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quinta-feira, 28 março 2024

O Brasil que a Igreja desconhece

Equipe de evangelismo visitando casas da aldeia de Malhada Bonita (MG)

Exemplos de resignação, respeito e muito amor à determinação bíblica de propagar o Evangelho

Por: Rafael Ramos

Nos últimos momentos com os discípulos, Cristo fez questão de enfatizar a necessidade de o Seu rebanho permanecer anunciando as boas-novas do Evangelho. Uma determinação explícita na Bíblia. “Jesus se aproximou deles e disse: ‘Toda a autoridade no céu e na terra me foi dada. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinem esses novos discípulos a obedecerem a todas as ordens que eu lhes dei. E lembrem-se disto: estou sempre com vocês, até o fim dos tempos’” (Mt 28:18-20); “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16:15).

Diz a lei ainda que devemos iniciar esse trabalho pela família. “Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da Igreja de Deus?” (I Tm 3:5). Embora pareça simples cumprir essa ordenança, é preciso ter motivação, saber lidar de forma diferenciada com as finanças e se deixar ser ferramenta divina. Fato é que, mesmo em meio à nossa família, junto aos vizinhos ou amigos, muitos de nós vêm apresentando dificuldade em expressar o amor a Cristo ou não têm ficado atento à grande missão.

Felizmente, há muitos crentes que arregaçaram as mangas e mergulharam de cabeça no desafio do Ide. Além de atuarem em meio à comunidade em que vivem, decidiram levar o conforto da fé a áreas de risco ou a comunidades mais isoladas, de difícil acesso.
Buscando encorajar cada um de nós, Comunhão lança a série “Ide”. Durante todo o primeiro semestre de 2019, as edições trarão matérias especiais com exemplos de projetos que ilustram o cumprir da ordem de Jesus.

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Ide ao sertão

O sertão tem sido uma região no foco da Igreja Evangélica, tendo em vista a dificuldade de acesso a esses locais, cuja realidade é bastante distante de muitos de nós. Para o presidente do Instituto Água Viva (IAV), Pr. Carlinston Pereira, o povo sertanejo está inserido entre os menos alcançados pela Palavra no Brasil. Mais de 6 mil comunidades rurais não contam com a presença evangélica e, em alguns municípios, menos de 1% dos que lá vivem professa essa fé.

O Brasil que a Igreja desconheceSomente na zona rural são cerca de 16 milhões de almas não atingidas pela mensagem de Cristo, habitantes do grupo das 71% das cidades menos evangelizadas do país.

“Transformar esta realidade é um grande desafio para a Igreja Evangélica brasileira.

Os cristãos precisam olhar para o Nordeste como um campo missionário fértil e sedento pelo amor de Jesus Cristo”, explica o pastor.

O sacerdote destaca, ainda, o alto sincretismo religioso, questão praticamente cultural que se impõe como grande desafio. “O povo carrega, ao longo das gerações, usos e costumes e várias simpatias que aprenderam com seus avós e bisavós. Quebrá-los e reconstruí-los requer um trabalho minucioso e respeitoso para que, de fato, não venhamos a feri-los naquilo que acreditam.”

Criado em 2015, o IAV atua no sertão nordestino, sobretudo na Bahia, no Piauí e em Pernambuco, onde são registrados os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) do território nacional, média de 0,55, e renda per capita abaixo de meio salário mínimo. A escolha pelo semiárido se deu por se tratar de uma área de extrema pobreza e vulnerabilidade social, na qual quase nenhum projeto governamental está inserido.

A meta é “transformar e impactar a geografia de uma região pouco apoiada no Brasil e ser uma ponte para outras instituições na luta pela ressignificação e valoração do sertanejo”.

O projeto se apoia em quatro pilares: saúde; esporte; reforço escolar com aulas de balé, música, informática e alfabetização; e geração de renda com fábricas de bonés, camisas e chinelos, de violão, hidroponia, piscicultura, plantação de frutas, e outras. São ações que atendem diariamente mais duas mil crianças em situação risco social, cercadas por abusos físicos e sexuais, sem nenhuma perspectiva educacional. E mais de 10 mil pessoas indiretamente.

