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segunda-feira, 18 março 2024

Como tirar as crianças de frente da tela?

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Foto: Reprodução

Tirar as crianças de frente da tela virou uma missão “quase impossível”, mas especialistas afirmam ser possível equilibrar

Por Priscilla Cerqueira 

Há um ano o cenário é o mesmo: escolas fechadas, maioria dos pais em home office. Famílias vivem momento atípico devido à pandemia do novo coronavírus. Nesse cenário, os adultos cedem para soluções fáceis, como flexibilização do uso das telas.

Em muitas casas, o que antes era uma restrição, acabou virando um jeito simples de deixar as crianças expostas. Televisão, tablets, smartphones, computadores e videogames passaram ser a grande saída para que os pequenos fiquem em casa de forma silenciosa enquanto seus pais trabalham.

O que já era tecnológico, agora ganhou ainda mais proporção. Tudo é virtual! Até mesmo as escolas passaram a usar as plataformas por conta da suspensão das aulas presenciais. Tirar as crianças de frente da tela hoje, para muitos pais, é uma “missão quase impossível”, ainda mais com tanta disposição de conteúdos até interessantes, mas com apelo forte, que atraem a garotada.

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“Sei que existem conteúdos interessantes disponíveis na internet, mas a dificuldade é de não deixá-los tanto tempo de frente para as telas, até porque a criança pode adquirir informações erradas através de conteúdos que não sejam educativos”, disse Patrícia Tiso, que incluiu na programação diária atividades junto com o filho fora das telas.

A criança de hoje nasce digital, por isso, a dificuldade é ainda maior. Esse é o grande desafio da Patrícia Tiso. Mãe de três filhos, um de 24, outro de 18 e o caçula com 11 anos, todos são ligados nas telas desde cedo. “Eles sempre lidaram com o computador. Estão ligados no mundo digital, sabem do jogo novo da moda e querem participar. É uma luta para tirá-los de frente da tela e mantê-los ocupados com outras atividades”, relata.

“Sei que existem conteúdos interessantes disponíveis na internet, mas a dificuldade é de não deixá-los tanto tempo de frente para as telas, até porque a criança pode adquirir informações erradas através de conteúdos que não sejam educativos. Também não tem como deixar sem esse tempo porque as aulas são online por conta da pandemia”, acrescentou Patrícia, que é pastora auxiliar na Igreja Batista Getsêmani, em Belo Horizonte (MG).

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Patrícia sempre acompanha o filho caçula quando está diante das telas. Foto: Arquivo pessoal

Tire seu filho do celular

Não é raro ver crianças e adolescentes nos carros, nos restaurantes e até mesmo dormindo com fones de ouvido.

Essa relação dos nativos da Era Digital com as tecnologias é um tema amplamente discutido entre os profissionais da área de saúde que alertam sobre a dificuldade que esses jovens apresentam em entender e lidar com emoções.

A pediatra Evelyn Eisenstein, que é coordenadora do Grupo de Trabalho da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sobre Saúde Digital, explica que a interação com a tela é passiva. O resultado disso “são crianças e pessoas mais retraídas e introspectivas, que não entram em contato com emoções”, tanto com as suas próprias, como com as do outro.

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“A brincadeira é a chave para reduzir o tempo de tela dos filhos no dia a dia. Através do brincar é que a criança elabora e compreende essa maluquice que estamos vivendo” (Evelyn Eisenstein – pediatra). Foto: Sociedade Brasileira de Pediatria

Então, como podemos tirar os pequenos de frente da tela? “A brincadeira é a chave para reduzir o tempo de tela dos filhos no dia a dia. Através do brincar é que a criança elabora e compreende essa maluquice que estamos vivendo”, explica a médica.

Habilidades como solução de problemas e socialização também são adquiridas através de jogos e brincadeiras, além de ajudar a estreitar os laços entre pais e filhos. São brincadeiras como dança, teatro, mímica e pintura. Na casa da Patrícia virou regra para o caçula. Todos os dias mãe e filho têm um encontro marcado longe das telas.

“Como ele passa a manhã inteira no computador fazendo aulas, quando eu retorno do trabalho, passamos a tarde fazendo atividades juntos. São descobertas culinárias, discussões sobre livros que estamos lendo juntos, pintura em telas, arte em biscuit, desenho. De noite ele tem tarefas escolares e depois fica comigo na cozinha enquanto preparo o jantar”, conta.

Além de fazer atividades prazerosas, a psicóloga Cíntia Oliveira, da Igreja Batista Lagoinha, no Rio, também sugere que os pais conversem com as crianças. O diálogo é importante e saudável. “Crie o hábito de oferecer uma escuta genuína, pois a infância passa, e ficará mais difícil estreitar laços com seus filhos adolescentes ou mesmos adultos”, pondera.

Como tirar as crianças de frente da tela?

O lado positivo

Não que a tecnologia seja um inimigo, ela está aí para ficar. Os filhos também não podem ser “analfabetos digitais”. É preciso equilibrar tecnologia, família e sociabilidade.

