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quarta-feira, 24 abril 2024

Como incluir as pessoas autistas ao cotidiano da igreja?

Foto: Arquivo Pessoal

O acolhimento precisa ser integral, com apoio à família, além de capacitação da liderança, segundo a pedagoga Telma Martins

Por Patricia Scott

Dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, apontam que, atualmente, há um caso de autismo a cada 110 pessoas [nos casos de crianças a prevalência é de um para 44]. Dessa forma, estima-se que o Brasil, com 200 milhões de habitantes, possua cerca de dois milhões de autistas.

Pela primeira vez, no Brasil, o autismo vai entrar no radar das estatísticas como forma de mapear quantas pessoas vivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e quantas podem ter, mas ainda não tiveram diagnóstico. Isto porque os recenseadores do IBGE, a partir de 1º de agosto, visitarão 78 milhões de lares brasileiros para aplicarem os questionários básicos do Censo Demográfico 2022. No entanto, famílias de cerca de oito milhões de domicílios serão perguntadas sobre o tema no questionário de amostra, com 77 questões.

O assunto, infelizmente, ainda é pouco debatido nos mais diferentes espaços, inclusive nas igrejas. “Como liderança, temos nos perguntado: por que as famílias de pessoas autistas não estão presentes no cotidiano da comunidade de fé? Esse é um dado que nos faz pensar que a falta de acolhimento e de preparo do ambiente para receber essas famílias tem sido um fator desse distanciamento”, pontua a pedagoga Telma Cezar da Silva Martins, que é mestre e doutora em Educação e especialista em Educação infantil.

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Telma também integra a equipe de coordenação do Departamento Nacional de Escola Dominical, da Igreja Metodista. A denominação criou o Saberes-tecendo Conhecimentos, que oferece diversos cursos. Um deles é o “A Igreja e o Autismo”, que tem como proposta promover caminhos para o acolhimento e a inclusão de pessoas autistas na igreja; incentivar a criação do ministério da inclusão na comunidade de fé; promover o acolhimento às famílias das crianças autistas.

“A intenção do Departamento Nacional de Escola Dominical, da Igreja Metodista, é ser esse disparador, para que haja aproximação das pessoas que trabalham na Escola Dominical, lideranças e familiares a temas emergentes e importantes para a Educação Cristã”, observa Telma, que,  em entrevista à Comunhão, destaca questões que englobam o tema à igreja.

O autismo precisa ser mais debatido na igreja? Por quê?

Não só na igreja, mas na sociedade como um todo. Ainda há pouquíssimas comunidades com a presença de pessoas autistas participando na vida da igreja. A ausência de pessoas autistas não contribui para o debate/reflexão de como podemos adequar o ambiente, os momentos de culto, a Escola Dominical, outras atividades da igreja para acolher todas as pessoas presentes, inclusive autistas. Por isso, o debate é importante, e o acolhimento dessas pessoas é fundamental.

De um modo geral, as igrejas estão preparadas para receber essas pessoas? Por quê?

Na minha visão, não. As famílias não se sentem confortáveis e acolhidas, e a igreja ainda tem muitas dificuldades para acolher. A igreja entende que é importante essa integração, mas por falta de conhecimento e formação da liderança, professores da comunidade como um todo, acaba apresentando muitas dificuldades para criar um ambiente acolhedor e um espaço organizado para receber pessoas autistas, principalmente as crianças.

Como deve ser o acolhimento do autista na igreja?

É importante que, primeiro, a igreja se prepare para receber a pessoa autista a partir da formação de uma rede de apoio, composta pelos professores da Escola Dominical, familiares, profissionais da saúde, da educação e outras áreas afins, voluntários que possam contribuir com esse processo de acolhimento ao autista e sua família. A criação e consolidação do ministério de inclusão na igreja são fundamentais para a efetivação de ações específicas de acolhimento e inclusão e de formação da comunidade de fé. O diálogo e parceria com a família do autista é um dos primeiros passos deste acolhimento. É importante saber como e o que pode ser feito para que o acolhimento aconteça nos espaços da igreja. A presença da pessoa autista na comunidade exige algumas adaptações nos espaços e ambiente da igreja, por exemplo, adequação do volume dos microfones, instrumentos, já que o ambiente visual e sonoro muito poluído pode desestabilizar o autista.

