O número de divórcios cresceu 8,6% em 2022. Cerca de 47,7% dos casais se divorciam com menos de dez anos de união, e a maioria deles tem filhos menores de idade
Por Patrícia Scott
O número de divórcios no Brasil cresceu 8,6% em 2022, na comparação com o ano anterior, saltando de 386.813 para 420.039. Desse total, 340.459 foram feitos por meio judicial e 79.580 de forma extrajudicial, no cartório. Os dados são das Estatísticas do Registro Civil de 2022, divulgados nesta quarta-feira (27), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O número total de separações é o maior da série histórica iniciada em 2007 pelo IBGE. O levantamento indica que os divórcios judiciais concedidos em 1ª instância corresponderam a 81,1% dos divórcios do país.
Os casamentos que terminam em divórcio duram menos de 10 anos, de acordo com os dados do IBGE. Cerca de 47,7% dos casais se divorciam com menos de uma década de união, 25,9% permanecem juntos entre 10 e 19 anos até o divórcio, e 26,4% se separam com mais de 20 anos de casamento.
O divórcio entre casais sem filhos permaneceu praticamente inalterado nos últimos anos. Em 2020, ficou em 29,7%, contra 29,4% em 2022. No entanto, em 2022, o perfil dos casais que se divorciaram foi majoritariamente de pessoas com filhos menores de idade: 54,2%, o que representa um avanço de 4% na comparação com 2020, quando o grupo representou 50,9%. Já o percentual de divórcio entre casais com filhos maiores de idade diminuiu nos últimos 12 anos: de 19,4% para 15,8%.
Nos últimos 12 anos, a idade média dos divorciados aumentou, segundo a pesquisa. Em 2010, as mulheres se divorciavam, em média, com 39,4 anos, e os homens com 42,6 anos. Em 2022, a idade média do divórcio dos homens saltou para 44 anos e a das mulheres subiu para 41 anos.
Nova realidade
Diante dessa gritante e triste realidade, são justamente os filhos os mais afetados. Afinal, eles sempre desejam ver os pais juntos e felizes, mas isso nem sempre é possível.
Então, quando o divórcio é inevitável, como blindá-los desse processo doloroso? Como deve ser o comportamento do, agora, ex-casal, para que os filhos sejam emocional e psicologicamente saudáveis? A reportagem de Comunhão conversou com especialistas, pastores e mães que passaram pelo processo de divórcio para responder a essas e outras perguntas que permeiam o assunto.

Na visão do advogado Daniel Teixeira, professor de Direito da Universidade Estácio de Sá (RJ), a desburocratização do divórcio impulsionou o aumento de casos no Brasil, sem que fosse possível que o casal tivesse tempo de tentar a restauração, seja por terapia, seja por aconselhamento pastoral. “A grande questão é a baixa qualidade dos relacionamentos conjugais, que ficou ainda mais evidenciada com a pandemia”, analisa, acrescentando que as relações líquidas são o reflexo da desconstrução do casamento. “Os valores familiares estão banalizados, e as pessoas não investem tempo na relação a dois, que é descartável. Como consequência, temos uma sociedade desajustada”.
Quando é inevitável desfazer o casamento, segundo o advogado, uma questão importante deve ser observada: a alienação parental prevista na Lei 12.318/2010, que gera graves consequências emocionais e psicológicas. “É caracterizada quando há uma lavagem cerebral na criança ou no adolescente, ou seja, quando a mãe ou o pai imputa características falsas do outro genitor aos filhos”, explica Daniel.
Conforme o especialista, “como consequência, os filhos desenvolvem sentimentos negativos do pai ou da mãe, que normalmente é aquele que não detém a guarda do menor”. Também caracteriza alienação parental, segundo Daniel, dificultar o exercício da autoridade parental, impedir o contato da criança ou do adolescente com o genitor e não permitir o direito regulamentado de convivência familiar.
Relação afetiva
Todo processo de separação é difícil, doloroso e frustrante. Mesmo em tempos modernos, a intenção, no início da relação, nunca é pôr fim a uma história, que, geralmente, foi iniciada com amor, respeito e cuidado. A partir do momento em que os filhos se tornam objetos para atingir o outro, é iniciada uma disputa entre o ex-casal.
