O assunto é polêmico e, por isso, divide opiniões, mas o que a Bíblia orienta?
Duas crianças brigam na sala. A mãe avisa uma, duas, três vezes: “Se eu sair daqui, não vai ser para dar beijinhos”. Os irmãos continuam a se engalfinhar. De repente, ela sai da cozinha e vai, nervosa, em direção aos pequenos, que logo arregalam os olhos. Depois de umas palmadas, a paz reina. Você já viu ou viveu essa cena? Ela acontece em grande parte dos lares brasileiros, sejam eles cristãos ou não.
Quem nunca levou uma palmada dos pais? Seja um tapinha na mão, para tirar o dedo da tomada ou afastá-lo da panela quente, seja uma chinelada depois de alguma traquinagem. Essa é a cultura brasileira e também o que a Bíblia ensina a respeito da educação dos filhos. A Palavra de Deus diz que a palmada é necessária em determinadas situações e que a correção física faz parte do processo de formação do caráter (Provérbios 23.13,14).
É preciso ressaltar, no entanto, que as Sagradas Escrituras destacam a correção, e não o espancamento. Foi justamente para coibir os excessos que a Lei Menino Bernardo [13.010/14], antes chamada Lei da Palmada, foi aprovada em 2014, modificando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ela garante o direito dos menores a uma educação sem castigos físicos, tratamento cruel ou degradante.
A legislação determina, também, a capacitação adequada de profissionais que atuam no atendimento a crianças e adolescentes, para que eles ajam de forma eficaz na prevenção, na identificação e no enfrentamento de todas as formas de violência. O nome da lei é em homenagem ao menino Bernardo Boldrini, que, em 2014, aos 11 anos, foi assassinado por superdosagem de medicamentos, em Três Passos (RS). Os acusados do crime foram o pai, a madrasta e dois amigos do casal, que, ao final do processo, em março de 2019, foram condenados.
Os dois lados
Na educação das crianças, a utilização da palmada gera debate. Alguns defendem, outros são terminantemente contrários. De um lado, há psicólogos e educadores que são favoráveis à tese de que não existe palmada pedagógica, pois qualquer tipo de agressão física não educa e nada mais é que um descontrole dos pais diante da situação de rebeldia dos filhos.
Por outro lado, muitos pais e alguns estudiosos acreditam que a palmada faz parte da educação e não cria traumas nem machuca a criança. Pelo contrário, vai corrigir a indisciplina. Todos, porém, são unânimes sobre a necessidade de uma lei que proteja crianças e adolescentes do comportamento violento por parte de pais ou responsáveis.
Dentro desse contexto educacional, algumas questões geram polêmica, no país: O Estado tem o direito de interferir na educação dos filhos? Se sim, como fiscalizar? A palmada pode, de fato, ser considerada agressão física, equiparada ao espancamento, ou é apenas uma correção que faz parte da cultura brasileira e bíblica?
Em relação à primeira questão, a Palavra de Deus diz que são os pais que devem educar os filhos. Provérbios 22:6 cita: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando velho não se desviará dele”.
Educação dos pais: a chave do sucesso
Para a educadora Cris Poli, conhecida pelo público como a Supernanny, essa é uma lei muito polêmica e difícil de encaixar no contexto brasileiro. Ela acredita que o Estado poderia ampliar o trabalho de conscientização dos pais, falando da não necessidade de bater nos filhos, em vez de impor uma lei proibindo a palmada. “Além disso, é difícil criar métodos de fiscalização e controle, que vão caracterizar ou não a agressão”, ressalta.
“É preciso ter muito cuidado ao tratar desse assunto. O melhor é buscar orientação em Deus e com o seu pastor para ter discernimento ao usar esse versículo como fundamento e justificativa para dar palmada em um filho”, afirma Cris. Ela aponta ainda que a maior dificuldade na educação das crianças é que os pais estão duvidando da autoridade que têm sobre os seus filhos e transferindo responsabilidades.
