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quinta-feira, 28 março 2024

Evangelização e o judiciário

Por sua formação multirracial, o Brasil tem um povo voltado para o misticismo, sendo um campo livre para que diversos grupos religiosos propaguem suas crenças, inclusive os evangélicos. O Estado brasileiro desde 1891, em função da Constituição Republicana, é laico, ou seja, não possui religião oficial, daí a importância do respeito aos direitos de todos os religiosos, inclusive de ateus e agnósticos.

Por isso, os poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário -, em todos os seus níveis, são proibidos de professar, apoiar, financiar ou proibir qualquer tipo de manifestação de fé, seja evangélica, católica, judaica, espírita, mulçumana, afro, oriental etc. Excetua-se a colaboração para efeitos comunitários, sendo esta a garantia constitucional da igualdade religiosa, tendo o Estado o papel institucional de assegurar a expressão de religiosidade do povo, seja qual for, dentro dos limites da lei.

A Igreja Evangélica, na condição de pessoa jurídica de direito privado, organização religiosa, como disciplinado no Código Civil brasileiro, bem como qualquer grupo religioso, tem todo o direito à liberdade de crença e à propagação de sua fé de forma pública e, portanto, à prática de seu culto. Isso desde que a metodologia não fira o prisma da dignidade da pessoa humana, bem como não coloque em risco os direitos civis do cristão, que é “cidadão da pátria celeste” e ainda “cidadão da pátria terrestre”.

Em que pese estar resguardada pelas normas jurídicas instituídas pela sociedade civil, a Igreja, como qualquer outra organização associativa, também está submetida ao exame da legalidade de seus atos pelo Poder Judiciário. E aí vemos os juízes, desembargadores e ministros, em nome da sociedade civil, ao serem provocados pelos interessados, intervindo em questões nas quais não só podem, como devem agir, para restabelecer o equilíbrio das relações sociais, coibindo os excessos ou mesmo abusos no exercício de direitos, com base ordenamento jurídico brasileiro, ainda que envolvendo organizações religiosas.

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Essa intervenção, exatamente pela laicidade do estado brasileiro, como contido na proposição bíblica da separação entre Igreja e Estado (“Dar a César o que de César e a Deus o que de Deus”) e assegurada constitucionalmente, não pode ocorrer em questões de religiosidade, espiritualidade ou de fé. Entretanto, no que tange a aspectos civis, estatutários, associativos, tributários, trabalhistas, fiscais, previdenciários, administrativos, penais, financeiros etc, as igrejas, de qualquer confissão religiosa, estão submissas ao ordenamento jurídico nacional.

É vital que a Igreja, inclusive em sua atuação evangelizadora, tenha as devidas cautelas legais quando for expressar sua fé, em respeito às leis que regem a sociedade civil, elaboradas através de seus representantes. Eis que, graças a Deus, não vivemos nem queremos viver em um estado fundamentalista, onde um grupo religioso qualquer determine, por suas conveniências espirituais, os comportamentos sociais dos cidadãos, como ocorre em outros países, onde a religião predomina sobre os direitos civis e, inclusive, ocorre a proibição de pregação da vertente de fé não oficial estatal.

Estamos acompanhando atualmente uma grande discussão nas grandes cidades, como já acontece em outras nações, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, que é a seguinte: “Até onde vai o direito de grupos religiosos pregarem o evangelho nos ônibus, trens, metrôs e barcas?”, “Será que os passageiros são obrigados a receberem as “boas-novas” numa situação onde eles não têm a opção de não querer ouvir ?”.

Já existem grupos sociais questionando, inclusive judicialmente, se esta liberdade de pregação do cristão não se choca com o exercício de liberdade religiosa do cidadão. Essa decisão caberá ao judiciário, “dizer do direito”, podendo ser interpretado, por um lado, como cerceamento à pregação e, por outro, como exacerbação da liberdade religiosa em detrimento do direito à privacidade do cidadão.

Temos em nosso sistema legal a chamada “técnica da ponderação de direitos”. Por isso, quando ocorre uma colisão de prerrogativas constitucionais, e, nesses casos, numa linguagem simplificada, geralmente aplicam os juízos a prevalência do direito coletivo-público, de interesse de toda a sociedade, sobre o direito individual do cidadão, de interesse particular-privado. Evidentemente, cada caso é um caso, e é a análise do caso concreto que dá ao magistrado as condições para proferir sua decisão judicial.

Nossa sociedade, para resguardo de todos os cidadãos, independente de sua profissão de fé, instituiu um sistema jurídico para que os conflitos sejam satisfatoriamente resolvidos, com base no Estado Democrático de Direito, que é o primado da lei para todos os cidadãos. E aí a Igreja, que tem contribuído na formação de bons crentes, também precisa contribuir decisivamente para a formação de bons cidadãos, “para que os homens vejam nossas boas obras e glorifiquem a nosso Pai que está nos céus”. E aí muitos são, pela atuação do Espírito Santo em sua obra regeneradora, atraídos ao Evangelho de Cristo, eis que os servos de Deus também são exemplos dos fiéis nos cumprimento das leis de César.

Que Deus continue a conceder sabedoria aos nossos juízes e tribunais é minha oração, para que, no cumprimento de sua missão bíblica no estabelecimento da “possível paz social”, sejam instrumentos do Senhor para a resolução desses e de outros conflitos, enquanto ministros da justiça de Deus, como assevera o Apóstolo Paulo: “Os magistrados são instrumentos da justiça de Deus” (Romanos 13:3-4).

 

Gilberto Garcia, especialista em Direito Religioso, professos univesitário, conselheiro estadual da OAB-RJ, membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros e escritor.

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