Dois grandes renomados especialistas em relacionamentos familiares, Gary Chapman e Arlene Pellicane, no livro “A criança digital: ensinando seu filho a encontrar equilíbrio no mundo virtual”, afirmam que os pais podem aliar os benefícios da tecnologia com uma rotina que seja produtiva para toda a família.

“As telas não são o problema; o problema é a frequência com que as usamos. Que atividade preenche o tempo livre de seu filho? Para a média das famílias, tempo livre é igual a tempo diante da tela. Uma coisa é reunir a família diante da televisão para assistir a uma série. Trata-se de um tempo intencional diante da tela que pode aproximar ainda mais a família. Outra coisa é clicar de canal em canal, aleatoriamente, dia após dia. Esse tempo não programado tende a ser desperdiçado e tornar-se influência negativa”, diz um trecho do livro.

Pastor Erasmo Vieira, da Igreja Batista Morada de Camburi, em Vitória (ES), compartilha a ideia de positividade quanto ao uso das telas. “Os eletrônicos serão propícios ou não dependendo do projeto de sua utilização. Podem ser educativos, divertidos, até tranquilizadores ou podem se tornar viciantes e destrutivos, vai depender de como os pais querem educar seus filhos”, destacou.

O melhor caminho, segundo ele, é “usar os eletrônicos para o benefício da criança de forma dosada, com acordo com o tempo, e sempre com comentários. Há muito material bíblico fascinante como caminho de entendimento da Palavra. Como há desenhos sobre generosidade, relacionamentos, serviço comunitário”, completa.

“A brincadeira é a chave para reduzir o tempo de tela dos filhos no dia a dia. Através do brincar é que a criança elabora e compreende essa maluquice que estamos vivendo” – Evelyn Eisenstein, pediatra.

O ambiente digital pode ajudar as crianças a cultivar laços afetivos e mantê-las aprendendo. Também pode contribuir para engajá-las na experiência de aprender em casa e assim manterem- -se conectadas a professores e amigos. Mas o mau uso ou o uso excessivamente precoce traz preocupações para os pais.

Quando a criança passa a ter a tela como companhia, aí vem o problema. “Na rede, elas estão expostas a todo tipo de pessoas. São ‘estranhos’ que adentram as nossas casas e as deixam vulneráveis, com isso, podem gerar atitudes e ações que não aconteceriam se houvesse uma supervisão dos pais”, explica Cíntia.

É preciso usar a tecnologia como aliado, mas estabelecendo limites. “Não podemos deixar as crianças fazerem somente o que elas querem, porque no futuro, como vão lidar com as regras e os limites sociais? O trabalho remoto levou os pais a exaustão, mas as crianças continuam demandando cuidado e atenção”, argumenta a psicóloga.

Como tirar as crianças de frente da tela?
“Não adianta limitar o tempo de eletrônicos dos filhos se nós passamos o dia navegando nas redes sociais e postando sobre tudo da nossa rotina” (Cíntia Oliveira – Psicóloga). Foto: Arquivo pessoal

O ‘excesso’ e as consequências

A tecnologia invadiu o mundo e cada vez mais estamos vidrados na telinha. Mas um longo período diante desses dispositivos provoca uma série de problemas, como dores de cabeça, fadiga ocular, visão embaçada.

Uma pesquisa do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), realizada com 583 jovens apontou que o número de crianças que usam óculos de grau dobrou nos últimos 10 anos, passando de 10% para 20%. Para evitar esses problemas, o ideal é que o acesso a esses dispositivos não ultrapasse duas horas por dia.

“Os eletrônicos serão propícios ou não dependendo do projeto de sua utilização. Podem ser educativos, divertidos, até tranquilizadores ou podem se tornar viciantes e destrutivos, vai depender de como os pais querem educar seus filhos” – Pastor Erasmo Vieira

Em relação aos perigos para o desenvolvimento infantil, a Sociedade Brasileira de Pediatria alerta que a exposição constante às telas pode aumentar a ansiedade, estimular um comportamento violento ou agressivo, causar transtornos de sono ou de alimentação, prejudicar o rendimento escolar, afetar relações em sociedade, facilitar o incentivo à sexualidade precoce, e expor a criança precocemente a drogas, abusos, o cyberbulling, que é violência praticada através da internet.

“O cérebro da criança é como uma esponja e recebe estímulos que moldam o seu comportamento e sua personalidade e com isso as crianças podem ficar mais agressivas, ter dificuldade de socialização, de aprendizado”, explica a pediatra Evelyn.

Em um estudo realizado em 2020, por médicos do Hospital JK Lone, em Jaipur, na Índia, com 203 crianças — 55% meninos e 45% meninas – revelou dados assustadores sobre o uso de eletrônicos por crianças. Os pequenos estão chorando, expressando raiva e deixando de ouvir os pais quando eles pedem que elas parem de usar os dispositivos.