“No contexto de alienação parental, o objetivo é que o genitor seja visto de forma desmoralizada pelos filhos”, diz a psicóloga Marta Macedo, que adverte: “É um ato de violência. Crime previsto em lei”. Ela enfatiza que, muitas vezes, o adulto não percebe, mas danos são causados aos filhos com esse comportamento. “Porque estão impedindo que o menor construa uma relação afetiva com o pai ou a mãe”.
Esses prejuízos emocionais e psicológicos, diz a psicóloga, quando não são percebidos e trabalhados, são manifestados até na fase adulta. “Surgem adultos fragilizados, depressivos, com baixa autoestima e, em algumas situações, agressivos, o que interfere nas relações interpessoais”, comenta Marta.
Mesmo com a dissolução do casamento, a responsabilidade pela construção e pelo fortalecimento dos filhos continua sendo de ambos. “É preciso maturidade e respeito um com outro e, principalmente, com os seres gerados desse relacionamento”, ressalta a especialista.
Outro ponto-chave que precisa ser evidenciado é quando uma terceira pessoa é agregada a uma estrutura familiar que, muitas vezes, está fragilizada. Lidar com o novo é algo que gera medo e insegurança. Marta Macedo sugere que, antes da tomada de decisão, seja estabelecido um diálogo consistente e sincero com os filhos, para que se estabeleça uma relação honesta, sólida e confiável.
Diante de tantas denúncias de abusos cometidos contra menores por padrastos, as mães precisam ser vigilantes. “Não podemos generalizar, mas, como prevenção, é fundamental atentar para as mudanças bruscas de comportamento dos filhos”, enfatiza Marta, que conclui: “Demonstração de ciúme e posse pelas enteadas pode ser um sinal. Os sinais sempre surgem”.
“Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez macho e fêmea. Por isso, deixará o homem a seu pai e sua mãe e unir-se-á a sua mulher. E serão os dois uma só carne e, assim, já não serão dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o homem (Marcos 10.6-9)
Laços amorosos
Na análise do Pr. Jander Monks, da Universidade da Família, organização cristã sem fins lucrativos com foco na educação familiar, o diálogo franco e transparente é fundamental para que os filhos não carreguem nenhuma culpa pelo fim do casamento dos pais.
“Muitas perguntas surgem e, com elas, a insegurança, o medo, o peso. Então, é importante o adulto conversar de maneira honesta”, assegura. O papel dos pais, diz o pastor, mesmo separados, continua sendo fundamental na construção do emocional dos filhos. “Nenhuma pessoa consegue substituir pai e mãe”, pontua.
O pastor Jander aconselha muita paciência e calma aos pais, tendo em vista que muitos menores mudam o comportamento a partir da quebra da família. “É preciso entender os motivos e, para isso, é preciso estar disposto a ouvir esses filhos com muito amor e acolhimento”.
O líder religioso analisa, ainda, que existe uma corrente na sociedade que apregoa que a família tradicional atrapalha o desenvolvimento do indivíduo. “E a partir desse pensamento as leis foram tornando mais fácil a dissolução do casamento”, avalia o pastor Jander, que enxerga os filhos do divórcio na desvantagem para a própria construção familiar.
“Na maioria das vezes, eles crescem entendendo que o casamento é ruim. Não traz felicidade e realização”, frisa e complementa: “Não tiveram a chance de desfrutar dos prós e dos contras de uma relação a dois, percebendo que, mesmo diante das dificuldades, vale a pena lutar pelo casamento. Que o amor tem o poder de restauração, e o perdão é libertador”.

“A família é a base. O ideal é que não haja separação, porque gera muitos males a todos os envolvidos. A quebra da aliança não faz parte do plano de Deus”, prega a pastora Eristelia Bernardo, da Igreja Casa do Pai, no bairro Vera Cruz, em Governador Valadares (MG). No entanto, ela entende que o amor familiar deve ser preservado mesmo em meio à separação. “É inadmissível utilizar os filhos para atingir o outro. Os filhos devem ser blindados”, enfatiza e continua: “E os pais devem ser maduros para resolverem seus conflitos”.
