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terça-feira, 16 abril 2024

A igreja flutuante

Foto: Reprodução

O crente que navega de templo em templo à procura de bênçãos e não lança mão no arado para trabalhar e se comprometer com a Obra tem feito nascer um novo perfil de Igreja.

Por Syria Luppi

Observar o quanto a Igreja Evangélica tem crescido no Espírito Santo é motivo de orgulho para todos os evangélicos. Não apenas porque têm cumprido o “Ide” de Jesus, mas porque, com base em números levantados por Comunhão em parceria com o Departamento de Estatística da Ufes, eles totalizaram 1,56 milhões de pessoas – cerca de 45% da população do Estado.

Há evangélicos em todas as classes sociais, muitos ocupando lugares de destaque na sociedade. É visível o investimento da Igreja em estrutura física, com belos templos, comunicação de massa, eventos de grande porte, missões, ação social e muito mais.

Mas a observação de dados como os que foram revelados na pesquisa encomendada por Comunhão ao Instituto Merccato instiga a fazer alguns questionamentos. Dos 800 entrevistados, 72% não possuem envolvimento satisfatório com as atividades da sua igreja. A maioria dos entrevistados (58,23%) não possui nenhum cargo na igreja.

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Transformar o mundo: esse é o poder que o Evangelho de Jesus Cristo tem. Mas atualmente as lideranças de muitas igrejas defensoras dos princípios doutrinários da Palavra de Deus têm tentado, sem muito sucesso, combater os crentes “flutuantes”.

Aquele típico caçador de benção, que não quer compromisso com a igreja. Sua filosofia de Cristianismo é ir à igreja para sentir-se bem, ouvir boa música, conviver com amigos, degustar boa comida na cantina, ouvir um sermão bem-humorado, recheado de doses de autoajuda, espairecer e ser abençoado. É o retrato de uma geração consumista e hedonista, que quer receber muito e pouco fazer para o crescimento do Reino.

A igreja flutuante
Foto: Arquivo pessoal

Na análise do pastor Rubens Muzio, missionário e coordenador do Serviço de Evangelização para a América Latina (Sepal), muitos dos mais de 45 milhões de brasileiros que se consideram evangélicos atualmente pertencem a um grupo flutuante, que peregrina semanalmente atrás de bênçãos, buscando um deus que supra suas necessidades pessoais.

“Muitos procuram apenas a resolução dos seus problemas, e vão de igreja em igreja esperando muitas bênçãos materiais e algumas até mesmo espirituais. É trágico notar também que, nas pesquisas que realizamos, menos da metade dos evangélicos freqüenta regularmente uma igreja nos finais de semana”, disse.

Embora a Igreja venha crescendo numericamente em todo o Brasil, a qualidade do crente tem sido muito questionada. Percebe-se que ao longo dos anos os cristãos vêm perdendo identidade.

Atravessaram décadas sendo chamados de protestantes, crentes, evangélicos e, agora, gospel. E as perguntas continuam: há ganhos ou perdas? Que tipo de evangelho está crescendo? Que tipo de cristão senta nos bancos das igrejas toda semana? O que ele tem feito para melhorar a sociedade em que vive? Ele testemunha? Ele fala do amor de Jesus para outras pessoas?

Na opinião do pastor Hernandes Dias Lopes, líder da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, há um crescimento do sincretismo dentro das igrejas evangélicas. “A Igreja, em alguns segmentos, tem-se desviado da fidelidade às Escrituras, tem mergulhado de cabeça no pragmatismo, ou seja: as pessoas não estão preocupadas com aquilo que é verdade, mas com aquilo que funciona. A pergunta não é se é certo, mas se dá certo! Então, vivemos a época da lei do marketing, inclusive dentro das igrejas, onde se usam técnicas para agradar e atrair as pessoas, onde o banco determina e dirige o púlpito. Hoje, via de regra, tem-se pregado o que o povo quer ouvir. E quando se negocia a Verdade, quando se transgride com absolutos de Deus para angariar o crescimento, é perigoso”.

Para Hernandes, o crescimento não pode ser um fim em si mesmo. “Jesus nunca demonstrou absoluta preocupação com números. Deus quer discípulos, não apenas quantidade de gente. A porta da igreja deve ser a porta da transformação de vida e de caráter. Não temos impactado a sociedade como deveríamos. Poderíamos fazer muito mais. É claro que uma pessoa que é evangélica, mesmo que seu segmento esteja se desviando da Verdade aqui e acolá, deixa de ser uma pessoa que vai perturbar a ordem social, mas, por outro lado, alguns valores éticos, absolutos, ainda são questionáveis no meio evangélico, como honestidade, comprometimento, princípios familiares. Vemos escândalos na liderança… Tudo isso reflete esse envolvimento superficial com as Escrituras”.

Por que esse fenômeno?

A Igreja de Jesus Cristo, como se conhece hoje, começou a partir do Dia de Pentecostes (Atos 2), porque foi então que, pela primeira vez, constituíram-se crentes como um corpo pela presença do Espírito Santo.

