Um imenso, belíssimo e valioso patrimônio que fomos incumbidos de guardar mas na maioria das vezes, pouco prestamos atenção. Qual o compromisso do cristão com a sobrevivência do planeta?
Por Márcia Rodrigues
Entre as centenas de datas que o homem instituiu no calendário para lembrar ou celebrar fatos ou pessoas, está 21 de setembro, o dia da árvore. Nesse dia, podemos e devemos agradecer porque plantas brotam e crescem, deslumbrando nossos olhos, nosso olfato e nossa alma. Podemos e devemos agradecer porque descansamos nossos olhos, acalmamos nossa mente e alimentamos nosso espírito contemplando o verde das matas.
Porque, pobres ou ricos, jovens ou velhos, bons ou maus, úteis ou improdutivos, todos podemos desfrutar desse patrimônio inestimável que Deus, amorosamente criou apenas e tão-somente para nos abrigar.
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Mas 21 de setembro pode também ser data propícia para um outro exercício: observar, meditar, concluir – e, quem sabe, talvez até tomar posição e agir. A natureza de modo geral está sendo destruída pelo próprio homem.
Entre o Éden e o caos
“Eu gosto de Isaías porque lá se pode ler: ´Porque assim diz o Senhor que tem criado os céus, o Deus que formou a terra, e a fez; Ele a confirmou, não a criou vazia, mas a formou para que fosse habitada´ (Is 45-18). Aqui nós vemos um aspecto que foge ao conceito de evolucionismo: Deus planejou a Terra para habitação do ser humano. Ele primeiro preparou cuidadosamente o ambiente, colocou tudo o que nele há – céus, terras, águas, animais e vegetais, e depois disse: Filho, agora você vai desfrutar, mas a sua responsabilidade é cuidar”, afirma Pedro Rodrigues, pastor distrital da Igreja Adventista, em Piracicaba (SP).
Para o pastor Pedro, a causa principal da destruição da natureza e dos problemas ambientais que estamos vivendo foi o pecado. “O que aconteceu foi que o pecado trouxe consequências completas e amplas, pois houve separação de Deus. Não só no aspectos físicos, emocional e espiritual do homem. Com a entrada do pecado no mundo também aconteceram mudanças no aspecto físico do planeta.

A Terra era protegida por uma camada que permitia ao homem permanecer nu no Jardim do Éden sem sentir frio ou calor. Essa camada foi destruída por ocasião do Dilúvio. Há provas arqueológicas disso. Antes, não tinha chuva. A Bíblia diz que ´subia uma neblina que regava a Terra´ (Gn 2-6). Então, a natureza foi passando por essas tragédias e por essas catástrofes como fruto do pecado e da desobediência. O planeta, que estava em harmonia, passou agora a sofrer uma ruptura”, afirma ele.
Para o pastor Hernandes Dias Lopes, da Igreja Presbiteriana de Vitória, “Deus criou um mundo perfeito. Mas houve uma queda. No mundo angelical, em primeiro lugar, e depois no mundo humano. Como consequência dessa queda humana, o próprio Deus disse que a Terra iria produzir ‘espinhos, cardos e abrolhos’ (Gn 3, 17-8). Ou seja, houve uma maldição divina imposta sobre o pecado, e a consequência é que a própria natureza estaria produzindo certas desordens funcionais. O homem enfrentaria a consequência do seu pecado no seu próprio habitat”, explica.
E como foi que permitimos que o lindo jardim que Deus nos deu se transformasse, aos poucos, no cenário caótico que vemos hoje? “O homem quis o progresso sem responsabilidade, numa posição extrativista. Ele busca resultados grandes e imediatos. Não se pensa no futuro, não se pensa nas novas gerações, de tal maneira que o ecossistema foi sendo destruído. A camada de ozônio tem enormes buracos, os rios foram se tornando esgotos abertos, as matas foram sendo devastadas. De certa forma, hoje já estamos vivendo a ressaca, as reverberações dessas ações irresponsáveis. O homem está colhendo os frutos amargos da sua própria semeadura. Ele está bebendo o refluxo do seu próprio fluxo irresponsável”, explica o pastor Hernandes.

De fato, o descaso contemporâneo com o meio ambiente, com a nossa própria sobrevivência e, principalmente, com a das futuras gerações, tem transformado a face do planeta como nunca anteriormente, trazendo consequências nefastas. O clima, em todos os países, parece estar mudando de forma imprevisível, causando fenômenos desastrosos e incontroláveis, cobrando o preço do desequilíbrio em milhares de vidas, destruição de lugares outrora aprazíveis e esgotamento das condições de sobrevivência de várias espécies.
A desastrosa interferência humana
Como engenheiro agrônomo, pós-graduado em Engenharia Sanitária e Ambiental, o pastor Henrique Lobo, da Missão Praia da Costa, é duplamente credenciado para falar quando o assunto é meio ambiente. Especialista em recursos hídricos, estudando rios e espelhos d´água espalhados sobre a superfície da Terra, todos os dias, em seu trabalho, ele testemunha as graves feridas que o homem vem causando à natureza, nos mais diversos aspectos.
Ele já percorreu o Brasil e o mundo fazendo e ouvindo palestras, participando de congressos e encontros nos quais cientistas de diferentes áreas discutem alternativas para um desenvolvimento sustentável. É dele o alerta: “Temos 52% da cobertura natural da Terra modificada – o ser humano modificou mais da metade da superfície natural do planeta. Essas mudanças climáticas todas que nós estamos vendo ocorrem pela interferência do ser humano na superfície da Terra”, explica.
Cientistas de todo o mundo fazem coro a essas afirmações. Crentes ou não, conhecedores ou não do que diz a Bíblia, até mesmo eles estão assustados com os resultados da ocupação predatória que o homem vem promovendo em todo o planeta. Muitos têm afirmado, inclusive, que os danos que o homem vem causando à natureza são mais ameaçadores para a humanidade do que o terrorismo e as guerras.
Essas afirmações constam de um documento que causou grande polêmica e ocupou páginas e páginas na imprensa norte-americana e mundial em fevereiro de 2004. Nele, os cientistas afirmavam que as mudanças climáticas causariam a destruição do planeta. Entre as sinistras previsões, “Guerras e desastres causados por mudanças climáticas podem custar milhões de vidas em poucos anos.
O que diz e o que faz a igreja
A descrição dos cientistas faz lembrar o que os cristãos estão habituados a ler na Bíblia, no livro do Apocalipse. Alguns crentes identificam nesse panorama sinais inequívocos da segunda vinda de Jesus, e muitos líderes evangélicos têm intensificado a exortação aos membros de suas igrejas para que se preparem para esse momento.

