precisa também de ver contempladas as questões relacionadas à sua existência terrena. “Muito bonito pregar o Evangelho de um futuro eterno com Cristo, mas o próprio Thiago diz que a fé sem obras é morta. De que adianta, diz Tiago, no capítulo 2, falar de um evangelho escatológico e deixar as pessoas com a necessidade dos itens básicos para sobrevivência?”, resume.

Mesmo vivendo numa sociedade capitalista, nossas posturas devem ser mais solidárias, misericordiosas e compassivas, com foco maior no “ser” do que no “ter”. Para quem quer começar a adotar essas condutas, Godoy sugere o início com os domésticos da fé. “Dentro de nossas igrejas existem pessoas extremamente carentes que não são percebidas nas suas necessidades.”

Quem conseguiu identificar isso foi um grupo de feminino da Igreja Batista da Orla, em Itapoã, Vila Velha. Elas decidiram se unir para realizar campanhas de solidariedade a outras mulheres que sofrem com o câncer e que são tratadas no Hospital Santa Rita, em Vitória. A equipe arrecada doações como perucas, cabelos e lenços e entrega diretamente à diretoria da Associação Feminina de Educação e Combate ao Câncer (Afecc).

A trupe ganhou o nome “Delas” e promove ações para desenvolvimento tanto da saúde quanto da afetividade feminina. Uma das participantes é a aposentada Solange Cardoso. “Penso que, para sermos solidários, só precisamos nos colocar no lugar do outro e sentir a sua dor. Fazemos campanhas de conscientização e ofertas para arrecadação e assim poder ajudar quem precisa”, relata.

Corrigindo o foco

Pesquisas da Associação de Missões Transculturais Brasileira (AMTB) indicam que os gastos das igrejas com o que pode ser considerado supérfluo, como embelezamento dos templos, supera o dinheiro investido em causas externas. Isso aponta para uma tendência das comunidades cristãs em investirem prioritariamente em si mesmas, de modo a aumentar o bem-estar de seus próprios membros, seja na melhoria dos templos, seja no esforço aplicado em programas e eventos voltados a benefício e entretenimento do rebanho.

Em sua atuação na AMTB, Cassiano Luz diz que quer operar mais intencionalmente num modelo de “organização plataforma”, tendo a Igreja como parceira preferencial, servindo e potencializando sua ação diaconal e amenizando o sofrimento dos mais vulneráveis. “Creio que, tendo rompido essa barreira de cuidar apenas dos ‘de sua própria casa’, a Igreja poderia começar se preocupando com a melhoria de seu entorno. Com o constante aumento da desigualdade no Brasil, quase em qualquer lugar os ricos convivem com os pobres numa mesma região.
Igreja solidária, igreja que ama
O Rio de Janeiro é emblemático nesse sentido, mas o mesmo se observa em diversas outras capitais. Conheço uma igreja que mudou sua sede de uma área nobre para a periferia carente da cidade, inclusive com o propósito de se comprometer mais com a melhoria do seu entorno. Sem essa mentalidade, vamos criando cada vez mais ‘guetos’ de prosperidade e indiferença. Ao mesmo tempo, é importante buscar informações acerca dos mais carentes, dos mais oprimidos, e envolver-se intencionalmente em iniciativas de apoio efetivo.

Na Visão Mundial entendemos que os mais vulneráveis entre os vulneráveis são as crianças e os adolescentes, por isso nossas ações são sempre voltadas ao benefício destes”, narra Cassiano. Um dos equívocos da Igreja apontados por ele é a dificuldade para associar-se e somar esforços com outros segmentos da sociedade a fim de fortalecer sua ação diaconal. “Obviamente não podemos generalizar, mas mesmo entre as denominações cristãs observamos essa barreira. Penso que quando nossa intenção é socorrer ao necessitado, devemos unir esforços, quando há essa possibilidade, a despeito de posicionamentos políticos, religiosos ou doutrinários”, frisa.

A exemplo do que sugere Cassiano, o Pr. Celso Godoy tem preferência por descobrir onde estão os mais necessitados. “Como viajo muito, sempre que chego a algum lugar a minha primeira curiosidade é saber onde estão os necessitados. Pergunto logo onde fica o presídio, procuro andar nos locais mais carentes. Meu trabalho hoje é focado na preparação de crentes para alcançar essas pessoas. Procuro formar discípulos que que experimentem o genuíno Evangelho de Cristo, nos mesmos termos que Ele ensinou e pregou: salvando, evangelizando, mas também alimentando, cuidando e curando”, assegura Godoy.

Os idosos são um ótimo público para a prática do amor e do cuidado. A empresária Dirce Melo sempre os visitou e decidiu montar um grupo de amigos que simpatizou com a ideia do projeto de ir a asilos, não só distribuindo doações, mas também realizando os sonhos da terceira idade. “Aos domingos, cerca 10 amigos participam da visita. Cada um leva um prato de comida ou lanche. Um amigo nosso toca violão com músicas que os idosos gostariam de ouvir e dançar. Logo após, levamos um bolo para os aniversariantes do mês.

Além disso, fazemos o principal, que é conversar e ouvir o que os idosos gostariam de falar e pedir, pois procuramos realizar o desejo deles. Eu me sinto superbem, pois consigo fazê-los sorrir e esquecer os problemas diários de saúde, abandono por parte da família e solidão. É gratificante poder ajudar, me sinto realizada”, conta Dirce.

Existem diversas formas e oportunidades para ser solidário: dentro de casa, na igreja, com a vizinhança ou mesmo à distância. Sentir a dor do outro e repartir o que tem são práticas que precisam ser cultivadas porque a solidariedade é uma demonstração de amor através do serviço ao próximo.

Confira a matéria em áudio

Esta matéria é uma republicação exibida na Revista Comunhão – setembro/2017, produzida pela jornalista Lilia Barros e atualizada em 2021. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi originalmente escrita.

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