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sexta-feira, 29 março 2024

Beirute, a destruição e o sofrimento do povo

Foto: Hussein Malla/AP

“É necessário muita fé e atenção para o cuidado com esse povo tão sofrido, enfrentando mais um sofrimento”, diz missionária brasileira, ao relatar a situação caótica de uma Beirute completamente destruída com a explosão

Por Priscilla Cerqueira 

“Beirute está devastada, completamente arrasada”, diz Clara (nome fictício por segurança), uma missionária brasileira que mora com a família na capital do Líbano. Dois dias após a explosão que devastou a cidade e deixou 157 mortos e mais de 5 mil feridos, a população une esforços para limpar o que ficou.

Em meio a indignação e dor, dezenas de libaneses foram às ruas da capital ajudar na limpeza dos escombros. Apesar do mundo inteiro ter se sensibilizado com a situação, o país ainda precisa de ajuda. “Temos visto muitos aviões e barcos chegando, muitos países se manifestaram, mas poucos realmente estão enviando ajuda”, diz a missionária.

Hoje, o governo do Líbano exigiu agilidade e deu quatro dias para um comitê apresentar seus primeiros resultados da investigação, que vai apontar as causas das explosões. Clara, que é da Igreja Presbiteriana do Brasil, conversou com a Comunhão por telefone e explicou o triste cenário em que a capital do Líbano se encontra. Confira a entrevista!

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Qual o cenário em que se encontra Beirute após o incidente?

Beirute acabou, está devastada, completamente arrasada! Os prédios só restaram tijolos. Milhares de prédios, casas, comércios, bancos, tudo destruído. Conhecida como a Fênix do Oriente, mais uma vez Beirute está em cinzas. Os hospitais antes já lotados por conta da pandemia do Covid-19, não estão conseguindo atender os feridos da explosão. Os médicos tentam atender os mais graves nos estacionamentos dos hospitais, e as vítimas que conseguem vaga lá dentro, estão totalmente expostas a contrair o coronavírus. Os bancos de sangue estão vazios, e agora há uma campanha enorme no país para a doação. Já são contados mais de 200 mortes, 5 mil feridos e mais de 300 mil pessoas desabrigadas, e ainda não conseguiram contar o número de pessoas soterradas e desaparecidas. Na cidade há muitos vidros quebrados, carros batidos, entulhos nas ruas. A cidade está totalmente destruída.

Tem chegado ajuda de outros países?

Temos visto muitos aviões e barcos chegando, muitos países se manifestaram, mas poucos realmente estão enviando ajuda. O mundo inteiro se sensibilizou, mas pouca é a ajuda até o momento. Estão fazendo uma grande campanha para ajudarem a Cruz Vermelha no resgate e atendimento aos feridos, pois são eles que estão realmente salvando as pessoas do meio de entulhos e mais.

Como estão os libaneses diante dessa situação caótica que o país enfrenta, onde muitos perderam seus entes queridos?

Os libaneses estão extremamente tristes, inconsoláveis, é uma dor tão grande, muitos perderam entes queridos, familiares e amigos, e muitos também perderam suas casas, empresas, escritórios. Além disso estão assustados e revoltados, pois já era de conhecimento político o armazenamento errado do nitrato de amônio naquela região, e não foi feito nada em relação a isso. Desde outubro/2019 a população está nas ruas em busca de direitos e contra a corrupção que não é segredo para ninguém, que existe. O país já vem sentindo grande impacto com a enorme desvalorização da moeda, a falta de circulação do dólar, falta de emprego, os bloqueios das contas nos bancos (não podem tirar seus dinheiros), diversos produtos em falta nos mercados, e as manifestações em busca de uma vida melhor estão ganhando cada vez mais força. E como se não bastasse tudo isso, ainda tem a troca de energia, a maioria do dia 6 vezes por dia ou até mais. A internet não funciona direito. Os Libaneses já estavam no limite com toda essa corrupção, mas isso foi a gota d’água, essa explosão foi puramente negligência política.

No dia da explosão, onde estava e o que foi possível presenciar? Houve pânico, desespero e medo?

