Ao envolver as crianças na Grande Comissão desde cedo, pais e líderes ajudam a formar corações sensíveis ao outro e comprometidos com o Evangelho no presente e no futuro
Por Patricia Esteves
Uma das marcas mais comoventes da fé cristã está na capacidade de perceber que Deus age de infinitas maneiras, inclusive por meio dos pequenos. Missões, muitas vezes associadas ao envio de adultos preparados e maduros, também encontram seu espaço na vida de crianças, não como expectativa de um futuro distante, mas como realidade possível e necessária já nos primeiros anos.
“A criança pode nos ajudar a resgatar e preservar virtudes dadas por Deus que ainda estão presentes nela, como a capacidade do perdão, o amor sincero, a amizade fácil, a espontaneidade, a dependência e a humildade”, afirma Jan Greenwood, missionária inglesa que trabalhou no Brasil entre 1992 e 2020, ex-coordenadora de pessoal da Interserve Brasil e professora no Centro Evangélico de Missões (CEM), atualmente residindo na Inglaterra.
Na prática, criar filhos com visão missionária é mais do que ensiná-los a orar por missionários ou contribuir com ofertas para evangelização. É plantar neles uma consciência de que são parte ativa do que Deus está fazendo no mundo. Não se trata de impor um ministério, mas de cultivar um coração sensível ao outro, atento às necessidades e disposto a compartilhar a fé.

“Missões não é um evento para ser promovido apenas em datas especiais. É um estilo de vida que começa dentro de casa”, afirma Élica Barros, educadora cristã e criadora do canal infantil Tia Lili, que vê esse potencial acontecer todos os dias. “
A criança participa da missão de Deus sendo ela mesma, do jeitinho dela. Às vezes ela fala de Jesus para um coleguinha, ora por alguém, tem uma atitude generosa, pergunta por que alguém está triste. Tudo isso comunica o amor de Deus”.
Missão do jeitinho das crianças
Essa sensibilidade infantil, quando orientada e nutrida com intencionalidade, transforma gestos simples em sementes do Evangelho. É nesse terreno fértil que a missão floresce com a naturalidade própria da infância.
Élica ensina às crianças que há três formas práticas de se envolver na missão: indo, orando e contribuindo. Isso inclui, por exemplo, falar sobre Jesus para colegas, interceder pelos missionários e separar ofertas ou roupas para doação. “Parece complexo, mas não é. As crianças entendem com naturalidade. Elas já sabem o que é orar, o que é ajudar, o que é amar”, reforça.
Segundo Silvana Martines, missionária da Junta de Missões Nacionais (JMN), que atua como coordenadora de mobilização da instituição, as crianças são muito mais receptivas do que se imagina. “Não é difícil envolvê-las na obra missionária. O que elas precisam é de clareza, de estímulo e de exemplo. Quando enxergam sentido, elas se engajam com o coração inteiro”, relata.
Silvana ministra aulas, palestras e lidera ações estratégicas para despertar vocações e integrar crianças, famílias e comunidades à missão de Deus, formando promotores e líderes para envolver igrejas na causa missionária.
A menina de 2Rs 5 e a sensibilidade missionária
Ao reconhecer nas crianças sujeitos do agir de Deus, passos importantes são dados para integrá-las ao propósito eterno da missão. Isso requer intencionalidade, pais e líderes que precisam valorizar os pequenos não apenas como futuros missionários, mas como vocacionados no agora.
Há séculos, histórias bíblicas revelam crianças que se tornaram instrumentos de Deus para cumprir sua missão. A menina que servia à esposa de Naamã, descrita em 2 Reis 5, é um desses exemplos comoventes. Ela era jovem, estrangeira, em situação de vulnerabilidade, e ainda assim, foi capaz de reconhecer a dor do outro e apontar o caminho para a cura.
“Ela mostra um coração puro, incrivelmente vazio de amargura, hostilidade ou ódio”, observa Jan Greenwood. O gesto simples de indicar um profeta em Israel se tornou um ato missionário de enorme repercussão.
A partir dessa narrativa, emerge uma reflexão necessária: será que está sendo ensinado às crianças perceberem e responderem ao sofrimento do outro? Ao protegê-las de tudo, não se estaria também bloqueando nelas a sensibilidade para com o mundo?
