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quinta-feira, 28 março 2024

Drogas: Uma doença social

O trabalho realizado pelas comunidades terapêuticas evangélicas mostra isso, e mais: que as drogas tomaram conta da sociedade.

A triste “viagem” de Mário Pereira Moraes começou aos 13 anos de idade, quando experimentou o “loló”. A sensação de felicidade e a vontade de rir o tempo todo o fizeram querer o entorpecente cada vez mais e aguçaram sua curiosidade para outras drogas. Daí surgiram as experiências com maconha e a cocaína – isso ainda na adolescência.

Mário perseguia o sonho de ser jogador de futebol e desde cedo teve o talento reconhecido. O uso de drogas não o impediu de ser um jogador profissional. Figurou em clubes como Desportiva Ferroviária, Tupy, Vitória, Rio Branco e Fluminense.

Ele poderia ter ido mais longe na carreira, mas não se consegue “levar o vício numa boa por muito tempo”, disse, ao relembrar o que passou. Vivendo altos e baixos na profissão, de 1996 em diante o descontrole no uso das drogas fez seu sonho ruir e parou de jogar. “Eu já causava muito sofrimento para meus familiares, mas não percebia. A morte de quatro dos meus nove irmãos e o fim da minha carreira só pioraram a situação e mergulhei de vez nas drogas, chegando a usar as mais pesadas”.

Converteu-se ao Evangelho de Jesus aos 26 anos, mas ainda assim lutava muito para deixar o vício. “Mesmo conhecendo a Palavra, a luta é grande, contra um gigante”. Mário frequentou várias terapias no Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (Caps-AD), foi internado numa comunidade terapêutica e batalhou duro para reerguer-se. “Queria levantar a cabeça, mudar de vida, recuperar meu nome, minha credibilidade. Eu era uma referência para minha comunidade e a dependência só me trouxe tristeza”.

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Tentou de tudo para sair das drogas e é categórico ao afirmar: “a libertação só acontece mesmo quando Deus entra na vida da pessoa, quando você se torna realmente dependente de Deus”. Livre dos vícios desde 2010, Mário usa o esporte para conscientizar jovens e adolescentes sobre o desastre que são as drogas, trabalha como motorista, é casado e pai de quatro filhos.

“Não sou um ex-dependente. Sou um vencedor! Deus me tirou daquele mar de desespero e Ele pode ajudar muitos outros que precisam. Basta que mudemos nosso olhar sobre o dependente e tenhamos a disposição de ajudá-los”, revelou.

A história de Mário Moraes é a mesma de muitos outros homens e mulheres que, durante um tempo, acham que controlam o vício, mas depois percebem que não têm forças para enfrentá-lo sozinho. No caso dele, o socorro chegou a tempo. Mas às vezes, porém, o desfecho é trágico.

Muitos jovens estão morrendo todos os dias por conta do envolvimento com drogas. Os noticiários nos mostram isso com clareza. As mortes devido aos danos causados à saúde do indivíduo são pouco retratadas. Mas as relacionadas à necessidade de ter dinheiro para manter o vício, pagar as dívidas, sim, ceifam centenas no Brasil todos os meses.

O Relatório Mundial sobre Drogas, divulgado pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), aponta que uma em cada 100 mortes entre adultos é causada pelo uso de drogas ilícitas.

O crescimento

O consumo de drogas no Brasil já ultrapassou todos os limites previstos para essa era moderna. O descontrole é tanto que dificilmente encontraremos alguém na rua que não conheça quem teve ou esteja sofrendo com o problema. Pesquisas tentam desvendar o motivo de tanta necessidade desse consumo e como ele alcança rapidamente todas as regiões. Vamos citar uma das mais amplas e recentes.

Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e divulgado ano passado, o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína e derivados, atrás apenas dos Estados Unidos. Hoje o país responde por 20% do mercado mundial da droga.

Ao todo, mais de 6 milhões de brasileiros já experimentaram cocaína ou derivados ao longo da vida. Entre esse grupo, 2 milhões fumaram crack, óxi ou merla alguma vez e 1 milhão foi usuário de alguma dessas três drogas no último ano.

