O choque de perspectivas inerentes a cada uma das gerações impõe uma série de desafios à sociedade e à Igreja, que precisam conciliar tradição e inovação no contexto de uma era hiperconectada
Por Michelli de Souza
Em 2025, a sociedade global vivencia um momento histórico: pela primeira vez, todas as gerações que surgiram no decorrer das primeiras décadas do século XX coexistem até hoje ativamente, influenciando e também sofrendo os efeitos de um mundo em rápida e constante transformação.
No decorrer de 100 anos, os avanços tecnológicos e as mudanças socioculturais impactaram de maneira diversa cada um dos grupos geracionais, conforme o seu contexto histórico. As pessoas nascidas entre 1928 e 1945 dão forte importância aos valores tradicionais, mas também são marcadas pela resiliência e disciplina, tendo em vista que cresceram em meio a duas guerras mundiais. Pessoas nascidas nesse período, portanto, pertencem à geração chamada silenciosa, termo que se justifica por marcar um grupo que cresceu imerso em crises e criou certo grau de conformismo dentro desses contextos.
No período após a II Guerra Mundial, surge a chamada Geração Baby Boomers, uma locução inglesa que se refere ao boom populacional ocorrido após a II Guerra Mundial.
Essas pessoas, nascidas entre 1945 e 1964, vivenciaram mudanças significativas; logo, ao mesmo tempo em que ainda são apegadas à tradição, também foi a primeira a questionar certas instituições e normas sociais então vigentes.
No auge da transição do analógico para o digital nasce a Geração X, um período caracterizado por um cenário completamente novo. Assim, a incógnita sobre como seriam as pessoas nascidas entre 1965 e 1980 explica a incerteza presente na denominação desse grupo geracional.
Já quem nasceu no período anterior à virada do milênio se enquadra na Geração Y, também chamada de Millenials. Para esse grupo, formar uma família deixa de ser uma prioridade, assim como fazer carreira em uma única empresa. Nesse contexto, a influência da internet e o avanço da tecnologia e dos meios de comunicação foram cruciais para a forma como os nascidos nessa geração se comportam diante do mundo.
Já as três gerações que marcam o período de 1997 até hoje – Gerações Z, Alpha e Beta – diferenciam-se por algumas características, mas estão conectadas por um elemento comum: a imersão maciça no ambiente digital. Quanto a esta última, que tem início em 2025, o que se tem são apenas projeções.

De acordo com o teólogo, eticista e escritor especializado em Bioética Lourenço Stelio Rega, os nascidos nessa nova geração, além de vivenciarem um contexto altamente tecnológico e digital, estarão sujeitos às influências culturais e aos valores morais apresentados pela sociedade contemporânea.
“Vejamos que o cenário de mundo em que esta geração está nascendo não é apenas digital, mas despido de referenciais éticos, em que cada pessoa é um indivíduo livre para experimentar a vida como desejar, o ‘indivíduo é o limite’, seu legislador e juiz para legitimar o que bem entender”, enfatiza Rega.
Da fé institucionalizada à espiritualidade fluida

A era da informação e a exposição negativa de algumas lideranças religiosas, sobretudo no ambiente virtual, têm levado muitos jovens a perderem a fé nas instituições. Essa é a explicação da Doutora em Antropologia e professora na Universidade Lusófona, em Portugal, Lidice Meyer Pinto Ribeiro, para a tendência atual da Geração Z buscar vivenciar a sua espiritualidade de forma mais individualizada, fora dos espaços institucionais.
“‘Principalmente após o período da pandemia, muitos cristãos descobriram a possibilidade de pertencer a comunidades virtuais sem a necessidade de deslocamento físico a uma igreja. Não havendo vínculos estabelecidos com uma determinada denominação evangélica, o jovem se vê livre para vivenciar diferentes formas de culto e as mais variadas doutrinas.
Contrariamente ao que se observa dentro dos espaços físicos das igrejas, há um crescimento da fé entre os mais jovens, mas estes não se encontram nas igrejas, e sim nos espaços alternativos da fé”, observa Meyer, que é autora do livro Cristianismo no Feminino, da editora Mundo Cristão.
O teólogo e Doutor em Sociologia Política Nelson Lellis analisa que classificar os modos distintos com que cada geração lida com a espiritualidade é um desafio, pois é preciso considerar que o próprio conceito de religião pode variar conforme o contexto cultural e a região, além do fato de que os efeitos da globalização também foram diferentes no Oriente e no Ocidente.
No entanto, Lellis pontua que a valorização que é dada ao indivíduo no mundo contemporâneo resulta em uma espiritualidade cada vez mais fragmentada, em que o indivíduo sente autonomia para não estar mais preso a apenas uma tradição religiosa.
“Lembro aqui do termo ‘bricolagem’, utilizado por Danièle Hervieu-Léger, ao observar como uma pessoa religiosa hoje consegue adaptar em (e para) si elementos de mais de uma religião. Neste aspecto, entendo que, sobretudo no lado ocidental, a maneira como a nossa geração vivencia sua espiritualidade é marcada por uma pluralidade que, na maioria das vezes, nem mesmo o fiel é capaz de perceber esse tipo de negociação”.

Já o pastor e autor do livro “Espiritualidade Digital”, Aaron Ignácio, avalia que a espiritualidade das gerações mais recentes, que nasceram na era digital, é marcada por três características principais: não denominacional, subjetiva e emocional.
“Os jovens hoje não estão atrelados à denominação histórica ou a questões credais, que são voltadas para a fé em caráter objetivo. Eles são muito mais subjetivos em sua espiritualidade, que é menos comunitária. Um exemplo disso são os cultos acompanhados de uma luz mais baixa, que traz essa introspecção. Além disso, as músicas são condensadas em emoção, trazendo um culto mais emocional. Ou seja, é uma fé mais emocional, menos racional”, pontua Ignácio.
A escritora, psicóloga, teóloga e especialista em Direitos Humanos e Saúde Mental Marisa Lobo avalia que as lideranças precisam estar atentas a esse novo perfil geracional para que o local de culto não perca a sua essência e propósito, que são a adoração e o estudo da Palavra de Deus.

“Gerações mais novas podem questionar ou querer ‘reinterpretar’ ensinamentos à luz de novas informações e mudanças sociais. Creio ser esse o maior dos problemas, pois os líderes devem estar alertas e fundamentados em princípios sólidos ou deixarão que as ideologias da contemporaneidade invadam a igreja, transformando-a em apenas encontros sociais com foco na emoção e não na verdadeira espiritualidade”, salienta a psicóloga.

