Vivemos em uma geração que afirma continuamente que ama o Senhor, mas isso não impede muitos de quebrar princípios, de menosprezar o significado da aliança e ignorar o propósito de Deus para a Familia
Por Ilma Cunha
Familia tem sido a temática que faz parte da minha trajetória, e já não consigo precisar durante quantos anos. Creio que estou tão impregnada por esse tema que ele já estava marcado em mim desde a minha gestação. Minha entrada no mundo familiar já se deu na marcação do desejo dos meus pais, com a presença da ansiedade, angústia e medo da perda, pela morte da primeira filha.
Como segunda filha, com status de primeira, entrei nesse intrincado cenário familiar onde vida e morte, expectativas e medos, emoções contraditórias, traziam o paradoxo da existência e a demarcação de um lugar a ocupar. Escrever e falar sobre o tema família, debruçar-me em estudos contínuos e ouvir histórias familiares em meu trabalho clínico têm sido, portanto, uma incrível e especial jornada de vida.
Meus três livros trazem esse tema. Dei a esse escrito o tema do meu primeiro livro, que também usei em minha tese de doutorado: Família – Lugar de Refúgio ou Campo de Batalha? Em meu segundo livro, Enigmas da Alma – uma decifração à luz da Palavra de Deus, dei continuidade ao tema por um viés das marcas que carregamos da nossa família de origem que atuam na construção dos Enigmas que adoecem a Alma e todos os recursos que temos nas Escrituras para a decifração e cura. Já no terceiro livro, como celebração de cinquenta anos de casamento, escolhi o título: “Somos Ouro – a aliança conjugal e a longevidade do casamento”.
Afinal, o ouro é purificado no fogo para se tornar uma aliança, uma joia – uma joia de família para a descendência. Foram muitas as lições aprendidas nessa longa trajetória de percurso conjugal. Compartilhar com o público é trazer princípios essenciais que nos ajudam a não desistir diante dos desafios enfrentados nos caminhos da conjugalidade.
É importante compreender que em todos os tempos, os projetos de Deus foram realizados tendo sempre como cenário essencial a família. Ela foi estabelecida por Deus antes mesmo de ser criada a igreja visível. Logo, a história da humanidade é marcada pela estrutura familiar.
O Éden era o lugar ideal para dar início à primeira família: lugar de comunhão e afeto – um cenário adequado para o florescimento do relacionamento amoroso – um lugar de comunhão. No entanto, no capítulo 3 de Gênesis, lemos sobre o dia em que Deus chegou ao jardim e não encontrou o homem e a mulher. É um relato contundente sobre a tentativa de fuga do confronto com o Eterno.
Ali começou a primeira vulnerabilidade para o adoecimento da Alma. O som dos passos que trazia alegria e comunhão, naquele momento, acionou a angústia da culpa que impulsionou a ansiedade. Os sentimentos mais primitivos do ser humano compareceram naquele cenário de ruptura, dor e perda: medo e vergonha. A marca dessa perda está registrada em nossa subjetividade, com a dor da perda impressa na alma, produzindo uma sensação de angústia que o ser humano, muitas vezes, não consegue identificar e nomear.
A nostalgia da viração do dia continua presente no ser humano, na sensação da falta. Pela ausência de uma significação, muitos vão em busca de pessoas e coisas para suplementar e preencher o vazio. Como a suplência que encontram não harmoniza a alma, a dor da falta insiste em comparecer na angústia da insatisfação com o outro, nas frustrações relacionais, na alegria transitória nos prazeres, que não se sustentam, na falta de realização nas conquistas tão arduamente buscadas e nas intensas atividades tão desejadas que os lançam na exaustão.
É importante lembrar que o primeiro casal perdeu o paraíso, mas Deus não perdeu o objetivo. Mais tarde, Deus escolheu uma família para dar continuidade ao seu projeto de começar uma nova humanidade: a família de Noé. Penso que a mulher dele creu na convocação de Deus para a sua família, e, porque ela deu credibilidade ao seu marido, os filhos também creram e entraram na arca.
Na continuidade da história bíblica, quando Deus decidiu escolher um povo especial para estabelecer um relacionamento espiritual, Ele escolheu novamente um casal: Abraão e Sara. A esterilidade de Sara poderia ser um impedimento, mas Deus não olhou para as impossibilidades e cumpriu seu propósito, apesar da precipitação de Sara e da omissão de Abraão.
Mas, novamente, o povo se distanciou dos propósitos de Deus, e Ele implementou o maior projeto do universo: O Plano da Redenção – um plano de Salvação para o ser humano e novamente mostrou o lugar especial que a família tem no seu coração, escolhendo a família de José e Maria para acolher seu amado.
Jesus poderia ter chegado aqui já adulto para iniciar seu ministério, mas não… Ele veio viver todas as condições humanas. E é no ventre de uma mulher – um especial Éden humano, um paraíso uterino, que o filho de Deus se abriga por nove meses antes de receber o acolhimento, o aconchego e a comunhão do lar de José.
Família é, portanto, uma ação de Deus na história, projeto do seu coração, com propósitos muito bem definidos, para que o ser humano pudesse receber a proteção de um pai e de uma mãe, a fim de construir uma identidade e um destino aqui neste universo. Quando essa verdade não é compreendida, perverte o sentido espiritual da família, e a revelação do sentido espiritual e do propósito do casamento não é efetivada.
A dinâmica relacional da família pode produzir a saúde ou a doença de seus membros. Quando a família perde o foco de seu propósito e se torna disfuncional, surge aí uma família psicossomática, produzindo um legado de dores e angústias em uma transmissão geracional que perpetua as distorções nos relacionamentos.