A pesquisa concluiu que 65% das crianças estão viciadas em eletrônicos. E a quarentena teve impacto negativo significativo na saúde física, mental e emocional das crianças, o que está levando a sono de baixa qualidade, distúrbios psiquiátricos e discórdia entre pais e filhos.

Com a pandemia e o isolamento dos pequenos em casa, muitos estímulos necessários para a ampliação do desenvolvimento cognitivo infantil podem ter diminuído. Para especialistas, essa falta de contato com outras pessoas e de vivência fora de casa pode ter prejudicado o sono, o humor e o apetite das crianças.

Para Cíntia, que também é psicopedagoga, as crianças menores de dois anos de idade não precisam de telas, “pois nesta fase ela está aprendendo a se movimentar a se auto regular emocionalmente. Como o cérebro está em formação, alterações podem contribuir para que elas fiquem sedentárias, agressivas e agitadas”, explicou.

“Não adianta limitar o tempo de eletrônicos dos filhos se nós passamos o dia navegando nas redes sociais e postando sobre tudo da nossa rotina” – Cíntia Oliveira, psicóloga

Crianças maiores também não precisam tanto de telas! “Elas precisam de pais participativos e atuantes”, acrescentou. E tem mais, os adultos são o exemplo e os filhos tendem a replicar o comportamento dos pais. “Não adianta limitar o tempo de eletrônicos dos filhos se nós passamos o dia navegando nas redes sociais e postando sobre tudo da nossa rotina”, ponderou.

Crianças afastadas & família

Com as crianças passando mais tempo em frente às telas a comunhão com a família pode ser afetada. “O afastamento pode comprometer a espiritualidade”, afirma o pastor Paulo Lima, da Igreja Família Debaixo da Graça, no Rio de Janeiro.

Para ele, todo tempo mal-empregado ou não dimensionado com sabedoria traz danos sociais, de relacionamentos e o pior, “o ócio torna-se uma conduta de repetição que vai competir com o lazer, exercícios e criatividade. E aniquila o ser humano em muitas esferas da vida, causando frustração, pois o tempo perdido não se recupera, passa rápido, e sugere alienação no indivíduo e baixa qualidade de ascensão”, argumenta.

Se as crianças estão passando mais tempo de frente para as telas, será então que os pais estão colocando a TV no papel de educador? “Os pais estão terceirizando os ensinos e os valores familiares que serão comprometidos, com isso, cada família estará recebendo de volta o abandono que silenciosamente está presente na construção dos filhos”, opina o pastor Paulo Lima.

Outro ponto a ser considerado na reflexão, segundo o pastor Paulo Lima, que é terapeuta familiar, é que na escola as crianças são escolarizadas, “mas é no berço da família que são educadas a saberem dizer sim e não e questionarem”. A própria Palavra de Deus nos confirma isso em Provérbios 13:24: ‘Quem se nega a castigar seu filho não o ama’.

A Bíblia, em Eclesiastes 3:1-10 nos exorta para medir o tempo, usando-o em favor para unir e não para destruir. Ou seja, os pais devem investir no tempo de qualidade com os filhos. “A super desvalorização desse tempo com os filhos por motivos da ciranda financeira que os pais estão em busca e suprem os filhos com objetos e coisas, os fragilizam. As crianças exigem que a presença venha antes dos presentes”.

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Menos tela, mais saúde e mais espiritual

Além de reduzir o tempo em frente às telas, os pais devem vigiar o que os filhos estão fazendo. No passado a televisão estava no centro da sala, e por isso, todos tinham acesso a ela. Hoje, o smartphone está ao alcance de um dedo, o que dificulta a observação dos pais. “Então, antes de autorizar o uso das telas, estabeleça os bloqueios e sempre esteja atento ao que seu filho assiste, joga ou busca na internet”, aconselha Cíntia.

“Os pais estão terceirizando os ensinos e os valores familiares que serão comprometidos, com isso, cada família estará recebendo de volta o abandono que silenciosamente está presente na construção dos filhos” – Pastor Paulo Lima

As crianças também precisam de referências e os pais são responsáveis por serem referências saudáveis para seus filhos. Mais do que aparelhos eletrônicos, os pais precisam dar atenção para eles. Então como corrigir esse problema antes que se agrave?

“A única correção para as perdas da falta do tempo de educação com qualidade para os filhos é: os pais colocarem na agenda o compromisso de estarem sem compromissos para terem tempo com os filhos”, argumentou pastor Paulo.

Ainda que não seja fácil, dosar o tempo de contato entre as crianças e os aparelhos é fundamental. Pedir que a criança desligue o celular ou deixe o tablete de lado não será tão afetivo. O que vai fazer diferença mesmo na mudança de postura dos pequenos é oferecer repertórios variados e estar disponível para elas no tempo que você puder. Afinal, “ser pai e mãe é uma responsabilidade: crie tempo para estar com o seu filho”, aconselha Evelyn.

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