O ciclo vicioso das apostas que está destruindo famílias e expondo a ilusão do dinheiro fácil e a fragilidade humana
Por Patricia Esteves
Uma nova onda de divórcios tem chamado atenção nas igrejas e famílias brasileiras: a crescente presença de vícios em apostas, especialmente nas plataformas de “BETs” e no “jogo do tigrinho”, que está afetando casamentos em todo o país. A advogada Audrey Cardoso Scattolin, do interior de São Paulo, afirma que 80% dos divórcios que ela acompanhou em 2022 e 2023 foram motivados por vícios em jogos de azar. Para uma de suas clientes, a situação chegou ao limite quando o ex-marido apresentou o “jogo do tigrinho” ao filho de 12 anos.
Felipe, por exemplo, ainda não decidiu se deve contar à sua ex-esposa sobre os cerca de 40 mil reais que perdeu em apostas. Após 12 anos de casamento e um filho em comum, o comportamento ausente de Felipe e a suspeita de sua esposa sobre a origem das dívidas levaram à separação. “Eu não conseguia mais desempenhar meu papel em casa, como pai e marido”, compartilha Felipe.
O vício em apostas também tem uma face camuflada em outras dificuldades familiares. Vinicius de Souza Campos, terapeuta familiar, explica que muitas vezes o vício se esconde atrás de outros problemas, como violência patrimonial ou até física. “É comum que as famílias cheguem ao consultório já em processo de separação, com um dos cônjuges endividado e a estrutura familiar fragilizada.”
A enfermeira Talita Lima, do Rio de Janeiro, precisou tomar as rédeas das finanças da família ao perceber que seu marido estava viciado em apostas. “Em um lar cristão, na minha visão, o homem é o provedor e a mulher é a zeladora. Mas eu passei a ser a provedora e a zeladora”, desabafa. Ela só percebeu a gravidade da situação quando engravidou e descobriu o nível de dívidas que seu marido acumulava.
A popularidade das plataformas de apostas, que cresceram exponencialmente no Brasil durante a pandemia, foi impulsionada pela paixão nacional pelo futebol. No entanto, especialistas como Patrícia Gorisch, do Instituto Brasileiro de Direito de Família, alertam sobre o impacto a longo prazo dessas atividades nas famílias. “Ainda não sabemos as reais consequências disso para as relações familiares e interpessoais”, observa Gorisch.
O vício em apostas, assim como outros vícios, é um desafio espiritual e social que as igrejas devem enfrentar com acolhimento e orientação. É importante que as famílias encontrem apoio em suas comunidades de fé, buscando ajuda profissional e aconselhamento pastoral para lidar com as consequências devastadoras do vício. Assim como Talita, muitos cristãos estão redescobrindo novos papéis dentro de suas famílias enquanto tentam equilibrar fé, amor e paciência no caminho para a restauração.
“É como se o ímpeto para soluções fáceis para os problemas do dia a dia já estivesse dentro da pessoa — o desejo de ganhar muito com rapidez e pouco esforço — e apenas fosse revelado pela oportunidade de uma aposta. Em alguns casos existe, sim, o elemento da ganância por trás das apostas; mas o que vem antes — e talvez na maioria dos casos — é a ilusão de que a próxima aposta resolverá tudo”, conclui o teólogo Magno Paganelli. Com informações da BBC Brasil