É indispensável sabedoria para que um eventual conflito entre emoção e cognição não nos desequilibre, até porque os desejos sempre nos rodeiam
Por Clovis Rosa Nery
O que é o desejo? Para Aristóteles era o saldo dialógico da alma. A emoção quer e a cognição pondera. Seneca dizia que ele resulta de uma luta interior entre a cognição e a emoção. Por isso, para não se tornar escravo dele, um pouco de cautela é bom. Lacan, embasado nas ideias de Freud, defendia que a gênese do desejo é a nossa imperfeição. Devido a essa carência, saciando o desejo inicial, outro emergirá em seguida.
Parece contraditório, mas, basicamente, desejar é querer algo. A potencialização é reforçada à medida que o grau de dificuldade de obtenção aumenta. Mas com a saciação o desejo cessa, porque desejamos o desejo, e não propriamente a coisa em si.
O desejo flui do sistema emocional, ancorado no cognitivo. Ser dominado por ele é catastrófico, porque embota a cognição. Assim, se a geração for sodomita, inclinada a desejos escusos, prenunciará tragédia.
Noutro texto já disse que somos gregários. Significa que o “Eu” sem o “tu” jamais alcançará plenitude, porque, nesta existência somos “seres em construção”, sendo nossa personalidade forjada, via contato com o ambiente.
Como disse Shakespeare “fios bons e maus tecem nossa história de vida”. É indispensável sabedoria para que um eventual conflito entre emoção e cognição não nos desequilibre, até porque os desejos sempre nos rodeiam.


Psicofisicamente, com a fé não é diferente. Ela é a crença em algo que não vejo (Hebreus 11: 1). Quando eu vejo, cessa-se a fé. No Céu, portanto, não há fé. Lá ninguém crê, nem precisaria, porque veremos o Senhor face a face (I Coríntios 13: 12).
Portanto, fisiologicamente, ao crermos, utilizamo-nos de uma área específica do cérebro que nos lega uma sensação distinta. Encerrando o processo de crença, emergirá nova reconfiguração do quadro mental.
Esta é a situação dos salvos: testemunhamos e avançamos pela fé, vigilantes e desejosos de um dia estar para sempre com o Senhor, mas convictos de que isso somente se concretizará, em última instância, quando deixarmos este mundo.
Cremos em Deus, porque Ele é o nosso Deus. Mas Ele não é Deus porque cremos n’Ele. Se crermos, ou não crermos, os atributos do Senhor permanecem inalterados, porque Ele é Deus, independentemente do que os homens pensam sobre Ele.
Precisamos enfatizar a necessidade de sermos conhecidos de Deus, porque não ser conhecido d’Ele é terrível (Mateus 7:23). Nisso está diretamente envolvido o amor, porque “se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele” (I Coríntios 8:3).
Nesse sentido, os cristãos com todas as suas formas de constituição, seja moral, ética, cultural, e outras, interagem dialeticamente com a sociedade. Com amor, porfiando pelo equilíbrio em seus desejos, exercerão influência benéfica.
Há um perigo aqui. A massificação de narrativas modela o inconsciente coletivo. Os apelos midiáticos podem “cegar” a pessoa. Se o campo cognitivo for minado, ela perderá a identidade e, incorporando subjetividades, viverá uma vida que não é a dela.
Fato é que uma comunicação de impacto, com seus efeitos subliminares, influencia a sociedade. Como nossas objetividades têm raízes motivacionais subjetivas, o processo sutil é quase imperceptível, a não ser em seus efeitos deletérios, a posteriori.
Finalmente, tudo isso conduz-nos a uma reflexão séria. A razão da nossa fé está sempre à prova no dia a dia, porque se todas as coisas nos são lícitas, nem todas elas nos convém. Quer dizer que, para avançar pela fé, é indispensável perseverança, equilíbrio, sabedoria em utilizar o livre arbítrio e, também, o controle do desejo, porque ele tem tudo a ver com a consistência da nossa fé.
Clovis Rosa Nery é Psicólogo, pesquisador e escritor