Outra parte do estudo da Lenad relata que 8 milhões de brasileiros já experimentaram maconha – droga considerada “leve”. A maioria, 62%, antes dos 18 anos. Desses 8 milhões, 37% admitem que hoje são dependentes da droga e 2 milhões de pessoas usam tanto maconha quanto cocaína.

O contato com a droga começa cedo: quase metade (45%) dos usuários provou a substância pela primeira vez antes dos 18 anos. Essa experimentação precoce, de acordo com os pesquisadores, aumenta o risco do uso de outras drogas ao longo da vida e da incidência de doenças psiquiátricas.

Em terras capixabas, as drogas dominam o Estado e atingem quase 100% das cidades. É o que afirma uma pesquisa da Confederação Nacional de Municípios. Ao todo, dos 63 municípios pesquisados, 61 revelaram que sofrem com a circulação de drogas. Estima-se que 30 mil pessoas usem crack hoje no Espírito Santo.

A sociedade parece estar dividida entre a que sofre e a que inda vai sofrer com o uso de drogas lícitas ou ilícitas. “O consumo é muito maior do que as pesquisas apontam.
É só olhar nas praças, nos becos, nos cantos das cidades, nas festas, nas rodinhas nos condomínios… as drogas estão por toda parte”, revela o pastor Marcelo Lyra de Carvalho, diretor do Centro de Recuperação de Dependentes Químicos Vale da Bênção, em Cariacica.

Com experiência acumulada de quase 10 anos nessa área, o Pastor Marcelo usa a própria história para ajudar outros homens a superar o vício. “Usei vários tipos de droga dos 13 aos 26 anos. Sei o quanto é difícil deixar de sentir aquela sensação. Mas é possível ser liberto. A receita está na Bíblia”.

Ajuda do alto

Para dependentes de drogas, a saída não é fácil. Internar um filho viciado, como muitos pais têm feito hoje, é uma atitude que até pouco tempo atrás era definida como exagerada.
“A família não aceitava o problema com facilidade. Ainda hoje muitos pais sustentam o vício dos filhos. Quando a situação fica insustentável e o dependente vira um ‘lixo humano’, a família acorda”, disse o pastor Geraldo Luiz Casagrande, diretor do Instituto Neemias, que atende dependentes e moradores de rua em Cariacica.

“A família precisa se comunicar mais. Pais precisam observar e orientar os filhos. Quanto menos diálogo, mais suscetível eles estão às amizades e influências. A falta de atenção da família pode levar a pessoa a ficar por muito mais tempo no universo das drogas, buscando lugares onde seja aceito”, lembra o psicólogo e especialista em dependência química Glauber Rezende.

Drogas: Uma doença socialSituação vivenciada por Marcos Antônio da Silva, hoje com 42 anos, livre das drogas que o aprisionaram durante 25 anos. “Eu me isolava das pessoas, era complexado e ao mesmo tempo arrogante. Nunca fui de ter amigos, e minha família não sabia lidar com meu jeito de ser. Havia um vazio dentro de mim, não sabia lidar com frustração, tinha a necessidade de algo mais que eu não sabia identificar. Aí veio a droga preenchê-lo”, conta.

Marcos se entregou tanto às drogas que viveu pelas ruas durante um ano como mendigo. “Fui ao fundo do poço, ao extremo que uma pessoa pode chegar. Quando percebi que a droga era a minha vida, Deus usou minha filha e minha esposa para me convencer do meu estado e buscar ajuda”.

Liberto dos vícios desde 2010, Marcos Antônio conheceu Jesus no Instituto Neemias e hoje trabalha na comunidade. “Aqui vejo vidas como a minha serem transformadas. Fazemos um trabalho também com a família do dependente, pois sei o quanto ela é determinante para o sucesso do tratamento.

Os familiares precisam se preparar para o acolhimento quando o dependente tiver alta”.
A melhor estratégia para afastar os jovens das drogas, segundo especialistas, envolve uma abordagem múltipla. Primeiro, o usuário precisa reconhecer que é dependente – muitos custam a entender isso. Depois, a intervenção da família, que precisa aceitar o problema e encará-lo.

Em seguida, vêm o tratamento contra a dependência química, a busca de alternativas à droga – que pode ser pela fé ou por um novo propósito na vida – e o apoio comunitário e clínico (da igreja, dos amigos, dos grupos especializados) para manter a pessoa longe do mundo das drogas.