É importante destacar, diz a pastora, que filhos não nascem prontos, mas são formados. “Eles são o resultado daquilo que os pais transmitem (Provérbios 22.6)”, ensina. A pastora Eristelia destaca que pais divorciados precisam educar os filhos na mesma sintonia, para que tenham um desenvolvimento saudável. “Os valores ensinados devem ser os mesmos. Pai e mãe precisam falar a mesma linguagem com os filhos”, cita. Caso contrário, de acordo com ela, dificultará a construção do caráter deles. “Os prejuízos ficarão evidenciados. Os menores devem ser sempre prioridade”.
Luto e futuro
A psicanalista Rosi Siqueira salienta que, mesmo que haja transtornos brandos e com mínimas consequências na vida de crianças e adolescentes, os pais precisam compreender que o divórcio não é extensivo aos filhos. “Ou seja, não existe divórcio de filhos”, observa.
Ela explica que os adultos não podem fingir que nada está acontecendo. “Logo, todos precisam vivenciar o luto da separação, para que o emocional e o psicológico comecem a ser ajustados”, frisa.
Rosi ressalta que toda perda traz dor e amargura, e os filhos podem sofrer inquietações e desenvolver transtornos. “Crianças e adolescentes, por exemplo, perdem o estímulo para os estudos. Outros se tornam agressivos, mentirosos ou buscam prazer em fugas que os façam esquecer o momento doloroso”, exemplifica e pondera: “Por isso são essenciais o acolhimento e a constante reafirmação do amor dos pais para com os filhos, por meio de palavras e gestos”.
Por outro lado, a psicanalista chama a atenção para o tipo de discurso que pais e mães têm com os filhos pós-divórcio. Rosi comenta que algumas meninas, pela sensibilidade e pela identificação com o sofrimento da mãe, podem desenvolver aversão ao sexo oposto, principalmente se ouvirem frases como “Nenhum homem presta”. Por outro lado, “alguns meninos podem se tornar frios, se entenderem que a mãe foi a culpada pela separação”.
Rosi afirma ainda que comentários do tipo “você é igual ao seu pai” ou “você é idêntica à sua mãe” não devem ser feitos. “Ninguém gosta de ser comparado”, avalia e comenta: “É primordial enfatizar aos filhos que o futuro pode ser promissor, se houver união familiar, independentemente do divórcio”.
Dicas de leitura
Ajudando os filhos a sobreviverem ao divórcio
Archibald D. Hart – Mundo Cristão
O psicólogo Archibald D. Hart ensina o que deve ser feito para ajudar os filhos a enfrentarem as dificuldades decorrentes do divórcio dos pais. Ele fala com sabedoria, lucidez e discernimento bíblico sobre questões a serem resolvidas quando os pais se separam. É possível que pais divorciados, com a orientação adequada, auxiliem os filhos a se tornarem mais ajustados e bem-sucedidos, mas isso exigirá bastante esforço.
Filhos do divórcio
Judith Wallerstein, Julia Lewis, Sandra Blakeslee – Edições Loyola
Leitura imprescindível para todos os filhos adultos oriundos de famílias divorciadas, como também para professores, juízes, advogados e profissionais de saúde mental. Questionando algumas das crenças mais acalentadas sobre o assunto, este livro há de alterar para sempre o modo como as pessoas pensam sobre o divórcio e seu impacto de longo prazo sobre a sociedade.
Lá e aqui
Odilon Moraes – Pequena Zahar
Uma pequena obra-prima que transborda de emoção, destinada a leitores de todas as idades. A escritora aborda com rara delicadeza um assunto difícil: a separação dos pais. Imagem e texto se unem para contar a separação, aos olhos de uma criança, que pode ser vivida de maneira positiva, sem menosprezar o sofrimento.
Esta matéria foi atualizada com dados recentes, mas contém opiniões republicadas de matéria feita por Comunhão em março de 2021.