Eu e minha família estávamos em casa do momento da explosão, nosso prédio fica a 5,5 km de distância do Porto, local da explosão. E um dia antes meu país tinha ido até a rua do Porto caminhando e no dia, iríamos todos, mas não sei por qual motivo acabamos não indo (proteção de Deus). Sentimos tremer muito forte o prédio (achamos que fosse terremoto, pois já vivenciamos isso aqui, a pouco tempo), mas o tremor parou. Então fomos a janela ver o que estava acontecendo. Vimos que estava subindo tipo uma fumaça estranha, grande e rosa no Porto, e estávamos procurando algum avião ou algo do tipo no céu. Até achamos que fosse bomba lançada pelo país vizinho, mas não vimos nada. Então vimos uma nuvem branca se aproximando num momento, e no outro estávamos sendo arremessados no chão, um barulho extremamente forte nos nossos ouvidos e o prédio tremia de novo, mas agora muito mais forte. Fomos rastejando pelo chão até um ponto mais seguro na casa. Ficamos desesperados. Não consigo nem explicar o que sentimos naquele momento. Não sabíamos o que era, pra onde iríamos, o que faríamos, completamente assustados. Devido ao histórico de guerra e ameaças recentes, tínhamos certeza de que o país que faz fronteira ao sul do Líbano estava invadindo aqui. A luz foi cortada, a internet também, e não conseguíamos fazer contato com ninguém.  Foi o momento mais horrível, tenso, de medo e pânico que já passei na minha vida! Fomos na mesma hora preparar uma mochila com documentos, água, algumas roupas e coisas importantes, pois talvez teríamos que sair de casa. Fomos ver se os vizinhos estavam bem e eles estavam. É um povo com vivência em situações como essa, infelizmente, eles estavam bem nada tinha sido quebrado. Vimos muitos vizinhos voltando extremamente rápido para casa também, pois não era seguro ficar na rua. Nossa família e amigos então começaram a nos ligar e mandar mensagens desesperadamente, até agora não conseguimos responder a todos. Eles estavam muito assustados com as imagens e notícias que estavam vendo. Muitas notícias eram mentiras, e aos poucos fomos conversando com eles, falando o que tinha acontecido e eles foram ficando mais calmos. Qualquer barulho mais forte que faz dentro ou fora de casa, nós já levamos um susto enorme e ficamos super preocupados. É uma situação realmente muito tensa. Mas Deus está a frente de tudo, tem nos amparado e dado forças para os libaneses nesse momento tão difícil.

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A cidade está completamente destruída após a explosão. Foto: Reprodução

O que a população local e até mesmo as autoridades do país tem pensado com relação as causas dessa explosão, já que o país tem histórico de guerras e está numa região de conflitos constantes?

A hipótese de ter sido uma invasão já foi completamente descartada, sabe que foi a negligência política que gerou essa explosão, mas ainda não se sabe o que causou essa explosão. A substância (Nitrato de Amônio), que explodiu é extremamente tóxica e pode causar crises de espirros (como é o meu caso), tosses, alergias na pele, e até mesmo sérias complicações respiratórias, levando até a morte. Por isso o governo alertou para que todos permanecessem com as janelas e portas fechadas, e caso fosse sair de casa, mais do que nunca deveriam ir protegidos e o uso de mascara é imprescindível. Mas isso não está impedindo de pessoas, principalmente os jovens, irem até o local e ao redor, para ajudarem com as coisas quebradas ou até mesmo varrerem as ruas. A população está se ajudando mais do que nunca! Os países vizinhos e próximos, estão numa situação de “trégua”, e estão oferecendo ajudas e até mesmo abrindo os hospitais para os feridos serem atendidos.

Como está a atuação das igrejas locais e até mesmo de fora no sentido de apoio espiritual para a população?

Estamos recebendo muitas ligações de amigos e pastores, que estão orando conosco e nos dando todo o tipo de apoio. Nossa base missionária está até mesmo nos enviando ajuda e nos dando amparo psicológico, pois foi realmente um trauma. Por conta da pandemia e pela falta de emprego no país, as igrejas evangélicas do Líbano já estavam realizando diversas ações sociais, fornecendo comida, roupa, abrigando pessoas que perderam suas casa. E agora com essa explosão aumentou ainda mais o número de desabrigados e consequentemente as ações da igreja. Eles estão se locomovendo, enviando equipes, voluntários e abrigando pessoas vítimas da explosão. Meu pai mesmo tem ido ao local da explosão como voluntário, ajudando no que for preciso. Eles estão precisando de todas as ajudas nesse momento difícil. Estamos vendo muitos jovens indo até lá ajudando no resgate, limpando e varrendo destroços.

E os cristãos, que já sofrem algum tipo de perseguição, como estão ligando com essa situação?

Eu acredito que Deus age também nessas horas difíceis para abrir portas para que o Seu amor seja espalhado. Agora não há mais separação por causa da religião. Estão todos se ajudando, preocupados um com o outro. Os libaneses são pessoas de ótimos corações. Agora mais do que nunca estão unidos e precisando de ajuda, amparo e amor. Há uma grande mobilização para abrigar as pessoas desabrigadas, doação de roupas, comidas, objetos de uso pessoal (papel higiênico, sabonetes, entre outros), remédios, etc.
É uma situação caótica e extremamente delicada. É necessário muita fé e atenção para o cuidado com esse povo tão sofrido, enfrentando mais um sofrimento.

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