“Lá no livro de Apocalipse, podemos ler sobre as trombetas. Tanto no grego como no hebraico, trombeta significa acontecimentos, fatos – o que iria acontecer sobre a superfície da terra. E a quarta trombeta, ela fala da mudança climática. É o que nós estamos vivendo hoje”, afirma o pastor Henrique.
E acrescenta: “Uma coisa a ser observada, na questão das causa espirituais desses problemas, é que existem os períodos da dispensação. Nós estamos vivendo o final da dispensação da Graça, que é justamente a volta do Senhor Jesus para buscar a igreja. Essa quarta trombeta é a última que a igreja vai viver na Terra. Tudo isso é um cumprimento do que está escrito na Palavra, pela desobediência do ser humano. Ele mesmo iria promover o que viria a acontecer”, disse.
Porém, nem todos concordam com essa leitura. “Sonha-se muito com uma realidade de recompensa que virá para os fiéis. Essa questão de guerras, terremotos, conflitos, na sociedade, na família, seriam sinais do fim e da volta de Cristo. É comum a gente ouvir falar isso. Muitos crentes, inclusive, se omitem diante dessas questões porque o mundo vai acabar. Mas, será que é assim?
A Bíblia fala, no entanto, que quando acontecerem essas coisas, será o início, não o fim. Fala que é o princípio de dores. Então, isso não são dores? Sim. Mas é só o princípio! Qualquer pessoa que afirmar que Jesus está por vir nos próximos 50, 100 ou mesmo 200 anos, não tem sustentação bíblica nenhuma. Na verdade, não se sabe quando Jesus voltará”, defende o pastor Adhayr Cruz, da Igreja Metodista de Jacaraípe, na Serra.
Apesar das divergências pontuais, há consenso quando o assunto é a participação humana no que vem acontecendo ao nosso planeta. O pastor Hernandes lembra que a queda não anulou a responsabilidade que o homem já possuía, antes dela, de cuidar da terra. “Porque quando Deus criou o homem ele determinou que ele lavrasse e cuidasse da terra. Ou seja, o homem era o mordomo da Criação. Ele era o responsável pela administração adequada certa, legítima, desse habitat em que foi colocado. A partir daí o homem começa, ao longo da história, dos séculos, dos milênios − mormente depois da Revolução Industrial, com as indústrias, com o crescimento do mercado econômico, com o capital – a depredar, a dilapidar com voracidade este habitat”, diz ele.
Também há acordo unânime com relação ao despertar tardio da igreja para a gravidade dos problemas ambientais e a urgência de enfrentá-los, espiritual e materialmente. Curiosamente, embora a fé protestante tenha acompanhado e até servido de base ideológica para a expansão do capitalismo no mundo, até chegar ao desastroso nível da voraz exploração dos recursos naturais que vemos hoje, não são os evangélicos que estão à frente dos principais grupos preocupados com a preservação ambiental.
“O que nos salta aos olhos é o estado letárgico em que se encontra o povo de Deus diante das iminentes ameaças de extinção animal e vegetal, diante da degradação de rios e mares, sem que nos disponhamos a falar sobre preservação, a abraçar causas ambientais. A sugerir, como administradores conscientes, formas de preservação. Enfim, não dá para dormir em paz sabendo que quase 72 Km2 de florestas, só na nossa Amazônia, são derrubados todos os dias”, diz Martins.
“A destruição existe, e vai acontecer mais ainda se as igrejas não tomarem cuidado, não participarem para mudar esse curso da história. A pergunta é essa: como as igrejas estão cooperando com o mundo para mudar o curso da história? Como é que vamos mudar, em nome de Deus, esse curso da história? A omissão com base na segunda vinda de Jesus é uma ideia errada. Muitos líderes religiosos, no passado, pregaram isso. É um erro muito grande de interpretação. A sociedade pode tomar rumos diferentes. A sociedade pode se organizar, as igrejas juntas se organizarem, e todos unidos mudarmos esse quadro caótico de miséria, fome, desequilíbrio e desigualdade. Então, se mudar, aí Jesus não virá? Vai mudar, e a possibilidade da vinda do Cristo é a mesma.
Esta matéria é uma republicação exibida na Revista Comunhão – Outubro/2005 produzida pela jornalista Márcia Rodrigues e atualizada em 2021 (Priscilla Cerqueira). Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi originalmente escrita.