“Não é dever do Estado, da escola ou da Igreja educar crianças. Isso é função dos pais. O medo de perder o amor do filho e a falta de limites também são problemas comuns”, pondera a educadora. Mas, segundo ela, os próprios pais têm se conscientizado disso, quando olham para seus filhos e percebem que alguma coisa está errada. “É preciso autoavaliação e encontrar os pontos negativos para poder se aperfeiçoar”, orienta.
Cris explica também que há diferença entre autoridade e autoritarismo. “Os pais, em alguns casos, pensam que ser autoritário é ter autoridade, mas não é por aí. Um pai autoritário, normalmente, usa a dominação para conseguir que os filhos obedeçam. A autoridade, na verdade, é um direito dos pais, e eles devem exercê-lo com naturalidade. No entanto, o que temos visto são filhos mandando nos pais”.
Em Efésios 6:4, a Bíblia ensina aos pais como devem agir com os filhos: “E vós, pais, não provoqueis à ira a vossos filhos, mas criai-os na doutrina e admoestação do Senhor”. Este versículo revela que o autoritarismo gera ira dos filhos para com os pais. Já a autoridade natural e dada pelo Senhor faz com que os pais cumpram a missão de orientar os filhos no caminho correto.
Pai e mãe, como autoridades na vida da criança, devem instruí-la e dar disciplina, tanto emocional quando espiritual, para que ela adquira conhecimento, autocontrole e obediência. Educar é uma responsabilidade que deve ser conduzida com cuidado e amor, mas também uma missão especial que Deus deu ao casal. Ela não deve ser vista como um fardo, mas sim como um propósito e, como tal, a direção deve ser buscada em Deus.
Exemplo é melhor que a vara
Para o psicanalista Walter Aguiar, que é pastor da Primeira Igreja Batista de Jacaraípe, na Serra (ES), o exemplo vale mais que mil palavras. Em Deuteronômio 6:6-7 está escrito: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as ensinarás a teus filhos, e delas falarás sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te”.
Assim, ele defende que a vara é o último recurso a ser usado pelos pais, mas que a Palavra ensina a usá-la quando necessário. Segundo Walter, antes de usar a vara, porém, a Bíblia ensina que os pais devem mostrar às crianças o caminho pelo qual devem andar, pois este é cheio de ensinamento, princípios e virtudes. “Em todo momento o pai tem que ensinar, e o exemplo no dia a dia é a melhor forma”.
O pastor acrescenta que o mau comportamento da criança muitas vezes está ligado à rebeldia. Para Aguiar, em alguns casos, mesmo estando em um lar equilibrado, a criança é rebelde e precisa ser disciplinada. Nesses casos, o castigo é a melhor forma de ensinar. “Tirar alguma coisa de que a criança gosta, como a televisão ou a internet, por exemplo, é uma forma de castigá-la”, exemplifica.
Se, mesmo com todos esses passos, a criança persiste, aí se deve usar a vara. “A Bíblia não diz para espancar, machucar, dar tapas, mas usar a vara”, enfatiza o pastor.
Pais querem liberdade para educar
O que muitos pais, educadores e psicólogos contestam é que a lei não é bem elaborada e clara, pois uma coisa é punir pais que agridem os filhos, seja física, moral ou sexualmente. Outra, completamente diferente, é a punição por causa das palmadas corretivas. “O Estado não tem de se meter na educação que dou aos meus filhos”, afirma Marco Aurélio Albuquerque, membro da Igreja Evangélica Vida, em Laranjeiras (ES).
Adeptos ou não da palmada, crentes ou não no Senhor Jesus, a lei alcança igualmente todos os brasileiros. Por isso, é bom que cada pai e mãe reflita sobre o assunto, formar opinião e tomar posição. Afinal, segue sendo dos pais a responsabilidade de educar e formar futuros cidadãos de bem.
Esta matéria é uma republicação, com as devidas atualizações, da Revista Comunhão publicada em 2014. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a reportagem foi originalmente escrita.