Ensinamento que começa em casa
Para Jan Greenwood, é essencial que a igreja e as famílias cultivem nos pequenos uma espiritualidade que envolva serviço, empatia e compaixão. “Devemos dar-lhes oportunidade para falar, testemunhar e até pregar. Por isso devemos orar por elas e com elas, reconhecendo o seu papel no Reino dos céus”, afirma, acrescentando que tudo isso deve ser feito com acompanhamento e orientação.
Essa preparação começa em casa. Criar filhos com visão missionária envolve uma pedagogia da vida, com conversas sobre o que Deus está fazendo no mundo, encontros com missionários, histórias que inspirem a generosidade, envolvimento com projetos sociais e ações da igreja. Não se trata apenas de transmitir doutrina, mas de compartilhar a vida cotidiana.
Élica lembra que muitas vezes as crianças são subestimadas. “Elas aprendem sobre fé quando veem a fé sendo vivida em casa. E também são as que mais ensinam a gente a confiar, a depender de Deus”, diz.
Uma cultura construída
Estela Mendes, que congrega na Segunda Igreja Batista de Feu Rosa, Serra (ES), destaca que criar filhos com visão missionária é uma construção diária. Ela é missionária voluntária da JMN e coordenadora estadual dos projetos de mobilização infantil Viver Escola e Pequeno Capelão Escolar.
“Você insere o assunto no cotidiano: ora pelas nações no devocional, conta histórias missionárias, participa de eventos, assiste a vídeos juntos. A criança vai crescendo dentro de uma cultura que respira missão”, ensina.
“Já vi crianças venderem brigadeiros que a tia ajudou a fazer, fazerem venda de garagem, venderem limões que o avô comprou e incentivou, já vi meus filhos venderem coisas para conseguir suas ofertas de missões … Minha filha uma vez pintou quadros, meu filho vendeu desenhos que ele mesmo fez etc. Posso passar o dia dizendo pra vocês como essas crianças podem ajudar com recursos – não pelo dinheiro, porque Deus não precisa de dinheiro. Deus quer ofertas, que são usadas para o Reino celestial, e quando nos colocamos no centro da vontade de Deus, Ele mesmo dará o recurso necessário”, diz.
É dessa forma que o senso de missão vai sendo plantado, com gestos simples, consistência e oportunidades de participação. A criança precisa sentir que não é coadjuvante no plano de Deus, mas cooperadora ativa, à sua maneira.
Formar filhos com visão missionária é um processo de discipulado contínuo. Diante disto, um de seus pilares mais importantes é o exemplo. Pais que vivem uma fé prática, voltada para o próximo e comprometida com a justiça e o amor, transmitem valores muito mais poderosos do que palavras.
Quando os filhos veem seus pais se envolverem com missões, orarem pelos povos, acolherem o diferente, servirem na comunidade, essas experiências se tornam sementes que geram frutos duradouros.
Um chamado para o agora
A missão de Deus não é uma tarefa exclusiva dos adultos, nem um projeto adiado para o futuro. É um chamado presente, acessível, encarnado no cotidiano, e as crianças fazem parte disso. Ensiná-las a olhar para o mundo com os olhos de Cristo é, em si, um ato missionário. É também confiar que o Espírito Santo age nelas e por meio delas, com a leveza e a profundidade que só a infância pode oferecer.
“Deus já fez um compromisso de ensinar as crianças: ‘Todos me conhecerão, desde o menor até o maior’ (Jr 31.33-34). E nós? Seremos seus cooperadores?”, questiona Jan Greenwood.
Essa pergunta deve ecoar no coração de todos os que criam, pastoreiam, ensinam e cuidam de crianças. Afinal, não estão sendo formados apenas cidadãos ou membros de igreja; estão sendo cultivados discípulos missionários, que desde cedo entendem que sua vida tem propósito, que a fé é ativa e que o amor de Deus é para ser compartilhado.
Investir nisso é preparar uma geração não para o amanhã, mas para o hoje. E reconhecer, com humildade e esperança, que a missão também tem voz de criança.
Negligenciar a formação missionária dos pequenos é desprezar o potencial do Reino no presente e no futuro. Quando pais e líderes os despertam para a missão de estabelecer na Terra o Reino de Deus, não estão apenas educando bem: estão participando da própria obra redentora de Cristo no mundo, desde o alicerce.