Mas quando Jesus disse “edificarei a minha Igreja”, Ele não estabeleceu caráter denominacional. As igrejas históricas caracterizam-se pela fundamentação e formação denominacional, respaldadas pelas várias linhas de defesa ideológica.

Caracterizam-se, ainda, pela constituição de um líder (pastor), diretoria, estatuto, membresia devidamente cadastrada e discipulado direcionado para cada idade. Nesse propósito, os membros buscam, unidos, o crescimento espiritual e a propagação das boas novas em sua comunidade.

Para o missionário da Sepal, Rubens Múzio, o perfil da igreja mudou muito. Uma mentalidade de mercado, que não se concentra apenas no mundo empresarial e comercial, tomou conta das igrejas.

“Elas se tornam firmas, meras lojas que fabricam e vendem produtos religiosos, em busca de clientes e aumento de sua fatia no competitivo mercado religioso. Mesmo sem toda a sofisticação das grandes empresas, elas têm aprendido a utilizar as estratégias de marketing de maneira eficaz, procurando conhecer as demandas do público, oferecendo-lhe produtos diferenciados das outras igrejas e específicos às necessidades físicas, emocionais, profissionais e espirituais dos membros, para que possam satisfazer os seus desejos”.

Segundo Múzio, a Igreja neste contexto deixa de ser o povo de Deus e assume dimensões materialistas e consumistas. Estas igrejas tendem a ser dominadas por uma prática de vida autocentrada, egoístas, mais preocupadas com a edificação de seus impérios pessoais do que com a expansão do Reino de Deus.

Não há como descartar que há, sim, igrejas com esse perfil bem perto de qualquer crente. Abrem as portas em locais improvisados, promovem cultos com sinais e maravilhas, no estilo “vende-se uma benção”, e pouco têm -e importado com o acompanhamento de cada participante. Isso sem contar com o desconhecimento sobre o histórico do pastor, sua origem e formação.

Hoje a Igreja está sendo questionada pela sociedade e até mesmo pela própria comunidade evangélica devido ao comportamento de algumas das suas formações e surgimentos fenomenais e, ainda, pelo envolvimento superficial, acomodado e interesseiro de muitos membros.

O Evangelho pregado atualmente em muitas igrejas é mais voltado para o bem-estar de pessoas do que para a transformação do mundo. Os cultos são feitos em função do homem. Isso tem aumentado o número de crentes “nômades”, que não se filiam a uma igreja específica, ou o fazem, mas vivem atrás de campanhas em outras.

“Diante de tantos produtos religiosos e opções eclesiásticas, lamentavelmente o crente-cliente e o visitante ‘desigrejado’ se vêem com total liberdade para utilizar critérios consumistas na escolha da melhor igreja. Os critérios são semelhantes àqueles utilizados na escolha de um restaurante ou pizzaria: prazer, sabor, gosto, qualidade do produto e atendimento, promoções, boa propaganda etc.

O envolvimento nas igrejas em geral é estritamente opcional e exercitado pelo indivíduo, a partir de sua própria decisão pessoal. Já vimos que, como resultado, membros e não-membros são vistos como consumidores religiosos atrás de produtos, buscando os serviços religiosos que melhor se encaixem às suas necessidades pessoais”, declara Rubens Múzio.

Para o pastor Joarês Mendes, da Igreja Batista em Jardim Camburi, Vitória, o crescimento desse fenômeno tem sido incrementado pela chamada teologia da prosperidade. “Prega-se o bem-estar, a saúde e a riqueza; quando a pessoa que abraça esse discurso não vê a coisa acontecer, cai fora, vai buscar em outro lugar. A maioria não quer compromisso de verdade. Só pensa em si. Nunca houve tantos membros flutuantes nas igrejas”.

As pessoas querem soluções fáceis para seus problemas, o que o Evangelho nunca prometeu. Não foi fácil para Moisés deixar o Egito, não foi fácil para José encarar tantos problemas com seus irmãos, não foi fácil para Jesus chegar à cruz. A principal necessidade do crente é de relacionamento com Cristo, é o Reino do céu. As demais coisas, certamente, lhe serão acrescentadas.

O pastor Geraldo Batista Neto, da Primeira Igreja Presbiteriana em Campo Grande, Cariacica, diz que sempre existiu e sempre existirão os crentes flutuantes, interesseiros. “Nos dias de Jesus acontecia e hoje não é diferente. Esses crentes não estão preocupados com a origem do milagre, mas sim com o próprio milagre e seus efeitos. Paulo, prevendo isso, advertiu a Igreja em Gálatas 1:8. Paulo sabia que a igreja em Gálatas poderia ser afetada com a figura angelical. Infelizmente, na igreja brasileira, há mais caçadores de bênçãos que crentes comprometidos; estão perdendo a visão”.