Como a igreja pode combater o preconceito com relação ao autismo?

Debatendo esse tema, buscando capacitação, chamando e acolhendo as famílias com pessoas autistas para fazer parte da comunidade, pois a presença da pessoa autista na vida da comunidade de fé ajuda a despertar nosso olhar para as demandas específicas que esse relacionamento pede. Lembramos que qualquer tipo de preconceito se combate, desmistificando os pré-conceitos e estereótipos que, ao longo do tempo, vamos formulando em relação a um determinado tema. No caso do autismo, ainda temos muito preconceito porque pouco nos relacionamos com essas pessoas e familiares; não conhecemos, de fato, as necessidades, habilidades, potencialidades do autista e ficamos apenas com informações do “senso comum”, com as dificuldades, com as inseguranças que temos diante do desconhecido, do que se apresenta como diferente para nós. Tudo isso atrapalha o crescimento da igreja em relação às inúmeras possibilidades que essa inclusão oferece.

O professor de escola bíblica precisa ser capacitado e treinado para atender esse público?

Reforço que a comunidade como um todo tem que conversar e se preparar para acolher pessoas autistas. No entanto, professores da Escola Dominical precisam buscar essa formação como um compromisso vinculado a sua função, ao seu fazer ministerial e pedagógico. Não dá para exercer o ministério de ensino sem capacitação e preparo para a inclusão. Cada pessoa (reforço que as crianças são pessoas e precisam deste mesmo cuidado) precisa sentir-se pertencente a comunidade de fé, por isso, é preciso que quem trabalha no ministério de ensino. Na educação cristã, prepare-se, busque formação para a inclusão e o acolhimento, saiba como apresentar o conteúdo bíblico de forma que todos compreendam. Conforme o pastor Glauco Ferreira e pastora Angélica Freitas explicam, durante o curso, ao se tratar do tema da inclusão da pessoa autista é preciso elaborar um Plano de Ensino Individualizado (PEI), com propostas didático-pedagógicas que norteiam a mediação do professor, visando o desenvolvimento das potencialidades da pessoa autista. Neste sentido, o PEI “é mais um instrumento de caráter inclusivo que visa planejar e acompanhar, de maneira individualizada, o processo de aprendizagem deste público-alvo da educação especial”. A dificuldade em organizar o PEI não pode ser impeditiva para a inclusão de pessoas autistas na classe/turma da escola dominical, mas tem que ser desafiadora e motivadora para a busca de capacitação para o acolhimento dessas pessoas.

Como evangelizar e discipular o autista?

A evangelização e o discipulado se dão na convivência, no relacionamento respeitoso, acolhedor e inclusivo que a educação cristã oferece na sua essência. Esses valores ético-cristãos devem nortear todas as nossas ações, em especial o evangelizar e o discipular pessoas autistas. Neste fazer, é muito importante partimos da compreensão das dificuldades e potencialidades que a pessoa autista apresenta, da parceria com a sua família, de um conteúdo bíblico teológico adaptado para cada uma delas.

A liderança precisa desenvolver um trabalho específico com a família do autista? Por quê?

Sim, é muito importante esse trabalho da liderança/do ministério de inclusão. Aproximar-se e estar junto desta família, ser de fato uma comunidade terapêutica. Propor uma rede de apoio que em todos os momentos caminha junto com a família. O acolhimento tem que ser integral. Em uma de nossas videoaulas, a pastora Angélica Freitas compartilha sua experiência como família que foi acolhida pela comunidade de fé, e também nos dá várias dicas de como, na prática, podemos ser uma igreja solidária, terapêutica, acolhedora.

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