Titular da 2ª Igreja do Evangelho Quadrangular, no bairro da Serrinha, em Fortaleza, na capital do Ceará, Pr. Antônio José Lima Cavalcante afirma que a falta de conhecimento desse cenário é um dificultador na hora de levar a Palavra. “A Igreja Evangélica no Brasil não sabe, mas há gente que nunca ouviu falar de Jesus no sertão nordestino. Faltam obreiros bem treinados que conheçam a cultura e a cosmovisão sertaneja”, ressalta.

Ele comenta que, além do sertanejo, a região conta com a presença de grupos como o quilombola, o cigano e o indígena. Entender e respeitar cada uma dessas diferenças ajuda na adaptação de missionários vindos de fora. “Obreiros que desejam trabalhar no sertão precisam ter a consciência de que terão uma vida simples, sem muita infraestrutura ou acesso a transporte público. Enfrentarão a realidade da seca, estarão distantes dos grandes acontecimentos evangélicos, correndo o risco de ser esquecidos pelo restante da Igreja. Terão que vencer a tentação de sucumbir à pressão e à cobrança de ter resultados rápidos”, adverte.

Ide nas favelas

Um contingente superior a 11 milhões de pessoas vive em mais de 6 mil favelas espalhadas em todo o território nacional. Gente exposta à falta de saneamento básico e segurança, em casas sem o mínimo de infraestrutura em total ausência do Estado. Os dados, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são referentes ao Censo 2010. Portanto, devem ser muito maiores.

E é nesse panorama que as igrejas têm encontrado nas comunidades o terreno para desenvolver trabalhos de assistência social e, principalmente, cumprir o Ide de Cristo, como observa Christina Vital, professora do programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

“A presença crescente de evangélicos mudou a paisagem dessas localidades e tem produzido muitos efeitos na sociedade mais ampla. Não é possível analisar o movimento social urbano hoje sem refletir sobre a ação crescente de evangélicos. São verdadeiras redes de apoio que atuam em várias frentes: material, espiritual e psicológica.”

Um exemplo desse engajamento crescente de crentes está no bairro de Flexal II, em Cariacica (ES), onde há 20 anos a Jocum (Jovens com uma Missão) desenvolve projetos para todas as faixas etárias em uma comunidade às voltas com a drogadição, a violência e o descaso por parte das autoridades, o que potencializa a má fama e a baixa autoestima dos moradores, que não contam sequer com os serviços mais básicos, como pontua Andrea Ribeiro, diretora da base da Jocum em Vitória.

“A Palavra de Deus é o fundamento de tudo o que realizamos aqui. Ensinamos, pregamos, testemunhamos, servimos, visitamos, criamos relacionamentos, participamos de reuniões de associação de moradores, realizamos oficinas e várias atividades em parcerias também com órgãos não cristãos. Sobretudo entendemos que um dos nossos papéis na comunidade é ser ponte. Somos moradores desse bairro e vivemos entre eles.”

Com vários desafios enfrentados e superados ao longo dessas duas décadas, Andrea destaca que o maior obstáculo ainda é a religiosidade de algumas igrejas na área. “As carências das comunidades são oportunidades de apresentar o Reino e as intenções de Deus, e essas oportunidades nos tornam mais humanos, mais iguais a Cristo.”

A fim de ampliar a reflexão sobre a situação do Brasil em relação aos não alcançados, trará a série especial “Ide” trará relatos de pessoas envolvidas na causa das missões urbanas. Acompanhe nossas próximas edições e tenha essa chama da semeadura avivada em seu coração.

O Brasil que a Igreja desconhece

Entrevista

Christina Vital, professora do programa de pós-graduação em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e autora do livro “Oração do Traficante”, afirma que o crescimento das igrejas evangélicas vem impactando os moradores de áreas de risco, principalmente em favelas situadas nas grandes metrópoles. Nesta conversa com Comunhão, a pesquisadora traz um olhar analítico sobre a situação.

O Brasil que a Igreja desconheceComo explica esse crescimento das igrejas evangélicas justamente nos locais de risco?
Muitos fatores contribuem para isso, e um deles tem a ver com o tipo de expansão evangélica e de governo das igrejas, já que a maioria delas é congregacional e tem uma gestão descentralizada. Isso permite que um pequeno grupo de oração que se reúne semanalmente possa ir crescendo na vizinhança e busque posteriormente uma formalização.