Marcos 1 traz um retrato do que foi o ministério de Jesus. Ele pregava, ensinava, curava enfermos e expulsava demônios. O ministério de Jesus foi montado sobre esses itens. Ele não deu dimensão maior a um ou a outro. A igreja primitiva foi vitoriosa porque seguia o ministério de Jesus, os quatro itens.

Quando pregava, Jesus era impoluto: “arrependei-vos”; quando ensinava, ia fundo na explicação; quando curava, demonstrava que além do natural, operava o sobrenatural, os milagres; quando expulsava demônios, mostrava que o Evangelho é o confronto com as forças das trevas, para que a sociedade possa entender que o mundo espiritual é uma realidade.

“Quem tem a sua pregação na Palavra não precisa apelar para o que Cristo não apelou. Cristo fez muitos milagres, mas não fez apologia sobre o milagre. A liderança não deve temer perder membros, principalmente com essa característica. Porque crente flutuante faz mais mal do que bem, e ainda pode influenciar outros”, diz o pastor Geraldo Neto.

O que fazer?

Discipulado. Eis a arma contra o comodismo, o egoísmo e a superficialidade cristã. A igreja evangélica não tem crise de quantidade, mas de qualidade, e por isso o discipulado se faz tão importante. Mas aí também habita o maior desafio das igrejas fundamentadas.

“A liderança deve se convencer da realidade e se encorajar para enfrentar a situação. Devemos proclamar com ousadia, clareza e pureza a Palavra de Deus, trazendo todas as implicações do que significa ser um discípulo de Jesus, e não meramente um frequentador de igreja. Devemos nos tornar aprendizes do Mestre, vivendo em sintonia e simetria com toda a sua vida e ensinos. Devemos buscar compreender nossa vida cristã dentro do contexto da igreja, sua identidade e essência como corpo de Cristo, comunidade escatológica, local onde os valores do Reino são percebidos, lugar onde a luz de Cristo brilha, grupo social onde o amar a Deus e o amar ao próximo são muito mais importantes do que ser abençoado e se sentir bem”, fala Rubens Múzio.

Para o pastor Geraldo Neto, a liderança deve preparar bem seus estudos e pregações e quem estiver disposto a ser realmente um seguidor de Cristo verá e sentirá a diferença. Compromisso exige responsabilidade. “Quem não tem compromisso, não permanecerá numa comunidade eclesiástica séria e bíblica. A falta de compromisso na igreja é vista com freqüência e não devemos nos assustar com isso. Vemos isso em Apocalipse 2:4-5 – Carta à igreja de Éfeso”, completa.

Se o cristão quer crescer na fé, quer ver Deus agindo em sua vida, precisa se juntar a um corpo e se comprometer com ele. Cada cristão deve sentir-se como um órgão do corpo humano – se ele não funciona bem, faz com que o corpo adoeça, morra. Jesus ama a igreja e os crentes precisam ter o mesmo tipo de amor por ela.

É tempo de um clamor pela Igreja e servos sadios. Ambos alicerçados na Palavra de Deus, seguidores da doutrina transmitida por Jesus aos seus apóstolos. Uma igreja é sadia quando vive integralmente o Evangelho de Cristo, entendendo que a razão de sua existência é o mundo, o outro, e os perdidos ao seu redor. Os recursos financeiros, físicos e pessoais são investidos em função de sua existência e da propagação das Boas Novas.

Você está comprometido com Deus e sua igreja?
“Cristo é o cabeça da Igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo” (Efésios 5:23)

“Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (1 Pedro 2:5)

“Desta forma sabemos quem são os filhos de Deus e quem são os filhos do Diabo: quem não pratica a justiça não procede de Deus, tampouco quem não ama a seu irmão” (1 João 3.10)

“Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; na qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito” (Efésios 2:19-22)

“Se alguém disser amo a Deus, mas odiar seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4.20)

“Sabemos que já passamos da morte para a vida porque amamos nossos irmãos” (1 João 3.14)

“O forte amor uns pelos outros irá provar ao mundo que vocês são meus discípulos” (João 13:34-35)

“Sejam dedicados uns aos outros como uma família afetuosa. Aprimorem-se em demonstrar respeito uns para com os outros” (Romanos 12 10)

“Porque nós somos companheiros de trabalho no serviço de Deus” (1 Coríntios 3.9)

“Levem os fardos uns dos outros, e assim cumpram a Lei de Cristo” (Gálatas 6:2)

“Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas procuremos encorajar-nos uns aos outros” (Hebreus 10.25)

“Isto é o que proclamamos em palavras e ações quando somos batizados. Cada um de nós é agora parte do Seu Corpo ressurreto” (1 Coríntios 12. 13)

“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé” (Efésios 2:1-22)

A MATÉRIA ACIMA É UMA REPUBLICAÇÃO DA REVISTA COMUNHÃO. FATOS, COMENTÁRIOS E OPINIÕES CONTIDOS NO TEXTO SE REFEREM À ÉPOCA EM QUE A MATÉRIA FOI ESCRITA.


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