Glauber Rezende destaca que a sociedade precisa buscar o entendimento do que é a dependência química, pois ela é desafiadora até para especialistas e médicos. “Vários fatores podem levar o cidadão à dependência. São doenças emocionais, pressão social, desentendimento familiar, desilusões. A dependência química é uma doença de sentimentos. O tratamento deve ser encarado não apenas pelo dependente, mas pela família inteira, que precisa se preparar para lidar com essa batalha diária”.

A Igreja não pode perder seu papel social de difundir Jesus aos marginalizados. Esse é o apelo da missionária Laodicéia  Mirandola, que comanda a Missão Batista Esperança, em Ilha dos Aires, Vila Velha, de apoio aos dependentes químicos. Ela lembra as palavras do próprio Cristo, quando disse: “não necessitam de médico os sãos, mas sim os enfermos; Eu não vim chamar justos, mas pecadores” (Marcos 2:17).

Drogas: Uma doença socialLaodicéia é missionária da Igreja Batista da Glória, Vila Velha, e passou a se dedicar ao trabalho com dependentes após o evento MegaTrans – a mobilização Jesus Transforma que envolve milhares de voluntários na proclamação do Evangelho desde o ano passado. “Nosso projeto é de portas abertas. Trabalhamos motivando as pessoas a se recuperarem a mobilizamos voluntários para trabalhar conosco”, diz.

Os que desejam se tratar são encaminhados para a Cristolândia, que conta com uma sede no Centro de Vitória, onde pessoas são acolhidas e, após um período de triagem, podem ser tratadas numa comunidade terapêutica em Marataízes.

A Cristolândia tem mobilizado cerca de 50 voluntários para percorrer os bairros conscientizando a população e identificando usuários de drogas. Ajudando, além da equipe técnica contratada, que conta com psicólogo, enfermeiro e assistente social, treinados para servir da melhor forma e tocar o coração de quem estiver precisando de ajuda e do contato com a Palavra.

Para o pastor Charles de Miranda Terra, diretor do Centro de Recuperação Vida com Jesus, em Cariacica, tanto os cristãos quanto a sociedade precisam despertar para ajudar os usuários

de drogas. “Toda a sociedade sofre com esse flagelo. Mas vemos muita indiferença até mesmo das igrejas. Parece que só vão despertar o dia que a droga entrar na casa deles. E não deve ser assim. Jesus nos ensinou a amá-los”.

Charles, que teve dois filhos que usaram drogas, um chegou a falecer, atualmente trabalha com 20 internos. “Poderíamos receber mais usuários se tivéssemos mais ajuda. O custeio pesa muito e nesse aspecto as igrejas podiam investir mais para fortalecer o trabalho das casas terapêuticas. Mas antes de tudo é preciso mudar a forma de ver o dependente químico. A sociedade tem raiva dele porque, em algum momento ele, a agride. Mas o cristão deve ter o coração na obra e acreditar que esse ser humano tem recuperação”.

A fé é uma ferramenta poderosa que está retirando muitos jovens do mundo das drogas e do crime. “As igrejas evangélicas despertaram para esse público há muito tempo, antes mesmo que o poder público”, destaca o Pastor Geraldo Casagrande. Mas, segundo ele, precisam fazer mais. “Precisamos de campanhas, ações nas comunidades, conscientizar os jovens no local que ele vive, usar a estrutura da igreja para palestras, eventos esportivos e sociais que atraiam e orientem o cidadão”.

Muitos já foram resgatados e hoje são homens e mulheres restaurados. O trabalho missionário de levar a Palavra de Deus aos oprimidos é dever de todos. “Os becos, as favelas… as ruas estão cheias de pessoas esperando ouvir de nós a mensagem que liberta. Ali na calçada, deitado e sujo, tem um ser humano criado por Deus e que está aprisionado. Nós temos a palavra que vai libertá-lo”, considerou o Pr. Marcelo Lyra.

A igreja evangélica pode trabalhar para reduzir as estatísticas. A responsabilidade social do cristão começa no coração, assim, a igreja se tornará um grande centro de restauração e recuperação de vidas.

A matéria acima é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

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