O propósito de Deus é curar a Família. Portanto, é preciso ir à origem, nos relatos iniciais de Gênesis, para compreender a instituição, o que é Família para Deus, e isso só é possível pela revelação do Espírito Santo. Na verdade, não se vai ao destino, no propósito de Deus, sem compreender a origem. A origem norteia o destino.
Deus criou a família para ser um lugar de refúgio, para acolher o ser humano, nutrir, cuidar, proteger, amparar, preparar para a vida com identidade e destino. Mas podemos questionar: é hoje a família um lugar de refúgio ou um campo de batalhas? Esse é o grande desafio da família: fundar a próxima geração e ser a transmissora dos princípios e dos valores divinos.
A luta diária pela sobrevivência, as pressões do mundo do trabalho, a busca por conhecimento e as demandas cada vez maiores para a satisfação dos desejos têm produzido um mundo de pessoas ansiosas e agitadas, sem tempo para os relacionamentos, compensando as carências afetivas em coisas. Como consequência, o adoecimento físico, emocional e mental tem denunciado o quanto a família desviou do propósito de Deus.
A Palavra afirma em Provérbios 14.26: “Aquele que teme o Senhor possui uma fortaleza segura, refúgio para os seus filhos”. Aquele que teme, não apenas aquele que ama. Vivemos em uma geração que afirma continuamente que ama o Senhor, mas isso não impede muitos de quebrar princípios, de menosprezar o significado da aliança e ignorar o propósito de Deus para a Familia. Portanto, somente aquele que teme o Senhor faz do seu lar uma fortaleza segura e um refúgio para os seus filhos.
No propósito eterno de Deus, é na família que o ser humano recebe a direção certa do Refúgio do Altíssimo, onde a alma encontra descanso, paz e vida eterna. A Familia é o lugar onde a igreja de Cristo se estabelece. E os pais são os portadores dessa responsabilidade.
Igreja somos nós, templos do Espírito Santo de Deus. Somos a matéria prima que Deus usou para edificar sua igreja na terra, como santuário do Espírito Santo.
Ele é a rocha viva e nós somos como pedras vivas. Portanto, igreja não é um lugar estático, imóvel. Portanto, a Família, como depositária do Espirito Santo de Deus, na estrutura estabelecida na Palavra de Deus, tem a responsabilidade de preparar o caminho para a volta de Cristo, através da vivência e proclamação dos princípios fundamentais de Deus em suas vidas.
Família aponta para a volta de Jesus. Ela é a representação do Reino de Deus aqui na terra. É um território dos céus na terra, criado para implantar a cultura do Reino aqui e fazer a transmissão geracional dos princípios do Reino de Deus para a descendência.
Creio mesmo que o avivamento que antecederá à Volta de Jesus mobilizará a Família em um reposicionamento da hierarquia familiar e das funções estabelecidas por Deus em sua Palavra. Penso mesmo que a mulher tem um papel fundamental nesse reposicionamento. Quando uma mulher se dispõe a promover uma mudança no ambiente do seu lar, seu poder de influência como ajudadora, tem uma ampla dimensão para alcançar seus objetivos. Ela consegue mobilizar esposo e filhos com seu exemplo e comportamentos.
Nossa alma é formada em nossa família. Podemos sair da nossa família com a alma saudável ou com ela doente. Mas permanece com a alma adoecida é uma escolha.
Podemos manter as dores guardadas ou identificar, admitir, lidar com elas pela via do perdão, da reconciliação e da restauração da alma. Há cura na Palavra para nós.
O texto de Malaquias 4.4,5 encerra o velho testamento falando sobre Família: “E ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos aos pais…” Esse é o movimento de cura na Familia: Amor e Perdão. Os pais curam os filhos e os filhos curam os pais. Um movimento de cura que descende para os filhos em um derramar do coração dos pais para os filhos.
O Novo Testamento inicia falando sobre Família, apresentando em Mateus 1 a Genealogia da Família humana de Jesus, com todas as improváveis pessoas, anunciando as boas novas do evangelho, trazendo a cura para a família.
A Família surgiu no princípio da criação para ser uma Igreja e abrigar o ser humano. É falando sobre a cura dessa família que Deus encerra o Velho Testamento e inicia o Novo, apresentando Aquele que viria curar.
E todo o Novo Testamento traz os princípios de Deus para vivermos em Família, como Igreja, compreendendo que aqui representamos a Familia de Deus na terra, como noiva amada, que se prepara e aponta para o retorno do noivo, que é Cristo, como registrado em Apocalipse 22.17: “O Espírito e a noiva dizem: Vem! E quem ouve, diga: Vem. Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida”.
Essa é a Palavra eterna de Deus, que nos aponta o refúgio que temos ao confiar no Senhor, nosso Refúgio, socorro bem presente na hora da angústia, como afirma o Salmo 46.1-5.
Neste mundo desafiador, comandado por um sistema maligno, como família cristã, precisamos cada dia nos refugiar em Deus, nossa rocha segura e inabalável, e em sua Palavra, nosso guia que nos aponta a direção segura, o caminho reto, as veredas antigas, para não desfalecermos diante das lutas e desafios da vida e fazermos do nosso lar um lugar de refúgio e não um campo de batalhas.
Ilma Cunha é Teóloga, Psicanalista, Terapeuta Familiar Sistêmica, Consultora e Instrutora de Treinamentos na área comportamental em empresas públicas, privadas e empresas familiares