Outro fator importante tem relação com a assistência social produzida por essas igrejas, que são verdadeiras redes de apoio atuantes em várias frentes: material, espiritual e psicológica. Como em toda relação institucional religiosa, há muitos interditos, controles e angústias derivados da coesão moral existente nas igrejas, mas há também conforto e contentamento que justificam a manutenção e novas adesões às denominações.

Qual o maior impacto no âmbito social e/ou econômico que a presença da Igreja trouxe?
A Igreja Católica era bastante presente nas periferias. No entanto, pela capilaridade pentecostal e pela estratégia deliberada, algumas denominações crescem vertiginosamente não só nessas localidades, mas também em todas as regiões do país. Tratando especificamente de favelas e periferias, a presença crescente de evangélicos mudou a paisagem dessas áreas em termos estéticos e gramaticais. Também a economia teve uma alteração significativa com os comércios de “marca” cristã. As lanchonetes, mercearias, salões de cabeleireiro, lan houses, padarias, pizzarias, churrasquinhos, lojas de roupa, hortifrutigranjeiros, todo esse comércio nas favelas, quando de evangélicos, leva sua marca em sua apresentação pública. Em termos políticos, o crescimento de evangélicos nas bases sociais tem produzido muitos efeitos na sociedade mais ampla. Não dá para falar em eleições hoje sem considerar essa camada da população. Não é possível analisar o movimento social urbano hoje sem refletir sobre a ação crescente de evangélicos. São mais de 1.300 denominações no Brasil, segundo o IBGE. Esse número pode ser ainda maior agora, dada a natureza de criação de novas denominações, como falei anteriormente.

Qual seria a explicação para que o maior crescimento de denominações nas comunidades seja justamente o das pentecostais?
As denominações pentecostais não crescem somente em favelas e periferias. As igrejas protestantes, também chamadas de missão ou históricas, são minoria há muitas décadas no Brasil. Assim como a Igreja Católica, as protestantes têm um modelo de governo centralizado e estão se pentecostalizando em termos rituais e teológicos como modo de atender à demanda de parte da membresia e atrair novos fiéis, mas essa renovação não acontece sem embates internos de um núcleo que gostaria de se manter mais tradicional.

De alguma forma os moradores veem na Igreja uma resposta a ações que deveriam ser feitas pelos governantes?
Uma fala muito comum sobre o crescimento pentecostal é que ele acontece onde falta o Estado. Esse é um modo limitado de analisar a questão. A vulnerabilidade social das populações sempre foi foco de atenção do cristianismo, seja católico, seja evangélico. A mensagem de Cristo é de atenção e ajuda aos mais pobres. A Igreja Católica sempre fez bem essa intermediação tanto entre os mais pobres quanto entre os mais ricos nas sociedades nas quais está presente de modo consistente. A mensagem teológica; o tipo de rede de apoio; o ritual mais emocional, cheio de músicas e envolvido por testemunhos de convidados e do próprio pastor, que, diferentemente dos padres, também tem famílias e passa por dificuldades semelhantes àquelas da assembleia, são fatores muito mais importantes para compreender esse crescimento nas periferias do que a ausência ou presença precária do Estado nessas localidades.

Ranking

As 10 maiores favelas do Brasil
1ª Rocinha (RJ) – 70 mil moradores
2ª Sol Nascente (Ceilândia), Distrito Federal – 56 mil moradores
3ª Rio das Pedras, Rio de Janeiro (RJ) – 54 mil moradores
4ª Coroadinho, São Luís (MA) – 53 mil moradores
5ª Baixadas da Estrada Nova Jurunas, Belém (PA) – 53,1 mil moradores
6ª Casa Amarela, Recife (PE) – 53 mil moradores
7ª Pirambu, Fortaleza (CE) – 42,878 mil moradores
8ª Paraisópolis, São Paulo (SP) – 42,826 mil moradores
9ª Cidade de Deus, Manaus (AM) – 42,4 mil moradores
10ª Heliópolis, São Paulo (SP) – 41,1 mil moradores


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