Em entrevista à Comunhão, Rose Santiago, diretora-executiva do CERVI, destaca questões importantes sobre o tema, que devem englobar a igreja
Por Patricia Scott
Tema sensível, o aborto desencadeia polêmicas e debates acalorados. No entanto, pesquisa Datafolha, divulgada em julho de 2024, aponta que 70% dos brasileiros, com 16 anos ou mais, declaram ser contra a legalização do aborto. Outros 20% são a favor, 6% dizem que são nem contra nem a favor e 4% preferem não opinar.
Em novembro de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, por 35 votos a 15, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe o aborto no Brasil, inclusive nos casos previstos em lei. Atualmente, a legislação brasileira permite a interrupção da gravidez em três situações: risco de morte para a mãe, anencefalia (ausência de cérebro ou parte dele) e em casos de estupro.
A PEC proposta, no entanto, altera o artigo 5º da Constituição Federal, garantindo a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”. Se aprovada, a emenda tornará o aborto ilegal em qualquer circunstância, incluindo as situações em que é atualmente permitido. Para saber os próximos passos da proposta, acesse o link.

Neste contexto, a Comunhão conversou com Rose Santiago, diretora-executiva do CERVI (Centro de Reestruturação para a Vida) e membro da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo (SP), para discutir a questão sob uma perspectiva especializada, com foco nas mulheres afetadas por diversas realidades sociais. O CERVI oferece apoio a mulheres vítimas de abuso, violência sexual e doméstica, às que já realizaram aborto e às que enfrentam uma gravidez inesperada. A instituição trabalha com a reestruturação dos vínculos familiares, por meio de uma equipe multidisciplinar, a partir dos valores bíblicos.
Confira a entrevista:
A proposta da PEC realmente ajudará a reduzir o número de abortos no Brasil?
Essa iniciativa pode sim contribuir para a redução dos casos de aborto, mas é fundamental que seja acompanhada por políticas públicas que ofereçam suporte para que a mulher possa seguir com a gravidez, sem ser forçada a isso. No Brasil, o aborto é crime, mas a mulher é isenta de penalidade em algumas situações. A alegação de que o aborto ocorre principalmente entre mulheres de baixa renda, especialmente nas periferias, é falaciosa. Casos também ocorrem na classe média e na alta.
Críticos da proposta afirmam que ela seria uma agressão, principalmente a meninas e adolescentes vítimas de estupro. Como refutar esse argumento?
Concordo que uma criança não deve ser mãe. No entanto, a retirada da obrigatoriedade do boletim de ocorrência em casos de estupro é preocupante, pois isso abre espaço para que os estupradores não sejam responsabilizados. O abuso já é uma agressão terrível, e o aborto só agrava a situação. A adolescente volta para casa e continua sendo vítima do abuso. Nossa luta é para que essa dupla violência seja registrada e que o estuprador seja punido. A adolescente não deve ser obrigada a educar a criança, mas ela e a família precisam de acompanhamento, e o estuprador deve ser responsabilizado.
A decisão sobre o aborto tem relação com a falta de apoio do parceiro?
Nem sempre. O que muitas vezes aparece é o sentimento de solidão. A mulher pode estar com o parceiro, mas se sentir muito sozinha. Tivemos um caso recente em que o parceiro não queria o aborto, mas a mulher queria. Depois de conversar e receber apoio, ela decidiu não abortar. O apoio do parceiro é essencial, mas mais importante ainda é o suporte de outras pessoas. Quando o parceiro diz “faça o que você achar melhor”, muitas vezes, ele acaba se arrependendo. A criança tem direito a ter o nome do pai biológico na certidão de nascimento, independentemente de o casal permanecer junto ou não.
A senhora acredita que a proposta será aprovada no plenário da Câmara dos Deputados? Por quê?
Acredito que, se a resolução do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) que facilita a realização de aborto em menores vítimas de violência sexual não interferir, a proposta pode avançar. O Brasil é um país majoritariamente pró-vida, e a maioria da população é contra o aborto. O mais importante é defender a vida e oferecer apoio à mulher e à família, garantindo suporte psicológico, material e até profissional. Assim, a mulher percebe que não está sozinha. Acredito que a proposta será aprovada, a menos que surjam entraves ou interpretações errôneas.
O combate ao aborto envolve medidas preventivas?
No CERVI, trabalhamos com medidas preventivas há quase 25 anos. Não julgamos as mulheres que já realizaram ou que estão considerando o aborto. Não temos o direito de fazer isso. Jesus nos ensinou a não julgar, para não sermos julgados (Mateus 7.1-5). A verdadeira prevenção está no acolhimento, na escuta, no abraço e no acompanhamento. Essas atitudes ajudam a mulher a escolher a vida. A discussão agressiva dificilmente leva a resultados positivos.
Quais medidas preventivas são essenciais no enfrentamento ao aborto?
É fundamental oferecer suporte por meio de políticas públicas, com atendimento digno nas áreas ginecológica e de saúde feminina. Além disso, é necessário fornecer informações sobre as consequências físicas e emocionais do aborto. A mulher precisa saber que não está sozinha e que há suporte, seja por meio de atendimento médico ou programas de apoio à educação e reintegração profissional. O CERVI e outras instituições do terceiro setor são essenciais, mas é preciso que o sistema de saúde pública também tenha profissionais capacitados para ajudar.
Como a igreja deve se posicionar no enfrentamento ao aborto?
As igrejas devem apoiar as mulheres, prevenir a gravidez inesperada e fortalecer as famílias, cuidando dos jovens. Muitas mulheres chegam às igrejas machucadas, após abusos ou após o aborto, e a igreja não pode fechar os olhos. O corpo de Cristo deve fazer a diferença na vida dessas mulheres, oferecendo apoio e acolhimento. A defesa da vida, com os valores cristãos, passa por enfrentar o aborto, a morte, a separação e outros problemas, sempre levando a palavra de Jesus, que liberta e cura os erros do passado.

